Donald Glover criou outro retrato dos tempos em que vivemos mas, pela primeira vez na sua carreira, sentimo-lo a vacilar.
“We are, we are, we are”. Com esta manifestação de afirmação pessoal, Childish Gambino regressa com 3.15.20, espalhafatosamente lançado na data homónima. Donald Glover, polímata por trás de projetos tão díspares como Atlanta e a campanha do candidato democrata Andrew Yang, veste a pele de Childish Gambino desde 2008 lançando discos de variada qualidade como o disco de culto Because the Internet e o inesperadamente bem sucedido “Awaken, My Love!”. Da última vez que o vimos e ouvimos, este fazia um duro retrato das relações raciais nos Estados Unidos no teledisco viral de “This Is America”.
Dois anos depois, e possivelmente influenciado pela sua carreira no grande ecrã, a sua música adquiriu um tom mais cinematográfico. Apesar da sua capa branca sensaborosa, 3.15.20 quase sinesteticamente, imprime na cabeça de quem o ouve imagens vividas e dramáticas. O efeito esmorece após repetidas escutas e o que sobra é um disco com muito mais lustro que conteúdo. Childish Gambino sempre foi mais capaz de sintetizar as trends musicais em voga do que em criá-las e neste disco, o músico parece estar a perder o fôlego.
Não que as músicas sejam más, por assim dizer. “Time”, uma das únicas músicas com um nome que não o da sua posição temporal no alinhamento (ex: 35.31), conta com vocais gospel e um contributo fantástico por parte de Ariana Grande. Mas algo estranho acontece nesta música e que, de certa forma, caracteriza o maior problema do disco. Quando a música começa a abrandar e achamos que o seu fim se está a aproximar, reparamos que a música mal vai a meio. 3.15.20 pede demasiada da nossa atenção e recompensa-a muito pouco. Se há fator de redenção, é sem dúvida a inclusão de “Feels Like Summer”, lançada originalmente no verão de 2018 e uma agradável surpresa no alinhamento do disco. Agora nomeada “42.26” a música dá fôlego à segunda metade do disco, numa altura em que este ameaça desmoronar-se. No entanto, a sua presença no disco parece descontextualizada, como se Donald Glover precisasse de uma mais música para fechar o alinhamento do disco e não tivesse mais nada no baú.
É angustiante ver Childish Gambino soar tão desinteressado (e desinteressante), numa altura em que ameaçava chegar ao pico da sua carreira. 3.15.20 é um disco com muita pirotecnia, mas é filme que se vê uma vez e basta. Donald Glover passou a maior parte da carreira a assegurar-se de que, fizesse o que fizesse, nunca seria ignorável. A quinze de março de 2020, falhou.