O virar da década não travou o crescimento de José Afonso que, com Traz Outro Amigo Também, lançou o prelúdio de uma década de revolução.
Lançado em 1970, Traz Outro Amigo Também trouxe consigo muitas mudanças à forma como José Afonso tinha, até então, feito a sua música. Nomeadamente, foi gravado em Londres, nos Pye Studios (onde gravaria Coro dos Tribunais, o seu primeiro disco pós-25 de Abril) e (e esta é talvez a característica que mais o destaca) sem Rui Pato a acompanhá-lo na guitarra. É um disco divisor de águas, no qual o José Afonso baladeiro é oficialmente enterrado e se pode começar a vislumbrar o José Afonso amadurecido dos discos seguintes.
A presença de dois guitarristas neste disco, Carlos Correia (também conhecido como Bóris) e Filipe Colaço, confere uma maior complexidade aos arranjos das canções, mesmo que a interação entre os dois se limite a melodia e acordes em algumas das músicas, como em “Moda do Entrudo” e “Canção do Desterro (Emigrantes)”. Notáveis excepções a esta regra são a fantástica “Carta da Miguel Djéje”, com uma inegável influência moçambicana, e a sumptuosa faixa-título, na qual as guitarras parecem comentar os versos à medida que estes são cantados.
A componente de intervenção mantém-se certeira e incisiva: “Os Eunucos (No Reino da Etiópia)” é um murro no estômago, pela maneira como retrata a maneira como os ideais fascistas se reproduzem ao longo do tempo, infiltrando-se mesmo nas gerações mais novas. Mais subtil é “Canto Moço” cuja letra esperançosa é deliciosamente complementada pelos ornamentos das guitarras.
Todos estes desenvolvimentos não significam que a tradição ficou para trás. “Maria Faia”, “Moda do Entrudo” (que seria mais tarde regravada para Galinhas do Mato), canções tradicionais, provenientes da Beira Baixa, contam com performances assombrosas por parte de Zeca. Fora estas, as únicas outras canções cujas letras não foram escritas por si são “Epígrafe Para a Arte de Furtar” do exilado Jorge de Sena e “Verdes São os Campos” de Luís de Camões.
Traz Outro Amigo Também anuncia o nascimento de um novo Zeca Afonso. Aquele que fará Cantigas do Maio, Venham Mais Cinco e Com as Minhas Tamanquinhas. O desenvolvimento lírico e instrumental eleva-o de forma decisiva relativamente aos seus esforços nos anos sessenta. A partir daqui, já nada será como antes.