David Fonseca tem 42 anos. É responsável maior por dois dos projetos de maior sucesso da música portuguesa de décadas recentes – Silence 4 e Humanos – e edita agora, na reta final de 2015, o seu sétimo disco de originais a solo. Futuro Eu é, a solo, a primeira empreitada musical inteiramente em português de David. Foi este disco corajoso e aventureiro que deu o mote para a conversa entre o músico e o Altamont.
Altamont: Nesta fase, talvez a segunda ou terceira fase de promoção do disco, talvez já possas analisar mais calmamente os tempos recentes. Sentes que a mensagem está a passar e que as pessoas estão a entender quem é o David Fonseca em 2015?
David Fonseca: O que acho mais difícil em promover um disco é fazer saber às pessoas que ele existe. Essa é a pior e mais complexa coisa a fazer. E porquê? Porque quase não há meios para o divulgar. Quantos suplementos sobre cultura existem em Portugal? Escritos, cada vez menos. Seja em português, em chinês, dizer a uma quantidade mainstream de pessoas que o disco existe é a parte mais difícil. E na televisão…aparte o cabo, que é alternativo, não existe um único sítio em que possa tocar ao vivo à exceção do “5 Para a Meia Noite”, onde fui. À uma da manhã.
Até que ponto te deixas influenciar por críticas negativas ou positivas ao teu trabalho, na imprensa, em blogues, comentários no Facebook…?
Nem me abatem nem me glorificam. Estou-me a borrifar. Em 2005 lancei um disco que era o Our Hearts Will Beat As One que teve críticas demolidoras, como se eu fosse o tipo pior à face da terra, e críticas glorificadoras, como quem diz que eu era o maior génio à face da terra. Eu posso garantir-te que nenhuma delas estava certa (risos). E nenhuma das críticas acertava no que o disco verdadeiramente era e como tinha chegado ali. A crítica é um ponto de vista que não é o meu e não me interessa do ponto de vista da criação. Não acho que elas digam algo a mais ou menos do meu trabalho.
E tu és crítico para com o teu trabalho, perfeccionista, com vontade de mudar as músicas depois de as gravares?
Completamente. Mas isso acontece mais daqui a seis meses, depois de tocar as músicas. Isso acontece sempre. Este disco foi feito de um lote de 40 canções e imagina o quanto eu tive de demonizar as 20 que nem chegaram a estúdio. Achei que eram todas, em bom português, uma grande merda. Muitas vezes é o produtor que me diz que não acha que sejam assim tão más. Se a canção resistir durante cinco meses é porque aguenta. Quando uma canção chega ao disco já foi ouvida por mim 500 ou 1000 vezes.
Como é que tu ouves a mesma canção 500 ou 1000 vezes e depois te motivas para a continuar a tocar ao vivo?
São coisas diferentes. É tudo diferente. Fazer uma canção com uma guitarra, inventar uma canção, é uma coisa. Tocar baixo nessa canção é outra coisa. Tocar bateria é outra coisa. Quando estou a tocar bateria estou a fazer outra coisa dentro da canção. Quando finalmente estamos a misturá-la é outra coisa, não estou a ouvir a canção necessariamente. Quando finalmente o disco está feito e o meto no carro e vou dar uma volta aí sim, oiço as canções pela primeira vez. Como soam fora do estúdio e estou a conduzir, como soam na vida real. Finalmente, quando as vamos ensaiar, é outra coisa, e só volto às canções no espetáculo, ao vivo. De repente é a canção outra vez. Se me perguntares que notas estou a tocar, não faço a mais pequena ideia. Mas sei tocar a canção.
Já te aconteceu chegares perto do fim do que acreditas ser uma grande canção e depois mostras o que fizeste ao teu produtor ou outras pessoas e todas te dizem que não é por aí o caminho?
Tantas vezes (risos). Houve uma canção para este disco, que nem chegou ao estúdio, que insisti muito que era incrível. Tinha quatro andamentos diferentes, durava sete minutos, era uma coisa absurda na letra, nas coisas que aconteciam. E eu insisti muito na canção, devia fazer parte, ia ser grande ao vivo. E passados dois meses fui ouvir a canção e pensei que devia estar maluco (risos).
As tuas canções passam nas rádios nacionais, tens muitos fãs. De todo o modo tens influências e assumes predilecção por artistas que se calhar não chegam a três quartos do teu público. Sentes-te a viver na fronteira entre o alternativo e o mainstream?
Tenho uma preocupação muito clara: quero chegar a toda a gente. E essa preocupação os artistas indie não têm, por norma, e fazem uma espécie de orgulho meio estranho nisso.
Às vezes são mais os fãs a pensar assim e os artistas até querem dar o salto mas têm vergonha em assumir querer chegar a mais gente…
Têm, têm. Eu não tenho vergonha nenhuma, nunca tive, desde o primeiro dia dos Silence 4. Queriam fazer-nos na altura uma campanha centrada nos media alternativos mas eu disse logo que não. Acho que a música é para todos. E é estranho para mim fazer música e estivesse depois a cingir os meus fãs e a só querer um certo tipo de fãs. Acho que é uma forma muito sobranceira de ver o mundo em geral, não só a música. Sempre fugi a querer ser um tipo dentro de uma vaga alternativa, sempre quis que a minha música chegasse a toda a gente. Mas sei que por vezes é demasiado estranha para isso. Há discos que tenho que não são fáceis de ouvir.
O Between Waves não é propriamente acessível…
Não, mas o “A Cry 4 Love” e o “U Know Who I Am” são dos meus maiores êxitos dos últimos anos. Tenho uma vontade enorme que este novo disco seja o mais conhecido possível. Do meu ponto de vista, este disco, e não necessariamente por ser feito em português, é dos mais equilibrados que fiz na minha vida, um dos que tem o melhor lote de canções. É normal que queira que muita gente o oiça.
Ver-te-ei algum dia a escrever canções com teor político?
É preciso ler nas entrelinhas. Não me está no sangue, não é essa a minha relação com a música. Mas se pensarmos por exemplo nos Clash, quando as pessoas cantavam nos finais dos anos 1980 o Should I Stay or Should I Go num subsolo em Leiria. Achas que havia alguma conotação política naquela altura para aquelas pessoas? O contexto até pode ser político mas a forma como ela resulta, não. E isso é uma boa canção pop, quando serve um bocadinho para tudo e não para um comício. Eu sou vago de propósito nas minhas canções por causa disso.
E gostaste do 1989, as versões do Ryan Adams [artista de quem David é fã] para a Taylor Swift?
Adorei. Há uma canção nesse disco que achei incrível e tive de ir ouvir o original. É das melhores canções do ano, é inacreditável, o “Out Of the Woods”. A mim não me toca o original, é uma boa canção pop, bem esgalhada, mas a canção do Ryan Adams encosta-me ao sofá, dá-me suores frios. Ele transforma a canção num sítio mais cinematográfico. Ele transforma as canções dela num filme. Quando regravei o “All I Want for Christmas is You”, da Mariah Carey, fiz com que a canção deixasse de ser acerca do que uma pessoa queria mas fi-la sobre algo que uma pessoa perdeu. Quando se ganha uma coisa, alguma coisa se perdeu. É sempre assim nas canções. A capacidade interpretativa de uma canção mora muito daquilo que uma pessoa vive internamente. Uma canção do Ryan Adams de qualquer pessoa, é sempre do Ryan Adams. A da Mariah Carey, parti a canção toda aos bocados e agora é minha. E isso só se faz se tiveres uma identidade própria muito clara.