O ano de 2022 foi o da recuperação mental após os últimos dois que nos varreram a sanidade. Foi o ano do fim das restrições que permitiram o regresso do público aos concertos e festivais, sem medos e temores. No que toca a discos também foi ano de regressos, alguns a mostrarem que continuam em grande forma, outros, nem tanto. De 95 discos votados pela nossa redacção chegámos a estes 20, que vão desde os clássicos da britpop até à mpb e, curiosamente, estão perfeitamente divididos entre vozes femininas e masculinas. Estas são as escolhas internacionais do Altamont para 2020!
Frederico Batista

20. Suede
Autofiction
Autofiction é um dos discos mais musculados dos Suede, que soam agora tão urgentes como nos momentos áureos. Há aqui e ali ecos de Joy Division ou The Cult (!), as teclas e camadas eletrónicas dão lugar a uma segunda guitarra, mas tudo é relevante, bom e coeso, em mais uma etapa bem-sucedida no livro que o grupo tem escrito dedicado à arte de saber envelhecer.
19. Yeah Yeah Yeahs
Cool It Down
Ao quinto álbum de originais, depois de quase uma década de espera, os Yeah Yeah Yeahs surgem renovados. A energia de Karen O é a mesma, a qualidade continua irrepreensível, mas a evolução é notória. Os Yeah Yeah Yeahs souberam adaptar-se à evolução dos tempos, com o sair de moda do indie, e adoptar sonoridades mais eletrónicas para este novo trabalho.

18. Julia Jacklin
PRE PLEASURE
Entre a crise existencial do seu primeiro álbum e a descoberta, no segundo, de que até no caos está tudo bem, Jacklin cresceu. Abraçou com carinho a sua eu passada, sem nunca perder o seu lado confessional e sincero de observação exterior das suas ansiedades interiores. Em PRE PLEASURE começamos a perceber que, talvez, os nossos problemas não tenham fim – apenas conseguem fazer-nos mudar de perspectiva. Julia Jacklin é a prova de que meninas de colarinho rendilhado e risco ao meio, de alma doce e sensível, podem fazer rock. Não só podem, como o fazem bem e merecem todo o espaço para o fazer ouvir.

17. Sharon Van Etten
We’ve Been Going About This All Wrong
We’ve Been Going About This All Wrong é o sexto álbum de estúdio da cantautora americana Sharon Van Etten. Com um ambiente taciturno, e em certo modo perturbador, fruto dos tempos conturbados vividos pela artista nos últimos dois anos, como a mudança de estado e a maternidade, por exemplo. Mesmo com o ambiente claustrofobico do disco é, provavelmente, um dos melhores álbuns da sua carreira.

16. Yard Act
The Overload
The Overload, disco de estreia dos ingleses Yard Act, vem mais uma vez mostrar que os arautos que há anos declaram a morte do rock estão errados. As canções, que soam a The Fall ou Pulp com uma camada extra de pós-punk, não são canções para sabermos de cor e cantarmos em coro. As letras são longas e complexas, mas nem por isso desinteressantes. Com um sentido de humor apurado e sagaz e pela voz de personagens variadas, os Yard Act falam-nos do racismo da era pós-Brexit, do domínio do capitalismo na vida suburbana, e da libertação niilista que é aceitarmos que a vida não tem nenhum propósito especial.
15. Weyes Blood
And In The Darkness, Hearts Aglow
A partir do momento em que o ouvinte se deixa levar pelo canto de Weyes Blood, interiorizando as mensagens oníricas que a artista propaga, é possível que entre num estado de dormência, durante o qual é incapaz de assimilar os mantras, ora esperançosos, ora esmorecidos, de Weyes Blood, que continua a acreditar que o Mundo deixará de estar envolto na Escuridão, caso Deus a transforme numa flor, o eterno símbolo da paz, da vida e da luz. Iremos sair desta Escuridão. Basta-nos confiar na palavra e na voz de Weyes Blood.
14. Kevin Morby
This is a Photograph
Kevin Morby é um artista crescido. Com sete álbuns lançados em nome próprio, Morby continua a crescer. Podemos dizer, com certeza, que já não é “apenas” o ex-guitarrista de Woods ou dos The Babies, muito menos um aspirante de Bob Dylan disfarçado. This is a Photograph é um álbum inspirado, maduro, consciente da sua autoconsciência, sem nunca perder as raízes do Kansas, Mississippi, de onde Morby é natural.
13. Big Thief
Dragon New Warm Mountain I Believe in You
Dragon New Warm Mountain I Believe in You é um novelo de lã composto por várias linhas soltas e de cores e grossuras diferentes. É um disco de uma beleza e candura fenomenais e de tristeza absoluta. É um disco em que as raízes americanas estão bem presentes, tal como a experimentação, imaginado por uma mulher sofrida que nunca saiu realmente do parque de roulottes. É um disco dos Big Thief e isso nunca é mau.
12. Bala Desejo
Sim Sim Sim
Bala Desejo é coisa boa, música que faz pensar na MPB dos anos 70, junção milagrosa de Caetano, Rita Lee, Ben e Novos Baianos nos sons e nas vozes de Julia, Dora, Zé e Lucas que souberam edificar uma obra sólida, toda ela construída como se soasse tão espontânea quanto possível. Um pequeno milagre musical!
11. Angel Olsen
Big Time
Big Time é um álbum marcadamente melódico, melancólico e triste, sobre dor e separações e despedidas, com instrumentalizações simples, mas cuidadas, cheio de slide guitar, alguns metais, uma voz cristalina, pouca eletrificação e várias baladas. Não é provavelmente uma obra para nos despedirmos dos dois anos mais estúpidos da nossa vida recente e talvez funcione precisamente para isso: para nos relembrarmos que as coisas más acontecem e que é preciso escrevê-las e cantá-las, como terapia, numa melodia cantada por uma mulher sensível.
10. Porridge Radio
Waterslide, Diving Board, Ladder To The Sky
A banda de Dana Margolin mantém-se no registo que nos conquistou em 2020 – a dar tudo em cada música, mostrando a fragilidade que lhe vai na alma perante esta nova fase da sua vida de ser líder de uma conhecida banda indie e o impacto que terá nas suas relações. Deixando todos os sentimentos aflorarem, serem expelidos qual vulcão em erupção, aparenta ser a única forma que Margolin conhece para tranquilizar o seu ser, partilhando connosco o que lhe vai na alma.
9. Rosalía
MOTOMAMI
MOTOMAMI é um trabalho importante, pois prova que existem diversas estradas para o sucesso comercial. Os tempos em que era necessário cantar em inglês ficaram no passado. Hoje em dia, desde que haja criatividade e invenção, é possível chegar a todo o lado e ao topo de todas as tabelas. ROSALÍA conseguiu alcançar o céu e, a cada dia que passa, transforma-se numa estrela criativa que ilumina cada vez mais o presente e o futuro da música pop.
8. Fontaines D.C.
Skinty Fia
Ao terceiro disco a banda irlandesa parece ter encontrado o seu ponto de equilíbrio – entre punk mais visceral e shoegaze introvertido, entre aspereza e delicadeza, entre gritar na cara e falar ao ouvido. Se já havia poucas dúvidas em relação aos irlandeses, com mais este disco ficam totalmente dissipadas – os Fontaines DC são uma banda grandíssima.
7. Arcade Fire
We
Os Arcade Fire regressam na sua melhor forma, com um disco que soa indubitavelmente a Arcade Fire, aperfeiçoado, um regresso a um tempo pré Reflektor mas que não esquece o que nos trouxeram neste trabalho e em Everything Now e que é o disco que todos queríamos ouvir. Vagamente inspirado no romance distópico homónimo de 1924, onde os cidadãos vivem em apartamentos de vidro para serem mais facilmente vigiados e tudo lhes é atribuído através de um algoritmo, do emprego ao parceiro – os Arcade Fire trazem-nos um trabalho curto, mas onde todos os elementos que os caracterizam estão presentes.
6. Black Country, New Road
Ants From Up There
Se o primeiro LP dos Black Country, New Road assenta num post-punk brusco e desenfreado, em que períodos sonoros serenos eram a exceção e não a regra, em Ants From Up There, o paradigma inverte-se: os temas são mais pacientes e contemplativos, mas igualmente intensos.
5. Spiritualized
Everything Was Beautiful
Everything Was Beautiful é Spiritualized®, e nessa palavra cabe quase tudo, cabendo sobretudo o universo distorcido de uma mente que teima em se reerguer trazendo consigo as raízes da sua lenta destruição. Saudemos aquele que nos traz inquietação e felicidade! Saudemos Jason Pierce! Saudemos o que encontramos em Everything Was Beautiful!
4. The Smile
A Light for Attracting Attention
Há em A Light for Attracting Attention espaço para música eletrónica, rock rasgadinho, elementos jazz e mais uma série de coisas. Há, acima de tudo, espaço para tanta coisa respirar por si mesma – Yorke e Greenwood têm muitos anos a construir música juntos, e Godrich na sala de misturas é garantia de que o todo nunca abafará o individual.
3. Kendrick Lamar
Mr Morale & The Big Steppers
Kendrick Lamar não quer mais a coroa de salvador. No seu novo disco desvenda-nos os demónios que combateu nos últimos anos e permite-nos participar na sua catarse. Neste disco, mais do que em qualquer outro, temos Kendrick a mostrar a sua técnica enquanto rapper, dispensando flows tão variados que quase somos tentados a acreditar que é mais do que apenas um músico que cospe rimas neste disco, adivinhando que se trata sim de um colectivo. É um disco que não é fácil, mas é essencial. O rei nunca abandonou o trono e deu-nos um dos discos do ano.
2. Bill Callahan
YTI?A??
Bill Callahan voltou aos discos e aos disparos certeiros sobre a realidade dos nossos tempos. Por isso, resolveu invertê-la, para a entendermos melhor. YTI?A?? oferece-nos 12 bonitos temas sobre pessoas, animais, planetas e almas nuas. O bom cowboy de Maryland permanece outonal, como sempre. Já nasceu assim, introspetivo, atento às angustias da alma humana e da sua em particular. YTI?A?? não será o seu melhor álbum, mas vira mais uma página de um caminho há muito traçado, onde sombra e luz, acalmia e vibração vão andando sempre de mãos dadas.
1. Tim Bernardes
Mil Coisas Invisíveis
Ao fim de cinco anos, Tim Bernardes decidiu recomeçar mais uma vez. O seu mais recente álbum traz-nos de volta uma das melhores vozes da atual música popular brasileira. Com os pés bem firmes no chão, com a voz e com os versos bem requintados, Tim Bernardes apresenta-nos Mil Coisas Invisíveis, que afinal, convenhamos, são as suas coisas de sempre, as do dia-a-dia, embora com o esmero de quem sabe bem o que faz, e se aprimorou ao fazê-las.
Editor-chefe:
Frederico Batista
Editores:
Alexandre Pires, Carlos Vila-Maior Lopes, Duarte Pinto Coelho, Ricardo Romano, Tiago Freire
Redacção: Alexandre R. Malhado, Ana Baptista, Ana Catarina Tiago, Ana Lúcia Tiago, Cátia Simões, Diogo Barreto, Filipe Garcia, Gonçalo Correia, Joana Canela, João Salazar Braga, Liliana Fidalgo, Mafalda Piteira de Barros, Marcela Janeiro Pereira, Margarida Moita dos Santos, Miguel Moura, Patrícia Cuan, Pedro Candeias, Pedro Primo Figueiredo, Tiago Crispim
Fotografia e Vídeo:
Cecile Lopes, Francisco Fidalgo, Inês Silva, Hugo Amaral