Rodrigo Amarante sabe conciliar na lírica, metade feliz, metade pesarosa, com aquela alegria dançável presente em várias faixas. Assim, o cantor equilibra os sentimentos que nos transmite e torna Cavalo num álbum para todas as ocasiões.
Rodrigo Amarante tem tanto amor para dar. Amor de cafuné e chocolate quente. O seu disco de estreia a solo, Cavalo, goza com os clichés desse amor vendido nas rádios, ao mostrar a beleza de algo tão puro e simples. Sei que é assim, porque vi este músico entrar sozinho no palco escuro do Centro Cultural de Belém; foi Devendra Banhart que quis levar na sua digressão o encanto de Amarante, que nos mostrou aí os seus novos temas de antemão. Trazia uma guitarra e dirigia-se a um público que estava longe. “Pelo menos sei que vocês estão aí”, dizia. Cantou-nos com ternura e sorrisos e, acompanhado de apenas alguns acordes básicos, a sua voz chegou a mim – realmente longe – com uma força inesperada. Senti-me vulnerável, mas deixei que ele jogasse com a minha saudade e a minha alegria. Por isso, quando o esperado Cavalo finalmente descobriu o mundo e eu o descobri na íntegra, já sabia que ia ser algo de bom. E era, de facto, uma simplicidade ornamentada com amor.
Começo pelo fim: “Tardei”, a última faixa do álbum, foi a primeira que ouvi e logo me cativou com uma mística espiritualista com travo a perda. É um bom tema de despedida do disco, que começa com “Nada Em Vão”, uma daquelas músicas que me deixa com um sorriso de miúda apaixonada. É uma declaração quente e feliz, feita pela voz de um brasileiro que nos canta um português poético, tão bem quanto o faz em inglês e francês. “Mon Nom” é um bom exemplo de como Rodrigo faz de qualquer língua a sua, mesmo quando nos diz que é um estrangeiro. Outra das qualidades desde trabalho é saber conciliar esta lírica, metade feliz, metade pesarosa, com aquela alegria dançável presente em várias faixas. Assim, o cantor equilibra os sentimentos que nos transmite e torna Cavalo num álbum para todas as ocasiões. Mas não podia terminar esta crítica sem deixar a minha música especial: “Irene”. Não a do Caetano Veloso, mas sim o brilhante original de Rodrigo Amarante. Não precisa de comentários, basta-me deixar a letra: “Saudade eu te matei de fome e tarde eu te enterrei com a mágoa. Se hoje eu já não sei teu nome, teu rosto nunca me deu tréguas. Milagre seria não ver no amor essa flor perene, que brota na lua negra, que seca mas nunca morre. Verdade eu te sequei de longe e tarde eu encostei o medo. Se ontem eu cantei teu nome, o eco já não morre cedo. Milagre seria não ter o amor nessa rima breve, que o brilho da lua cheia acorda de um sonho leve.”