No fundo do mar: vultos do Yannis e amigos deslizam; uma luz lá de cima afina-lhes os contornos e está feito. Esta é a capa de Total Life Forever, o segundo álbum de originais dos Ingleses Foals. Esta capa ao estilo Nevermind é talvez das melhores alguma vez feitas desde que alguém se lembrou de pôr imagens a embrulhar música. É muito trabalhada? Nem por isso, é bastante simples até. É uma beleza natural? É engraçada, mas se formos a ver bem … o Fernando Mendes também é. Então, o que faz desta simples fotografia algo que de livre vontade emoldurava e pendurava ao lado do símbolo do Benfica que tenho no quarto? É simples: ela é a perfeita, e friso, perfeita, materialização daquilo que ouvimos neste álbum.
No fundo do mar: onde os peixes mais macabros fazem casa, mora também a calma, a subtileza ou fluidez que ouvimos falar em filmes ou em livros, mas que poucas vezes experienciamos realmente. Sentir que podemos fechar os olhos e flutuar, sem preocupações nem obstáculos, apenas somos embalados pelo mar que nos faz cafunés pelo corpo e pela alma. Às vezes passamos por uma corrente mais acelerada, que nos embrulha numa mistura de revolta com energia. Pura. É um desconforto que, de certa forma, conforta a sensação de monotonia que os domingos costumam trazer. Temos também zonas onde a luz do sol atravessa com mais força a película de azul que nos envolve e sentimos a alegria de estarmos com frio e algo chega para nos aquecer. Mas tudo muda de ritmo quando vamos mais fundo: mergulhamos de cabeça rumo ao desconhecido, àquilo que sempre existiu, mas que nunca conhecemos. Aí está escuro, está frio, apercebemo-nos que o mais importante se esconde nos sítios menos iluminados, no sítio onde existem as coisas mais maravilhosas.
Jacques Cousteu à parte, tudo isto que tive a descrever é exatamente o que as músicas deste disco nos oferece. Tal e qual. A panóplia de coisas que sentimos assim que músicas como “Black Gold” ou “Miami” entram por nós a dentro são dignas de um documentário do National Geographic Channel. Por entre submarinos e os destroços do Titanic encontramos alegria, tristeza, melancolia ou simplesmente animação. No seu já característico estilo, onde melodias de guitarra se elevam sob um ritmo de bateria simples e constante, os Foals dão nos uma série de razões para acreditar que o pop-rock também pode ter o seu quê de indie. São, de facto, um grupo único a nível de sonoridade que consegue manter-se fiel a uma identidade bem vincada sem nunca cair no pecado da repetição.
De entre os 50 minutos de música boa deste Total Life Forever, é difícil não destacar uma mão cheia de temas que merecem saudoso destaque, mas é impossível não isolar quase num pedestal dois temas sobre os quais deviam ser feitos quadros, estátuas ou até catedrais inteiras: “2 Trees”, a sétima música do álbum, é autêntico monumento à boa música, conseguindo gerar em nós uma sensação de calma, tranquilidade quentinha, que nem o colo da mãe consegue igualar. Mas ainda melhora…
Por tão boa que esta música é, achei por bem reservar-lhe um parágrafo inteiro: “Spanish Sahara”. Nunca consegui encontrar até hoje algo que consiga provocar tanta emoção com algo tão simples como um homem a cantar sobre a rebentação do mar. “Spanish sahara the place that you´d wanna/ Leave the horror here/ Forget the horror here/ forget the horror here/ Leave it all down here”: Este refrão traduz o espírito de toda a música. Completamente despidos de qualquer equipamento de respiração artificial, sem fatos térmicos nem barbatanas, só com o peito cheio de ar que trazemos do mundo exterior, mergulhamos a fundo numa espécie de vácuo onde não há problemas, não há confusões nem azares. Simplesmente existimos. O mundo existe também, mas não nos toca. Vamos nadando rumo a uma espécie de paz espiritual sempre com a respiração sustida. A música vai crescendo, o nosso peito, a perder ar gradualmente, vai ficando mais apertado, mais tenso, até que chega ao ponto em que explodimos. De um momento para o outro vamos disparados de novo á superfície e voltamos a respirar. Nunca uma função fisiológica foi tão gloriosa como o primeiro inalar que fazemos depois desta viagem. Deixamos as nossas roupas sujas no fundo desse mar e emergimos. Novos e brilhantes. Pouca música hoje em dia consegue dar-nos isto.
Holy Fire saiu há relativamente pouco tempo, e muitos (como eu) duvidam que chegue sequer aos calcanhares deste álbum, mesmo assim, este TLF, prova que este grupo de jovens rapazes talentosos têm muito para dar. Dia 28 vou vê-los ao vivo… pelo sim pelo não vou levar o fato de banho.