Já lá vão 15 anos desde a edição de Espaço, doze passados da apresentação de Mongrel, os discos em que se ouve Mário Laginha ao piano, Bernardo Moreira no contrabaixo e Alexandre Frazão à bateria, o trio que este ano assina Jangada, um dos discos do ano.
Sem trabalhos recentes editados, a história conta-se em três momentos. Primeiro, 2015, quando foram chamados ao CCB para um concerto de ligação literária aos universos de Pessoa e Saramago. Depois, quando Alexandre Frazão desafiou os restantes cúmplices para ensaios semanais. O terceiro seria mais chato, mas eventualmente também mais produtivo: com a pandemia, Laginha refugiou-se em casa, dedicado à composição. O resultado chega-nos em Jangada, disco com tanto de improviso como de música escrita. À Jazz.pt, Laginha explicou: “Já nos conhecemos tão bem que por vezes parece ensaiado aquilo que não é. Talvez seja uma das características que melhor nos define e que resulta num enorme prazer em tocarmos juntos”.
“Disquiet” e “Stone Raft”, o desassossego de Pessoa e a jangada de pedra de Saramago, chegaram a Jangada disco que abre com um monumento: ao fim de nove minutos, tão delicada quanto enérgica, “Short Shore” apresenta o tom do disco, o nível dos intérpretes e ainda a sua nacionalidade. Depois, ouvem-se as outras raízes do trio – há “Chorale nº2” para o toque de música clássica e “Ribeira da Barca”, nome de aldeia cabo-verdiana.
Laginha, Moreira e Frazão, brilham à vez. Fosse estreia e ficávamos convencidos do talento de Frazão ao fim dos primeiros segundos de “Disquiet”, precisasse de cartão de visita e Moreira poderia apresentar o solo em “Ribeira da Barca”, a Laginha poderia servir “Kingfisher”. Frazão, Laginha e Moreira, brilham à vez.
Editado pela Edition Records, selo partilhado com Dave Holland e Lionel Loueke, e título traduzido na capa os olhos parecem postos no mercado internacional. Ideia justa. Por cá já não há quem lhes questione o génio ou lhes peça cartão de visita. Por lá não deverá faltar quem saiba dar valor à surpresa.