O primeiro disco a solo de Margarida Campelo é uma espécie de visita de amigos de longa data. Tudo soa estranhamente familiar e é reconfortante. É um dos discos do ano, se não quiserem ler mais.
A voz de Margarida Campelo é daquelas que não soa estranha. Colaboradora de nomes como Julie & the Carjackers, Bruno Pernadas, Minta & The Book Trout, Joana Espadinha ou Cassete Pirata em 2023 lança o seu primeiro disco em nome próprio, com edição da Discos Submarinos de Benjamim e produção de Bruno Pernadas.
Afincado em pop, synth e muitos toques de jazz, este Supermarket Joy tem conhecidos de longa data, como João Correia na bateria, Raquel Pimpão nos teclados e António Quintino e Bruno Pernadas nas guitarras, que se por um lado podemos dizer que em Portugal são sempre os mesmos a aparecer, pelo menos que sejam dos bons. E como Margarida Campelo sabe rodear-se de gente que eleva a qualidade do seu trabalho, este artigo já parece mais uma lista de nomes do “quem é quem” da música nacional, mas ainda assim há que destacar que as canções são bem construídas, mesmo não sendo eu fã de frases em inglês no meio de canções em português, e compostas por Margarida Campelo, Beatriz Pessoa, Bruno Pernadas, Francisca Cortesão, Sofia Dinger e Ana Cláudia, que participa também nos coros.
O álbum estende-se por 40 minutos e rola pelos ouvidos como se o tempo passasse rápido. Vai de um pop cheio de sintetizadores a um jazz funky muito apetecível, com toques a Margarida Pinto dos Coldfinger, que tem um excelente (e tristemente esquecido) álbum a solo.
O disco arranca com “Maegaki”, canção sem letra onde os sintetizadores e as vozes viajam em camadas. Em “Physali Fit I” e II pululam os com sintetizadores oníricos e brakes de jazz e “Deusa” marca o primeiro momento mais calmo e analógico do disco. Com “Mapa Astral” e “Faz Faísca e Chavascal”, single deste disco, são canções marcadamente mais pop enquanto que “Love Will Never Be Enough” nos leva ao jazz.
Supermarket Joy anda sempre entre estes dois universos, como alguns dos supracitados amigos e artistas, pelo qual não será algo inesperado. “Maggie” é aliás uma canção justamente entre dois universos, com o theremin como ponte. Podemos fazer uma divisão do disco entre estes dois mundos até ao final do álbum porque quase sempre são saltadas. “Aura de Panda” regressa ao pop. “Deusa de Cera” com uma bateria eletrónica e camadas de vozes distorcidas, “Tropicasio” na maioria com spoken word e com toques de outras latitudes, “Gemma” e “Love Ballad” que terminam o disco marcadamente no jazz.
Como já escreveu Ana Lúcia Tiago sobre o concerto de apresentação de Supermarket Joy, Margarida Campelo merece o lugar no centro do palco e o mais estranho é que apenas 15 anos depois de ser uma voz conceituada no panorama nacional tenha tido a sua estreia à frente de um projeto musical. Pelo menos é uma estreia em grande.