Três anos depois, Devendra Banhart regressou a Portugal para um reencontro cada vez mais familiar, numa noite em que não faltou carisma, humor e até mesmo um piscar de olhos a Madonna, que concorria pela atenção do público lisboeta na mesma noite.
Enquanto na zona oriental da cidade, o palco estava reservado à euforia da rainha da pop, ali no centro, os olhos e ouvidos estavam concentrados no tão ansiado regresso de Devendra Banhart à capital. O mote era o lançamento do seu mais recente Flying Wig e Lisboa o ponto de partida da tour europeia.
A aquecer um público ainda a meio gás, esteve o cantautor galês H. Hawkline, também ele com o fresquíssimo Milk for Flowers. Hawkline, que não é um novato nestas andanças (este é o seu quinto álbum), deu início à primeira parte sem atrasos, executando o seu alinhamento com elegância e algum humor, não se deixando perturbar nem pelo corrupio dos frentes de sala que continuavam a sentar o público. O galês encerraria com uma faixa mais melancólica, como, citando o próprio, “um DJ que termina o seu set com a pior música possível”, para garantir uma entrada triunfante a Banhart.
Mas a entrada de um Devendra seguro e descontraído, de mãos nos bolsos, dispensaria evidentemente a introdução de quaisquer artifícios. O arranque morno, ao som de “Twin”, o primeiro single lançado em Junho deste ano, depressa deu lugar para o tom quente de “Für Hildegard von Bingen”, numa noite que se foi alternando entre os tons azuis de Flying Wig e a revisitação inevitável a algumas das faixas mais icónicas dos três álbuns anteriores, como “Kantori Ongaku”, “Love Song”, “Golden Girls”, “Mi Negrita”, “Never Seen Such Good Things” e até mesmo uma “Fancy Man”, com a qual protagonizaria um momento mais livre pelo palco com a sedutora ginga a que já nos tem habituado.
Com várias tentativas de incursão pela língua portuguesa, desde um bem-humorado “Tudo bem?” a um “Obrigada”, Devendra procurava justificar-se com sucessivos “Eu deveria saber falar português”. Mas foi com os acordes da guitarra e a sua voz a levarem-nos brevemente até “Santa da Maria da Feira”, que o músico encontrou a sua redenção. Não que dela necessitasse, claro. Como a expressão inglesa diz, “he had us at hello”. Era como se tivéssemos todos sido convidados a fazer parte deste feliz e descontraído reencontro entre amigos, com abraços e piadas entre eles e outras tantas para nós.
A noite não foi só de composições próprias. Durante o concerto, houve ainda tempo para um curto ‘medley’ interpretado pela teclista Sofia Arreguin, com “Let Forever Be”, dos The Chemical Brothers (cantado por Noel Gallagher), e “Don’t Tell Me”, de Madonna. “Uma parte de vocês deve estar a pensar ‘eu devia ter ido ao concerto da Madonna’. Eu também!”, gracejava Devendra um pouco antes. A rainha Aaliyah seria igualmente convocada, a partir de uma versão em ritmo de cúmbia de “Try Again”.
Para o último momento da noite, estavam reservados os clássicos “Baby” e “Carmensita”. Um encore luminoso e pujante que nos transportou de novo para o feliz passado freak folk com o qual Devendra ganhou fama.
A distância temporal baralhada pela pandemia faz-nos sentir que toda uma vida se passou desde a sua última apresentação em Fevereiro de 2020 e, por isso, é seguro dizer que as saudades eram muitas. “This is my night”, clamara Devendra no início da noite. And indeed it was.
Fotografias: Inês Silva