Num ano em que a redacção Altamont pensaria que não haveria tantos discos para votar, eis que batemos o recorde no volume. No ano passado já tínhamos chegado aos 51 mas em 2022 subimos a parada e chegaram 68 álbuns ao nosso top, que volta a ser bastante diverso. Ao contrário de outros anos, não houve nomes tão consagrados mas é de salutar o regresso de Mário Laginha, Cristina Branco, Amélia Muge ou ainda Ana Moura. Estas foram as nossas escolhas nacionais para 2022, num ano marcado pelo jazz e belas belas vozes femininas.
Frederico Batista

20. João Paulo Esteves da Silva / Cristina Branco
Amoras numa tarde de Outono
Colaboradores de longa data, João Paulo Esteves da Silva e Cristina Branco trouxeram-nos, em 2022, um registo de vários momentos nos quais foram colaborando ao longo dos anos, em forma de Amoras numa tarde de Outono. o pianista do nome comprido é o autor da grande maioria das canções, tendo sido pensado como uma apresentação intimista de um recital de piano e voz. O intimismo é deles, o deleite é nosso.
19. Goodbye, ÖLGA
Goodbye, ÖLGA
É de salutar haver bandas a fazer a prova de vida que o rock precisa, em Portugal é um género algo descurado nos últimos tempos, havendo poucas bandas a ajudarem na frente de “combate”, e se anos houve em que se reclamava que cantavam todos em inglês, agora observa-se mais o contrário, com a maior parte a optar pela língua materna, sendo aqui quiçá os Linda Martini os principais carregadores da chama olímpica. Os Goodbye, ÖLGA vêm então preencher um nicho praticamente abandonado, e fazem-no com argúcia e vigor. Há que lembrar que só o rock salva.
18. Ricardo Toscano Trio
Chasing Contradictions
São apenas 5 canções, com uma duração total de 35 minutos, que passam rápido mas pedem várias novas audições, ao final de qual irá descobrir os recantos vários que Toscano deixou espalhados para que o deslumbre seja contínuo e duradouro no tempo. Um belo disco de um dos nossos pontas de lança no jazz (editado pela Clean Feed, o Messi das editoras de jazz no mundo).

17. chica
Cada qual no seu buraco
Chica, uma minhota em Lisboa, como se apresenta no bandcamp, lançou em 2022 o seu primeiro EP – Cada Qual no Seu Buraco – com o selo Maternidade e produzido por Luís severo. Com guitarras e melodias suaves como pano de fundo, Chica canta sobre as suas dores de crescimento e sobre o desencanto com a vida adulta, pintando de forma clara quadros bem familiares dos desalentos do dia a dia (a loiça por lavar ou a dificuldade de ter uma casa). O single “Brincar com o cão” é especialmente brilhante na sua simplicidade quase infantil a contrastar com a letra acutilante, mas as restantes 4 canções do EP também merecem toda a atenção.

16. Gala Drop
Amizade
Oito anos depois de II, os Gala Drop voltaram com Amizade. Se em 2014 tinham ficado em oitavo lugar no nosso top nacional, o novo disco da banda lisboeta volta a alcançar o nosso top 20. Com as saídas de Jerrald James (aka Jerry The Cat, ex-Funkadelic) e Guilherme Canhão da formação, a banda virou trio – Afonso Simões, Nelson Gomes e Rui Dâmaso – e continua a estimular-nos, instrumento ante instrumento, com camadas e psicadelismo dub, sem perder o funk de Detroit que nos hipnotizou em II.
15. serge fritz
Gandulo
serge fritz é um projeto novo, tão a estrear que ainda temos de tirar o plástico envolvente. Mas já sai crescido, composto e recomenda-se. Ao longo de 11 canções, serge fritz leva-nos por viagens tão distintas como sonoramente agradáveis. Nota-se em tudo, mais que uma influência, uma aproximação a projetos como Sensible Soccers e ser-se comparado a um dos melhores grupos nacionais não é displicente. Mais que falado ou escrito, este Gandulo é para ser ouvido.
14. Surma
Alla
Alla é um dos mais bonitos discos do ano português, e dele ficaremos próximos até à próxima aventura sonora da menina cada vez mais crescida de Leiria, de Portugal e do mundo inteiro. O mundo é o umbigo dela e nela ecoa o umbigo do mundo. Agora que o ano se aproxima do fim a passos largos, não deixe para 2023 o que ainda pode e deve ouvir em 2022. Será caso para se dizer, numa piscadela marota de olho, Alla, que se faz tarde.
13. Filho da Mãe
Terra Dormente
É comum, em textos elogiosos sobre discos de autores cuja carreira já tem uns quantos anos, dizer que este é “o seu melhor álbum desde…”. Não conseguimos fazer já essas contas, mas não temos dúvidas nenhumas: onze anos depois da estreia discográfica, Rui Carvalho voltou a elevar o nível e a dar-nos uma banda sonora mágica, encantadora e encantatória. Grandessíssimo Filho da Mãe!
12. Club Makumba
Club Makumba
Esta estreia dos Club Makumba, como quase toda a música instrumental, ganha em coerência aquilo que se perde em distinção, dando-nos um todo que deve ser consumido por inteiro, e não necessariamente este ou aquele tema que se eleve acima dos demais e se insinue em audições repetidas obrigatórias. O palco acabou por ser uma casa natural para este projecto, lugar onde esta jam planeada teve a oportunidade de se soltar ainda mais, para territórios inexplorados.
11. Éme e Moxila
Éme e Moxila
Este é um disco onde a música tradicional portuguesa encontra a indie pop, e as canções são pautadas por harmonias vocais e instrumentais, tanto piscando o olho ao twee pop como ao Vira do Minho. A lírica apresenta cenas de um quotidiano urbano, mas onde também encontramos, por contraste, um sentimento bucólico. Éme e Moxila, o primeiro álbum em dueto de João Marcelo e Mariana Pita, é sem dúvida um dos acontecimentos mais inspiradores de 2022.
10. Mário Laginha
Jangada
A alquimia de Mário Laginha com os seus parceiros de trio de longa data, Alexandre Frazão na bateria e Bernardo Moreira no contrabaixo, é mais uma vez mostrada ao público em Jangada. E poucas palavras há para descrever a delicadeza e sumptuosidade deste disco, um delírio para as nossas papilas auditivas, rico de momentos intensos, quer nos solos de instrumentos, quer na confluência dos três a comunicarem na sua linguagem muito própria.
9. Amélia Muge
Amélias
O título, Amélias – assim, no plural -, explica logo a essência do disco: Amélia Muge desdobrando-se em muitas vozes, harmonizando consigo própria. Alguns temas são à capela, levando o exercício ao extremo, mas o mais habitual é haver percussão de fundo – discreta, brincalhona, mais preocupada em desenhar ambientes do que em servir de relógio. Mais raramente, há a intrusão de outros instrumentos – violoncelo, filiscórnio (não nos perguntem o que raio isso é!) e outras texturas bizarras – mas mesmo nestes casos é sua majestade a voz – perdão, vozes – que está no centro.

8. Manuel Fúria
Os Perdedores
Manuel Fúria é uma figura singular da música portuguesa. Zero dúvidas sobre isso. Em 2022, trocou as guitarras pelas electrónicas e deu-nos o seu disco mais pessoal, assinado sob o nome Os Perdedores e de título homónimo. Tem muitas referências a Lisboa, a tempos idos, mas traz consigo uma luz (o renascimento?) especial – Fúria apresenta-nos duas mãos cheias de canções inspiradas, vibrantes, aqui e ali festivas mesmo que o mote seja, quase sempre, a perda e o lamento. O músico deixou muita coisa para trás, mas chega-nos agora mais seguro, com uma identidade mais vincada. Nem todos gostarão, mas quem gosta, em princípio gosta muito.
7. Maria Reis
Benefício da Dúvida
Benefício da Dúvida, um álbum “grunge” gravado em 2021, em Viseu, por uma mulher e a sua irmã, com uma viola braguesa e um pandeiro. Parece ser um discurso incoerente, mas, depois de ouvir o disco, tudo vai fazer sentido.
6. Golden Slumbers
I Love You, Crystal
O segundo álbum das Golden Slumbers, I Love You, Crystal, solta-se da camisa-de-forças do puro folk, abrindo-se ao indie e à dream pop. A beleza quase ofuscante das vozes é cortada por uma tensão subterrânea – um feedback de guitarra ali, uma dissonância nas teclas acolá. É fácil identificarmo-nos com essa ambiguidade, pois ela define o nosso tempo: por debaixo do verniz de conforto, esconde-se um medo vago de um apocalipse que há-de vir. Mas não se assustem: é a beleza que impera. A beleza de duas vozes límpidas e celestiais entrelaçando-se no jardim do Éden, indiferentes ao olhar vítreo da sempre rondante serpente.
5. Ana Moura
Casa Guilhermina
Casa Guilhermina é o espelho de um Portugal plural, ciente das suas raízes mas disposto a olhar para à frente com esperança e entusiasmo, sem medo de reconhecer as suas ligações e influências passadas, os seus laços de sangue, memória e trauma. Casa Guilhermina é a prova de que Ana Moura é mais do que “aquela que cantou com o Prince uma vez”, de que é uma artista em evolução, disposta a abrir-se ao mundo, passado e presente, e a arriscar – ainda para mais numa área sempre tão quadradona e conservadora como o fado. Uma salva de palmas para Casa Guilhermina.

4. You Can’t Win, Charlie Brown
Âmbar
Ao quarto disco de originais, os You Can’t Win, Charlie Brown abraçaram-se ao português. Em boa hora o fizeram, que a língua dos nossos avós assenta-lhes tão bem. Mas o câmbio semântico não é a única mudança neste novo disco. Há um registo mais delicado do que o habitual, com mais romantismo, com mais espaço para contemplar e mais tempo para respirar. Todas as canções têm nome de mulher e talvez por aí se explique a elegância que atravessa todo o disco. A luminosidade e os arranjos – sumptuosos e primorosos – são os mesmos de sempre, mas a toada geral deste disco é mais lânguida e sedutora.
3. Papillon
Jony Driver
Papillon tem uma relação privilegiada com as palavras. Com a sua forma, sonoridade e sentido. É, acima de tudo, um artífice da caneta e da página em branco, mas que tem também um sentido estético apurado e uma ética de trabalho inesgotável.
2. Fumo Ninja
Olhos de Cetim
Um belo projecto fruto de pandemia, Olhos de Cetim é a estreia dos Fumo Ninja em disco, onde tudo é feito no sentido de criar uma espécie de sonho idílico, um imaginário alucinado, mas que nos conquista de uma forma tão suave que nem nos apercebemos bem ao que vamos, espécie de canto das sereias a cativar Ulisses. Urge descobri-los.
1. A Garota Não
2 de Abril
2 de Abril é um disco bonito e intenso. A sensibilidade feminina que aqui se ouve e lê tem um particular encanto, parecendo debruçar-se sobre os assuntos que trata de modo a parecerem vinculados a uma certa beleza nostálgica e perene. A Garota Não já ganhou espaço nos nossos ouvidos e nos nossos corações. Vale a pena ir à luta com ela.
Editor-chefe:
Frederico Batista
Editores:
Alexandre Pires, Carlos Vila-Maior Lopes, Duarte Pinto Coelho, Ricardo Romano, Tiago Freire
Redacção: Alexandre R. Malhado, Ana Baptista, Ana Catarina Tiago, Ana Lúcia Tiago, Cátia Simões, Diogo Barreto, Filipe Garcia, Gonçalo Correia, Joana Canela, João Salazar Braga, Liliana Fidalgo, Mafalda Piteira de Barros, Marcela Janeiro Pereira, Margarida Moita dos Santos, Miguel Moura, Patrícia Cuan, Pedro Candeias, Pedro Primo Figueiredo, Tiago Crispim
Fotografia e Vídeo:
Cecile Lopes, Francisco Fidalgo, Inês Silva, Hugo Amaral