2016 está a terminar e não vai deixar saudades. Foi um ano absolutamente terrível, porque marcado pela morte de algumas das figuras mais queridas de quem tem a música por paixão, como nós. Bowie, Prince e Leonard Cohen são alguns dos maiores, que ao longo de décadas acompanhámos, amámos, vivemos. As suas obras influenciaram toda a indústria, deram origem a milhares de bandas e artistas, apaixonaram milhões de fãs de todas as idades. Partem as figuras amadas que foram a banda sonora da nossa vida, e cuja obra, felizmente, perdurará para sempre. Dói, dói muito, e aqui no Altamont fomos curando a nossa dor ouvindo as suas músicas, escrevendo sobre eles, rendendo a homenagem a quem devemos tanto. Das figuras que partiram, algumas estão no nosso Top, e em lugares muito destacados. Não por razões puramente sentimentais (que seriam compreensíveis e aceitáveis), mas porque, até ao fim, aqueles que este ano nos deixaram conseguiram ser relevantes, ousados, visionários, artistas em todos os sentidos.
A redacção Altamont voltou a dar uma prova de diversidade, como atesta o facto de terem merecido votos quase 100 discos diferentes (entre os quais sete portugueses, que os nossos redactores consideraram merecer votos no top para os melhores discos editados em 2016, por cá ou lá fora).
O nosso top reflecte naturalmente o ano: há partidas, há dor, há aventura, há descoberta, há rock mas também soul, hip-hop e tecnologias. O Altamont nasceu no rock, e tem neste a sua espinha dorsal, mas está aberto ao mundo, e as nossas escolhas mostram exactamente isso.
Acima de tudo, a música. Quase 100 discos que chamaram a nossa atenção em 2016, e uma escolha sempre difícil que queremos partilhar com os nossos leitores.
Uma palavra final, em jeito de menção honrosa, para um disco que ficou de fora do nosso top por ter sido editado em 2015, mas que só em 2016 (após reedição internacional) conquistou, e de que maneira, os nossos corações. A Mulher do Fim do Mundo, da brasileira Elza Soares, é um daqueles discos raros e que merece esta referência.
Tiago Freire

20. King Gizzard & The Lizard Wizard
Nonagon Infinity
Nonagon atinge-nos fortemente, como os melhores socos de Mike Tyson no seu auge de forma. Uma luta titânica entre a banda e o ouvinte. Esmurrando-nos a toda a hora como bombas auditivas mas nunca nos deixando cair, preparando-se sempre, sem interrupções, para nos deixar K.O, sem qualquer chance de pedir para desistir. Quando finalmente formos ao tapete, não nos levantaremos mais. É este o poder de Nonagon Infinity. No entanto, somos masoquistas e queremos mais, muito mais. Com Nonagon, os King Gizzard voltam um pouco às origens ultra sónicas e mostram que são uma banda que pode fazer de tudo.
19. PJ Harvey
The Hope Six Demolition Project
Após o seu álbum de 2011, Let England Shake, somos novamente confrontados com temáticas políticas em The Hope Six Demolition Project. O nono álbum é entendido como um aliança entre o jornalismo, a poesia e a música. Harvey procurou viajar para três áreas de conflito – o Afeganistão, Kosovo e Washington D.C.. Podemos entender este álbum como uma fiel continuação do seu antecedente. Este trabalho mostra-nos uma visão artística, apaixonada e trágica. Harvey procurou retratar a realidade tal como esta lhe era apresentada, no entanto, parece que a cantora sente como insuficiente a sua perspectiva de observadora para retratar os infortúnios da vida humana.
18. Whitney
Light Upon The Lake
Nas 10 canções de Light Upon the Lake não há grande novidade nas temáticas. Os Whitney cantam sobre amores perdidos, saudades, mudanças, tempos difíceis, reflectem sobre quem são e para onde vão – usam as canções para expiar fantasmas e acabam por encontrar aí a inspiração para seguir em frente. Soa incrivelmente fresco, matinal e soalheiro, cheira a dias de sol. Um disco que bem podia ter nascido nos anos 70. O álbum é curto (10 canções em meia hora), é leve e ligeiro mas deve ser consumido em dosagens fartas.
17. Beyoncé
Lemonade
Em Lemonade, o ouvinte acompanha Beyoncé no seu deliciosamente melodioso processo de ultrapassagem da dor. Escutamo-la enquanto desespera sabendo que algo está errado ao encostar o ouvido às portas, ao saborear desonestidade no respirar do seu amado. Juntamo-nos a ela quando ameaça deixá-lo, abanamos a anca quando se arrepende de ter um anel no dedo (agora cuidadosamente posicionado no do meio), preocupamo-nos com a tóxica fantasia de acompanhante, emocionamo-nos quando se apercebe que o antídoto para o seu mal é o seu malfeitor. O álbum é uma narração coesa, levando-nos desde a negação até ao perdão.
*áudio não disponível
16. Childish Gambino
“Awaken, My Love!”
Childish Gambino decide abandonar o rap por completo e abraçar a herança de George Clinton, Sly Stone e Prince. “Awaken, My Love!”, o produto final resultante dessa decisão, é um dos álbuns do ano. O brilhantismo de “Awaken, My Love!” encontra-se nesta fascinante reação aos atritos e dificuldades que o cantor encontra na sua nova paternidade e na relação com a mãe da sua prole. Esta nova palete sónica pontua a nova narrativa de Childish Gambino – uma narrativa mais sensível, empática, humana. You need a love that’s gonna last.
15. Bruno Pernadas
Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them
Uma viagem eclética por uma mão-cheia de universos musicais, bebendo inspiração de todos os cantos do mundo – desde o swing cuidado da América de Dave Brubeck, às guitarras soalheiras a chamarem à boca um travo da música tuareg do Norte de África de “Problem Number 6”, mas também à mistura infinita de sabores na faixa “Ya Ya Breathe”, na qual nos vemos rodeados tanto de música indiana como de secura experimental a recordar uns tais Sonic Youth.
14. De La Soul
And The Anonymous Nobody
Contando com Jill Scott, Snoop Dog, David Byrne e Damon Albarn no topo da lista dos convidados, não falta nada a And the Anonymous Nobody. Tem “Pain” para lembrar que sabem como poucos balançar hip hop, tem “Royalty Capes” para que ninguém julgue que se brinca com assuntos sérios. Com entrada direta para a lista dos grandes momentos musicais do ano, And the Anonymous Nobody pode ajudar a relançar a carreira de uma das instituições sagradas do hip hop, ou pode apenas servir de epílogo a uma carreira a que não faltaram pontos altos. Os baixos? Ainda hoje os usam para nos fazer balançar.
13. A Tribe Called Quest
We Got It From Here… Thank You 4 Your Service
Se os De La Soul tiveram de recorrer a uma campanha de crowdfounding para lançar and the Anonymous Nobody, a Tribo teve de superar a dor do luto. We Got it From Here … ganhou o título e o tom na morte de Phife – fundador, falecido este ano, aos 45, com diabetes. Com uma lista de colaboradores de luxo – Lamar, Kanye, Snoop, Jack White, Paak, Kweli e John, sim o Elton -, 26 anos depois da estreia e 18 passados do último álbum (The Love Movement), os Tribe Called Quest lançaram a discussão – estarão na sua melhor forma? Há muito boa gente que pensa que sim.
12. Tindersticks
The Waiting Room
The Waiting Room é um álbum lento, que se desdobra e se desenrola à nossa frente, revelando aos poucos os seus segredos. Um disco mais variado do que aqueles a que a banda nos habituou, feito de uma simplicidade aparente que esconde uma grande complexidade na composição, nos arranjos e nas soluções que os Tindersticks foram encontrando para nos surpreender sem nos alienar. The Waiting Room, que vem acompanhado de uma curta-metragem dedicada a cada um dos temas, pode revelar-se uma ferramenta essencial para nos ajudar a lidar com os dias cinzentos.
11. DIIV
Is The Is Are
Durante cerca de uma hora, os DIIV levam-nos aos cantos mais escuros destes anos, tornando o álbum bastante negro, mas não sem nos oferecer breves passagens pelo refúgio que Zachary Cole Smith encontrou no seu amor com Sky Ferreira. A matriz essencial da música é a mesma: uma batida forte e pulsante, muito inspirada na motorika criada por Klaus Dinger, e um baixo que está lá sobretudo para guiar a loucura das guitarras cristalinas que, num rodopio incessante de reverberações, mostram uma sensibilidade melódica encontrada poucas vezes na história da música pop dita “alternativa”.
10. The Last Shadow Puppets
Everything You’ve Come to Expect
Oito anos depois da estreia em disco, os rapazes estão de volta com este Everything You’ve Come to Expect. O título é certeiro e enganador. Certeiro porque, ouvindo o álbum, é notoriamente um disco dos The Last Shadow Puppets. Estão lá as cordas, as harmonias, a voz melodiosa de Turner. Mas é também enganador, porque este segundo tomo dá passos para zonas inexploradas. Uma mostra de como é possível uma banda manter o seu ADN e, ainda assim, evoluir, sobretudo através do namoro ao rock e à soul, sem nunca perder a personalidade. Mais uma prova (era preciso mais alguma?) do génio desse prodígio chamado Alex Turner.
9. Kevin Morby
Singing Saw
Singing Saw é mais um passo nessa obsessão contínua de tentativa de fuga à realidade. Melhor, talvez: a fuga ao entretenimento e à banalidade dos dias e da linguagem dos tempos que correm. O álbum vai aprofunda a procura da “beleza” enquanto conceito estético: é um disco, em simultâneo, mais cheio mas dolorosamente isolado, mais assombrado mas profundamente delicado, misturando a brutalidade do mal com a obsessão aterrada pelo fim. Ao seu terceiro álbum a solo, ganhámos um cançonetista capaz de entrar no leque de cantautores clássicos, um trovador genial, numa altura em que esse adjetivo é tantas vezes violado da sua melhor significação.
8. Angel Olsen
My Woman
E ao terceiro disco, Angel Olsen está finalmente mulher! Afinal, Burn Your Fire For No Witness foi apenas um prenúncio brilhante de alguém que já não queria ser só a menina triste e tímida do indie folk. Em My Woman ouvimos Angel Olsen com as mesmas dúvidas existenciais sobre o seu lugar no mundo, mas numa versão mais crescida e segura. Hoje, quase a completar 30 anos, Angel Olsen pode estar orgulhosa: a sua voz é de mulher, e a forma como a sabe utilizar também. Olsen aprendeu a ser quente ou fria, triste ou revoltada, consoante nos canta as suas histórias através de versos de amores malvados – ou outras tragédias semelhantes.
7. Vários Artistas
Day Of The Dead
Day of the Dead é um colosso. 59 temas, mais de cinco horas de música distribuídas por 5 CDs. De facto, não seria fácil encontrar uma forma mais apropriada de homenagear uma banda como os Grateful Dead, que durante cinco décadas simbolizaram na perfeição o mito hippie. Este projecto nasce das mãos de Aaron e Bryce Dessner, irmãos que são membros nucleares dos The National e conta com a participação de Unknown Mortal Orchestra, Charles Bradley, Kurt Vile e Bill Callahan, entre outros. Day Of The Dead é um manjar, um mundo colorido, exploratório e expansionista, como sempre foi a música dos Grateful Dead.
6. The Avalanches
Wildflower
Wildflower mantém imutáveis algumas fórmulas que se mostram tão eficazes e excitantes como o eram há 16 anos atrás. Os samples melódicos, as cordas lustrosas e sonhadoras, as batidas da distante disco num enamoramento permanente com mecânicas da electrónica, o hip hop e o psicadelismo dos 60s. O positivismo emanado pelo segundo álbum da banda é radiante e altamente compensador, revelando-se progressivamente mais excitante e detalhado quanto mais se mergulha no seu caldeirão fervilhante de colagens sonoras. Em 59:31 minutos, os The Avalanches dão-nos uma belíssima e certeira resposta.
5. Car Seat Headrest
Teens of Denial
Sabem aqueles discos que se começam a ouvir e em que a primeira música agarra logo à primeira audição, de tal forma que a meio da segunda, e sem se pensar muito, colocamos outra vez no início para ouvirmos novamente a tal que nos agarrou? Saciada a vontade de repetição, lá atacamos a segunda, mais relaxados, e acontece o mesmo uma vez mais. E depois, a partir daí, a cada audição se descobre um recanto novo, um riff que não nos tínhamos apercebido, um refrão com um verso que nos põe a pensar… Basicamente é isso que acontece com este Teens of Denial – um processo de descoberta constante.
4. Leonard Cohen
You Want It Darker
You Want It Darker é a crónica de uma morte anunciada. O disco, lançado a 21 de outubro, já augurava a morte do cantor de 82 anos. O último álbum de Leonard Cohen traz-nos um artista diferente do que conhecemos. Ouvimos harmonias que não são as dele e letras completamente despojadas de sensualidade, e isso desconcerta-nos. Não era o que estávamos à espera. Mas podíamos mesmo esperar ouvir a mesma pessoa quando esta se prepara para morrer? Queríamos mesmo mais um típico álbum de Cohen para a despedida?
3. Radiohead
A Moon Shaped Pool
Em A Moon Shaped Pool, regressa-se ao passado sem se sair do lugar onde estamos. Ao contrário do seu último disco, The King of Limbs, de 2011, o gosto pelo mundo do eletrónico tribalista que puxa pela dança em espasmos fica arrumado na gaveta. Vê-se trocado por ares mais humanos e crescidos, de fato e gravata, de pasta na mão, através de onze faixas desenhadas por um ambiente melancólico mas arrojado, meticuloso mas direto. Tudo como já nos haviam habituado, mas com novos truques.
2. Nick Cave
Skeleton Tree
Para aqueles que encontram na música uma espécie de eco distante dos deuses, um sopro dos anjos e dos diabos do nosso contentamento, esses encontrarão em Skeleton Tree um imenso festim. O décor da festa, no entanto, é um lustroso e pesado pano negro caído sobre os ombros dos que nela circulam, almas vagueando ao sabor do fel da vida, fantasmas lívidos das feridas que os vão trespassando. É este o cenário, é este o espaço, são assim as quatro paredes claustrofóbicas que edificam todo o álbum: perda, dor, catarse e vingança.
1. David Bowie
? [Blackstar]
Reler o texto escrito a 8 de Janeiro sobre este disco, acaba por ser reconfortante. E dizemos isto no sentido em que assumir perante todos a grandeza de Blackstar, sem o impacto pós-morte, protege-nos de acusações deste ter beneficiado da mesma para o reconhecimento de ser, inquestionavelmente, o melhor álbum lançado em 2016. Naturalmente que nas entrelinhas está lá tudo, apenas demorámos mais uns dias a perceber a mensagem na sua totalidade. Bowie, como tantas outras vezes nos fez, enganou-nos, iludiu-nos, numa saída de cena épica digna do melhor teatro. É referido, no final do texto, a palavra imortal. Não havia dúvidas então, e menos ainda há hoje.