A estranha beleza dos Vanishing Twin é contagiante. São como aliens que regressam à terra, volta e meia, convidando-nos a viajar por ondas e mares de sons que não são deste planeta. E nós, claro, tiramos sempre bilhete e lá vamos com eles, sem hesitações, por onde nos quiserem levar.
Existem desde 2015, mas a sua fundadora – Cathy Lucas – já tem alguns anos desta vida de fazer música e dar concertos, destacando-se os Fanfarlo como o episódio mais marcante da sua existência anterior aos mágicos Vanishing Twin. Depois do maravilhoso Ookii Gekkou (2021), o agora trio experimentalista e sonhador regressa ao mundo com Afternoon X, o quarto longa duração da banda londrina. E nós, devotos ouvintes daquilo que fazem, não poderíamos deixar de reparar neste seu mais recente atestado sonoro de beleza, inquietação e mistério. O surrealismo também se pode ouvir, e eles são os melhores obreiros dessa estranha e bela arte da levitação. Que bom, os Vanishing Twin terem tornado ao planeta neste finzinho de ano cheio de miséria, guerra e desvario total. Assim, poderemos sempre engendrar um plano de fuga, mesmo que ilusório e de curta duração. Carregando no play, é certo que as negras nuvens mundanas se dissipam, dando lugar a outras que tanto nos encantam, como nos hipnotizam.
A electrónica é rainha, por estas partes, e parece ter origem num qualquer planeta distante e sombrio, embora capaz de ser rasgado, uma vez por outra, por tímidos raios de satisfação solar. O seu efeito onírico faz-se notar por entre ouvidos e cabeças que imediatamente se hipnotizam aos primeiros sons de “Melty”. Parece que algo se quebra ou fragmenta, mas que aos poucos volta a encaixar-se nos seus (in)devidos lugares. Os amantes dos Sterolab entenderão aquilo que dizemos. Os amantes dos saudosos Pram também abanarão a cabeça em consentimento. Estão, então, lançados os dados sonoros para o que vem a seguir. “Afternoon X” tem batida firme e agarra-nos de imediato, sugerindo um pezinho de dança atrevido e singular. Por cá, o tema passará despercebido, mas faz sentido pensar no sucesso que certamente faria se, por exemplo, houvesse um qualquer tipo de vida inteligente e sensível em Urano ou Plutão. “Brain Weather”, a terceira faixa do álbum, parece ter pedigreeafrancesado (aquelas vocalizações iniciais são tão galesas, não são?) e cheio de classe. Outro bom motivo de interesse é a claustrofobia de certos temas. Tudo parece estar dentro de uma redoma sonora impenetrável, bola de espelhos sonora em loop cerebral. É o que sentimos quando metemos a rodar “Lazy Garden” (a penúltima faixa de Afternoon X), “Subito” (a última) e “Lotus Eater” (a quarta), todas sombrias, insinuantes e esquisitas quanto baste para nos provocarem arrepios comedidos de inquietação.
Afternoon X parece um quadro dadaísta, desenhado e pincelado através de electrónicas densas, samplers, percussões, guitarras clássicas e outros artefactos produtores de sons que talvez nem saibamos bem quais sejam, mas que combinam de forma divinal, porque puras e inocentes, na feitura de uma música que talvez possa escapar à compreensão dos humanos mais apressados e rotineiros. Talvez sejam, os seus trinta e sete minutos e quarenta segundos de duração, a reprodução sequencial de um por do sol de Neptuno ou de uma noite em nebulosa em Saturno, embora vibrando na tela dos corações londrinos que dão mostra desse vasto ambiente imaginado e que atendem pelos nomes de Susumu Mukai, Valentina Magaletti e a já referida Cathy Lucas.
Com o ano já perto do fim, a chegada de Afternoon X encheu-nos de prazer. Era mesmo o que nos faltava para limparmos a cabeça de tantas canções cantarolantes que por aí andam. Os Vanishing Twin são um claro antídoto para a monotonia, uma garantia de que a música é muito mais do que aquilo que poderemos esperar dela.Afternoon X é um triunfo cujos sons não irradiam ou se expandem, antes se recolhem na concha da nossa intimidade profunda.