Benefício da Dúvida foi concebido no final do ano de 2021, a convite da Galeria Zé dos Bois, numa residência artística em Viseu, em colaboração com o Teatro Viriato. Todas as canções são da autoria da Maria Reis e todas as canções do EP são cantadas e tocadas por ela e a sua irmã Júlia Reis (uma família com bastante talento, por sinal).
Este EP é um dos meus álbuns do ano (2022 está a chegar ao fim e a lista já está mais ou menos fechada). Quando foi apresentado, “Benefício da Dúvida” não me despertou logo a curiosidade, mas o burburinho nas minhas redes sociais foi tanto que resolvi dar uma oportunidade, acredito que foi uma das melhores decisões do ano. Aquilo que verdadeiramente espoletou a minha vontade de ouvir o mais recente disco de Maria Reis, foi ver várias vezes a palavra “grunge” associada ao EP. Como seria isso possível? Em 2022, uma mulher portuguesa fazer um álbum “grunge” tendo em conta que esse “estilo” já se encontra extinto há algumas décadas.
Depois de algumas audições percebi que “grunge” é mesmo a melhor palavra para descrever o disco. Com um som cru e denso e lírica sem rodriguinhos e com apontamentos de angústia e sarcasmo. Em relação às letras destacam-se as relações, quer intra quer interpessoais, sempre com uma visão feminista quase a roçar a misandria.
A última canção do disco, “Elefante na Sala”, é provavelmente a faixa mais desconcertante das sete apresentadas. A viola acústica da Maria ganha uma atitude neo-punk e a crueza das palavras deixam-nos desconfortáveis, não num sentido negativo, mas na vontade de interrogar, e duvidar, os “lugares” onde vivemos.
Num panorama musical onde os homens estão em maioria, pelo menos no estrelato, sobressai a importância de ouvir a nova geração de artistas femininas, onde se encontra a Maria Reis, a mostrar que a mulher, e neste caso não só a artista feminina, está no centro da cena numa espécie de visão antropocentrista feminina.
Neste sentido a Maria Reis pode muito bem ser um modelo para quem a ouve. Não me parece que a Maria tivesse esse objectivo quando escreveu Benefício da Dúvida, mas já que falámos em grunge, Kurt Cobain nunca quis ser a voz de uma geração e no entanto todos sabemos o que se passou nos anos 90.
Benefício da Dúvida, um álbum “grunge” gravado em 2021, em Viseu, por uma mulher e a sua irmã, com uma viola braguesa e um pandeiro. Parece ser um discurso incoerente, mas, depois de ouvir o disco, tudo vai fazer sentido. Um dos meus álbuns do ano, de uma das artistas nacionais mais surpreendentes.