No seu quinto disco, os Big Thief procuram explorar todas as potencialidades da sua música. Vão do country, ao rock, ao indie e até ao trip-hop.
“Change” é a primeira palavra que ouvimos Adrienne Lenker, a alma e voz dos Big Thief, cantar no mais recente disco do quarteto americano (há um “okay” em jeito de preâmbulo, mas como qualquer pessoa de bem sabe, nunca se deve deixar que os factos estraguem uma boa história). As letras são entoadas sobre o típico acompanhamento a que a banda nos habituou desde Masterpiece (2016) e Capacity (2017): guitarra acústica, guitarra eléctrica, baixo e percussão. Uma entrada como esta não faz prever o que depois se há-de seguir e que é extremamente recomendável. Dragon New Warm Mountain I Believe in You é um corpo estranho, sem fio condutor, onde os Big Thief procuram explorar todo e qualquer caminho da sua música.
“Change”, a canção que abre o disco, é tudo o que nos habituámos a adorar nos Big Thief, mas elevado à perfeição. A musa-menos-musa do indie rock lança-se numa das baladas mais extraordinárias que já interpretou, inspirada na folk americana e cantada por uma mulher frágil, mas cheia de garra, acompanhada por três hillbillies hipsters. A canção é um lamento por um amor que partiu noutra aventura, mas que deixou marcas indeléveis no coração. “Could I feel happy for you/ When I hear you talk with her like we used to?/ Could I set everything free/ When I watch you holding her the way you once held me?”, canta Lenker.
Mas não é – como esperamos que tenha ficado claro nos dois primeiros parágrafos – a canção de abertura que marca a mudança nos Big Thief, mas sim o restante alinhamento. Até agora os discos da banda eram concisos, com um fio condutor claro. Nos dois primeiros discos, a banda apostou no formato clássico de canções, enquanto os dois registros posteriores (ambos de 2019) eram mais livres, apesar de mergulharem na América mais profunda, tanto em sonoridade como em histórias contadas. Este Dragon New Warm Mountain I Believe in You junta o melhor dos dois mundos. A estranheza e aprofundamento de raízes de U.F.O. e Two Hands com a capacidade de compôr canções de beleza estonteante. Oiçam-se as secções rítmicas de “Time Escaping” (“Remete para a selva”, segundo a Inês) ou o psicadelismo de “Little Flowers” a fugirem à folk clássica.
Mas não acaba aqui a experimentação, os Big Thief esticam a corda e vão até onde nunca tinham ido antes, experimentando com electrónica lo-fi em “Blurred Views” que pode até soar a uma canção feita em Bristol na década de 90, mas cantada por uma miúda que em vez de experimentar ácidos, LCD e pastilhas (as drogas “divertidas” de meninos ricos), se meteu no whiskey e no crack e que viveu durante anos nos famigerados trailer parks norte-americanos. E é ela que está sempre nos nossos ouvidos, a encantar-nos.
Adrienne Lenker não é o protótipo de miúda fixe do indie. Está longe de ser bonita (ao contrário do que podemos imaginar quando a ouvimos cantar na canção que dá nome ao disco) e não é um ícone de estilo que podia aparecer na Vogue Magazine. É uma mulher que sob a fachada de durona é profundamente vulnerável e que manifesta uma gigantesca vontade de ser amada (“I wanna drop my arms and take your arms/ and walk you to the shore/ I’d fly to you tomorrow/ I’m not fighting in this war/ I wanna drop my arms/ And take your arms”, canta em “Simulation Swarm”).
E este disco serve como escape total para Lenker dá asas à imaginação e criatividade. Escreveu canções mais calmas e íntimas como “12,000 Lines” e outras mais espevitadas como “Spud Infinity”, onde volta a brincar com a astronomia e com a ideia de um espaço onde a vida é mais simples. E esta canção, a terceira do disco, é o exemplo perfeito da importância da banda para as canções compostas por Adrianne. O disco a solo lançado em 2020 mostrava-a mais despida e igualmente vulnerável, mas sente-se menos originalidade, menos golpe de asa. Além do acompanhamento típico, “Spud Infinity” tem ainda um violino que eleva a canção a novos píncaros e um berimbau de boca que complementa a batida ao jeito militar do fim da canção. “Red Moon” volta a pegar neste tema da música de quadrilha que associamos aos rednecks americanos e por um breve momento imaginamos os Big Thief a tocarem em instrumentos feitos de garrafões de moonshine e a usar um objecto para lavar a roupa para fazer a percussão, enquanto Lenker canta de palha na boca e lança uns insólito “Hee-ah”s. Buck Meek é o parceiro perfeito de Adrianne, seja a tocar intrincadas figuras harmónicas na guitarra como em “Wake Me Up to Drive”, ou a fornecer apoio vocal na magnífica e simples “The Only Place”.
O texto já vai longo, mas ainda temos de referir a belíssima “Promise is a Pendulum” que salta à corda com as canções ao ser uma canção de introspecção profunda cantada com uma candura infantil que lembra a “After Hours”, dos Velvet Underground. As letras versam sobre a incapacidade de amar completamente alguém e de lhe ser sempre sincero.
Dragon New Warm Mountain I Believe in You é um novelo de lã composto por várias linhas soltas e de cores e grossuras diferentes. É um disco de uma beleza e candura fenomenais e de tristeza absoluta. É um disco em que as raízes americanas estão bem presentes, tal como a experimentação, imaginado por uma mulher sofrida que nunca saiu realmente do parque de roulottes. É um disco dos Big Thief e isso nunca é mau.