Reportagens

Primavera Sound 2023 Porto – Dia 3: ao terceiro dia, três grandes concertos – Built to Spill, Pet Shop Boys e St. Vincent, a Lolita da noite

Ao terceiro dia, algumas boas notícias: três ótimos concertos e quase ausência de chuva. Afinal, o Primavera Sound não tem sempre de se mostrar invernoso. E quando assim é, nós agradecemos.

Como tem sempre acontecido nesta décima edição do Primavera Sound, a abertura dos concertos deu-se com um artista português. Uma artista, aliás. No Palco Plenitude, Margarida Campelo, que para espanto de muitos anda na música há já quinze anos, mostrou os seus atributos artísticos combinando soul (neo-soul, melhor dizendo) com outras influências, nomeadamente o jazz e o r&b. Parceira assídua nos palcos de Bruno Pernadas, Margarida Campelo apresentou “Faz Faísca e Chavascal”, recente single retirado do também recente longa duração em nome próprio. Chama-se Supermarket Joy e merece a vossa atenção. Para trás ficaram presenças em inúmeros projetos. Mas isso são páginas viradas. Importa agora continuar a virá-las ao sabor do seu pop que parece, por vezes, ter chegado de Nárnia, ou de qualquer outro lugar distante e bonito, onde as coisas fazem um outro sentido, um sentido algo diferente do habitual. Quem a viu e ouviu (como nós, no passado maio) saberia ao que ia. Quem não a escutou antes, talvez passe a querer ouvi-la no futuro. Margarida Campelo voltou a fazer faísca.

Margarida Campelo ©Inês Silva

Os Terno Rei não se apresentaram de terno, nem reinam assim tanto. Fazem aquele rock brasileiro mais ou menos típico, lembrando o brock, mas também (e sobretudo) algumas bandas dos finais dos anos 90, bandas do underground carioca e paulista, embora um pouco mais polidos. Gostam de se encostar ao legado dos Los Hermanos, na pose e em algum registo melódico. Divertem-se em palco e o público presente também se divertiu. Rock simplista, em busca de canções que fiquem na memória. No Palco Super Bock, os paulistanos deram um concerto digno, mostraram canções com letras inteligentes e diretas, estiveram bem. Quando há muita gente a dançar pop-rock, é sempre bom sinal. O sotaque transatlântico parece que ajuda a que tudo fique mais suave e bonito.

Terno Rei ©Inês Silva

Os Wednesday foram um pouco atraiçoados pelo som. Roufenho, demasiadamente alto (pode ser mesmo isso que se pretenda, atenção), com pouca nitidez instrumental. No entanto, soube bem essa agressividade suja, esse som que nem sempre se ouve em festivais como este. Os norte americanos sabem da poda e foram tocando boas malhas. Valeu a pena, mesmo com alguns dos problemas apontados. Era tempo de irmos dar uma curva. Fomos.

Wednesday ©Inês Silva

No palco mais ao lado, ainda atuavam os Blondshell. Mais uma pitada de rock sujinho, mas com um toque mais adolescente. Nada de mal nisso, mas também nada de muito abonatório. Os Blondshell são mais uma banda a lutar pela vida. Isso é de valor, mas talvez tenham de se esforçar bastante. Por vezes parecem os Cranberries. Essa sensação passou-nos pela cabeça umas três ou quatro vezes em meia dúzia de temas. Talvez não seja só coincidência. Ao menos não são irlandeses. São da terra do Tio Sam. Mas o mundo é tão global, não é?

Os My Morning Jacket ainda mexem. “A grande banda cósmica americana”, como a app do Primavera Sound os apelida, são ótimos ao vivo. A voz de Jim James continua igual (incrível!), as guitarras permanecem sonhadoras e tudo parece que estacionou no tempo. Dado curioso: Jim James passou partes do concerto com um sampler Roland SP – 404 ao pescoço. A razão? Só ele saberá exatamente. O concerto foi bem rasgadinho. Estes cowboys sofisticados não fizeram a coisa por menos. Só para ver Jim James de óculos escuros com lentes em formato de corações a fazer solos com a sua Flying V cor de madeira, já teria valido a pena. Mas foi bem mais do que isso. Hands up for My Morning Jacket!

My Morning Jacket ©Inês Silva

Mais uma banda norte americana. Ontem foi um fartote delas, desta vez os Built to Spill. Parece impossível, mas já lá vão trinta anos de discos e estradas perdidas pelo mundo. Power trio em palco, um homem entre mulheres. Dough Martsch (guitarra e voz), Melanie Radford (baixo) e Teresa Esguerra (bateria). A banda que foi inicialmente pensada para que só Dough Martsch fosse membro permanente (os restantes membros mudariam de disco para disco) agora apresentam-se assim. Foi mais um concerto de rock, de indie rock adulto e experimentado. Temas como “The Plan”, “Fool’s Gold” e “Stab” são de resultado garantido. Solos de baixo e de guitarra (bem experimentais, por vezes) foram ótimos. Valeu muito a pena. Claramente o concerto melhor do dia, que já era noite quando aconteceu! Quando o rock tem esta qualidade, triunfa sempre!

Built To Spill ©Inês Silva

Pet Shop Boys com bandeira da Ucrânia em leds como fundo de palco. Ainda há quem se lembre, o que é bom. No ano passado, era referência. Agora, parece cair no esquecimento dos artistas, o que é mau. O que esperar de um concerto dos Pet Shop Boys? Festa festivaleira, pois claro. Atrasados, mas pouco, lá começaram a farra com pompa e circunstância, à Kraftwerk, estilo robots, com “Suburbia”. Dança do princípio ao fim, excelente ambiente, felicidade e alegria palpável pelos ares do recinto. Estilo Festival da Eurovisão da Canção, mas em versão decente e divertida. Uma autêntica viagem ao passado. Depois de “Opportunities (Let’s Make Lots of Money)” e de “Where the Streets Have No Name (I Can’t Get My Eyes Off You)”, os sucessos da dupla inglesa foram mais do que muitos. Milhares a cantar! Milhares em delírio! Agora imaginem quando soaram canções como “You Were Always On My Mind”, “Go West”, “It’s a Sin” e “West End Girls”, para referir apenas as mais conhecidas e saltitantes. A verdade é que entrámos na onda, gostámos e não nos fez mal nenhum! Enorme banda pop!

Pet Shop Boys – PRIMAVERA SOUND PORTO 2023
_ © Hugo Lima | hugolima.com | http://www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

E para fechar a noite, fomos ainda a tempo de St. Vincent. Da festa pop dos Pet Shop Boys para a festa arty, pois então. Quando chegámos, estava St. Vincent a iniciar a incrivelmente bela “New York”, cantada junto ao público, elevada quase acima das grades. A rainha que se apresenta como santa mostrava, uma vez mais, ser excelente ao vivo, e não tão entusiasmante em disco. Boa sequência de temas no alinhamento. “Fast Slow Disco” é malha enorme e de excelência, rendendo bastante em qualquer espetáculo, com direito a coreografias divertidas e atrevidas ao mesmo tempo. Uma autêntica Lolita do palco, esta senhora! Mas houve mais: “Cheerleader” e “Year of the Tiger”, mas também “Marrow”, “Your Lips Are Red” e “The Melting of the Sun”. A menina Annie Clark, que começou a carreira como parte integrante dos The Polyphonic Spree e que depois transitou para a banda de Sufjan Stevens, está cada vez melhor! Muito boa, mesmo. Pena não termos chegado a tempo de “Daddy’s Home”, mas não se pode ter tudo.

St. Vincent ©Inês Silva

Mais logo haverá mais. Mais logo colocar-se-á o ponto final e derradeiro neste Primavera Sound 2023. E sem chuva, segundo os astros da meteorologia.

Fotografias: Inês Silva (excepto onde assinalado)

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