No penúltimo dia do Cool Jazz, a atuação luminosa de Bruno Pernadas e o concerto em que Ben Harper percorreu a sua longa carreira levaram centenas de pessoas ao recinto de Cascais.
Já aqui dissemos que o Cool Jazz é um festival que troca os sapatos de caminhada enlameados por saltos altos, as capas de chuva por blazers, os mongos das grades por lugares sentados cujo preço varia consoante a proximidade ao palco. É arrumado, em todos os sentidos, muito perfeitinho na sua organização e apresentação, realidade a que fazem jus os concertos que lá têm lugar, também eles cuidadosos e bem ensaiados. Não parece possível, no plano do equilíbrio do universo, que, ali, uma corda se parta ou um artista se esqueça da letra, porque nenhum desses cenários faz sentido num festival onde os participantes se deitam na relva sobre mantinhas no fundo da plateia em pé. Neste que foi o penúltimo dia da programação, eram Bruno Pernadas e Ben Harper quem trazia centenas de pessoas ao recinto do Parque Marechal Carmona e do Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais.

A plateia estava praticamente vazia quando Bruno Pernadas subiu ao palco do Cool Jazz, pontualmente, acompanhado da sua maravilhosa banda. Sem demoras e sem apresentações, e com Margarida Campelo no teclado e nos sintetizadores, Afonso Cabral e Nuno Lucas consigo nas cordas, Diogo Duque e João Capinha nos sopros e João Correia na bateria, abriu as hostilidades com “Anywhere in Spacetime”, do album de 2016 Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them. Do mesmo álbum, seriam tocados os temas “Spaceway 70” e “Problem Number 6”, sempre intercalados com músicas do mais recente álbum Private Reasons: “Lafeta Uti”, “Step Out Of The Light” e “Little Season I”. Apesar da amizade energizante que emanava do palco e da mestria de todos os músicos que fez cada música soar tal e qual como a gravação em estúdio (mesmo que com ligeiras e ocasionais alterações instrumentais), a audiência, em permanente construção, manteve-se praticamente inanimada ao longo dos 45 minutos que fizeram o concerto e fez parecer que Bruno Pernadas ali estava, antes, a fazer banda sonora para as pessoas se sentarem.
A banda deu um concerto certinho e discreto, provavelmente por respeito à falta de entusiasmo das poucas pessoas que compunham o seu público. Numa tentativa de animar um pouco a plateia, que no final já estava mais preenchida, Margarida Campelo e Diogo Duque aproveitaram para fazer uma pequena festa no palco, saltando e dançando, convidando a audiência a fazer o mesmo, mas, tristemente, sem grande sucesso. “Sabemos que estão aqui para ver o Ben Harper”, confessou Pernadas no fim do seu concerto, que tinha tudo para ter posto toda a gente a dançar, não fossem os constrangimentos das cadeiras e das grades que separavam as pessoas por bilhete comprado, impedindo a comunhão de energia que costuma pautar os concertos dos demais festivais que acontecem país fora. É uma pena, porque a atuação luminosa a que assistiu quem lá estava merecia todos os aplausos e todo o movimento.
Se dúvidas restassem quanto à afirmação de Pernadas, cinco minutos após a hora marcada, Ben Harper subiu ao palco com a sua banda The Innocent Criminals e o seu característico gorro de pescador, sendo recebido com muitas palmas, oriundas da plateia, agora, cheia. Os cinco músicos posicionaram-se em linha e aguardaram que se fizesse silêncio, para poderem começar em grande: entoou-se “Below Sea Level” acappella e assim se fez uma bonita e calorosa abertura da noite, que, entretanto, já caíra.

Perante um público muito devoto, Harper percorreu a sua já longa carreira, tocando temas de quase dez álbuns distintos. As favoritas da plateia incluíram “Diamonds On The Inside”, “Need To Know Basis” e “With My Own Two Hands”, que mereceu uma ovação de pé final. Em “Steal My Kisses”, houve quem tentasse escapar às limitações impostas pelas cadeiras e arriscasse dançar livremente no espaço que encontrasse vazio e, com “She’s Only Happy in the Sun”, o músico californiano pediu que todos os casais presentes se levantassem e dançassem, numa reação semelhante à que os Kings of Convenience haviam tido uns dias antes no mesmo festival, em relação à passividade da audiência. Depois disso, muita gente não se voltou a sentar.
Sozinho no palco, Harper interpretou “Walk Away”, música muito adorada pelo público, que entoou um coro tímido. O músico não ignorou o gesto e retribuiu com uma conversa bem-disposta, além de incentivar a que se cantasse sem medo e repetisse o refrão da música para poder ouvir. Exímio guitarrista, tocou alguns solos, mas nunca ficou muito tempo no palco sem a sua banda, que entrava e saía. Foram muitos os aplausos de pé e as mãos no ar para um Ben Harper muito simpático, que até agradeceu a Bruno Pernadas pela partilha de palco. Do reggae ao rock, com “Boa Sorte” no encore, o dueto que compôs com Vanessa da Mata, fez-se ali um concerto muito certinho, mas que, pudesse a plateia estar toda junta a dançar e a aquecer a noite fria, teria sido muito mais encantador.
Todo ele perfeitinho, o penúltimo dia de Cool jazz não desiludiu as expectativas, também elas perfeitinhas, que o festival prometia.
Fotografias: Sara Hawk/Cool Jazz