Chega ao fim mais um ano musical e bem que gostamos de fazer contas e compilar listas. Tentamos identificar tendências e padrões, mas a verdade é que isso é cada vez mais difícil nos dias de hoje. Vivemos numa altura em que nunca houve tanta música nova, mas também nunca houve tanta música igual.
Em pleno auge do streaming, estudos comprovam que a música que se faz está cada vez mais a seguir as mesmas regras, o mesmo formato, a mesma estrutura de intro-verso-refrão, dentro do mesmo espectro. Depois o algoritmo faz o resto, ajudando a disseminar música que soe mais familiar e, naturalmente, a penalizar quem ouse fazer diferente, sair da norma, dar primazia à criação em vez do bolso cheio.
Será que ainda é possível arriscar? Veremos, mais à frente, na lista dos 20 discos preferidos para os membros da redacção Altamont, uma redacção composta por quase 30 pessoas de várias gerações e com uma palete de gostos bastante diversa. Cada um escolheu os seus 10 discos do ano e, ao todo, foram citados 150 discos diferentes.
Nesta compilação dos 20 mais votados, encontramos saudáveis regressos de veteranos com mais de 30 anos de carreira, alguns nomes fortes do hip hop, guitarras no feminino, jovens a carregar a chama rock e algumas vozes imemoriais, que nos abalaram os sentidos.
Em 2025 devíamos tirar mais fotos mas pronto, aqui fica o nosso retrato do ano!
Duarte Pinto Coelho
20. Franz Ferdinand
The Human Fear
The Human Fear toca todas as notas da nostalgia que nos fez gostar desta banda, com os seus ritmos soalheiros e staccatos constantes, quase faz parecer que The Human Fear é um best of da banda, pela forma como soa ao mesmo tempo confortável e totalmente novo. Ao longo das 11 canções damos por nós a cantarolar ritmos e a abanar a cabeça mesmo que com poucas audições. No geral é um disco consistente na sua variedade de estilos, do indie rock dos 2000 de “Night Or Day” a uma espécie de electropop em “Hooked”, que consegue tocar em todos os pontos altos da carreira passada dos Franz Ferdinand. É a prova que Kapranos e os seus conseguem ainda sacar bons discos, mais de vinte anos depois do primeiro, sem terem esgotado as ideias e soar a cansado. É obra.

19. Marina Sena
Coisas Naturais
O novo disco de Marina Sena soa a uma incursão numa floresta tropical onde os limites entre o funk, o samba, o rock e a pop eletrónica se misturam. À boa maneira dos melhores nomes da MPB, a artista mostra, em Coisas Naturais, que consegue sintetizar várias influências, sem nunca deixar de soar a si própria. Entre percussões tradicionais a sintetizadores viajantes e modernos, Marina Sena é a personagem principal das suas canções e guia-nos pelos temas que tem vindo a explorar na sua música – o amor, as relações e o desejo em todas as suas formas. A escrita é simples, e muito concisa; isto é música para dançar. É uma artista ainda em ascensão e com um som que continua a refinar. É um dos mais interessantes nomes da música brasileira atual e é, sem dúvida, uma artista a seguir.

18. Dean Blunt/Elias Rønnenfelt/Vegyn
lucre
Lucre é um EP colaborativo de Dean Blunt e Elias Rønnenfelt (Iceage). Em pouco mais de 15 minutos, mistura guitarras lo-fi, ritmos digitais e vocais emotivos, explorando rock experimental e indie de forma introspectiva. A sonoridade flutua entre o orgânico e o digital, com sensibilidade nostálgica e estrutura não convencional. Blunt, artista inglês conhecido pelo seu art-pop avant-garde e mistérios criativos, e Rønnenfelt, vocalista dinamarquês com raízes no rock alternativo, fundem estilos para criar um trabalho conciso e cativante.
17. Horsegirl
Phonetics On and On
As Horsegirl são uma banda de Chicago, um power trio constituído por Nora Cheng, Penelope Lowenstein e Gigi Reece. Depois de terem lançado o seu disco de estreia, Versions of Modern Performance em 2022, regressam agora com este deveras interessante Phonetics On and On. A produção ficou a cargo de Cate Le Bon, que contribui para uma estética refinada, permitindo que as composições da banda sejam claras e profundas. Com uma sonoridade a fazer lembrar muito as Raincoats. Phonetics On and On é um álbum aparentemente minimalista mas que, ouvindo bem, contém em si maior profundidade e experimentalismo do que transparece.
16. Arcade Fire
Pink Elephant
Pink Elephant dividiu opiniões em todo o mundo. Também por cá, no Altamont, aconteceu o mesmo. Mesmo assim, fizemos ouvidos moucos às críticas e escutámos o disco com a atenção costumeira. Agradou-nos. Bastante, até, ao ponto de dizermos que tem canções extraordinárias, como “Ride or Die”. A delicadeza fica sempre bem, apareça ela onde aparecer. Quatro minutos e pouco de um quase sussurro, progredindo e regredindo de forma mágica, enfeitiçante. Um mimo. “Circle of Trust” é muito boa, também, assim como “I Love Her Shadow” e “Stuck In My Head”. Durante a audição de Pink Elephant podemos escutar muito mais do que o disco propõe. Explicamos melhor: há também nele momentos que lembram os saudosos New Musik (de Warp, em particular), assim como os Pet Shop Boys e os Sparks.
15. Wet Leg
moisturizer
O segundo álbum de estúdio de Wet Leg era aguardado com alguma antecipação. O sucesso do primeiro disco, que catapultou a banda para o estrelato, no seu registo de indie rock irreverente, gerou curiosidade sobre como seria o novo trabalho de estúdio. Pois bem que chega moisturizer, um disco indie rock fresco, um álbum de amadurecimento, com mais produção mas mantendo a habitual irreverência. Neste novo trabalho, a banda tornou-se um quinteto. Esta nova composição da banda ajuda à densidade do disco, que apresenta um som mais robusto e coeso. moisturizer é um passo confiante a caminho do futuro de Wet Leg: mais composto, com nova formação e uma produção mais cuidada, entregando um conjunto de canções sólidas que levam à reflexão, se assim o quisermos. Vale a pena ouvir uma e outra vez e descobrir as diferentes camadas escondidas em cada faixa.
14. Deftones
private music
Há em private music uma confiança tranquila que só bandas com identidade muito bem definida conseguem transmitir. Os Deftones não parecem interessados em reinventar-se radicalmente, mas também não soam acomodados. O disco aposta numa linguagem que lhes é familiar: guitarras densas e texturais, dinâmicas que alternam violência e contemplação, e a voz de Chino Moreno, ainda capaz de oscilar entre fragilidade quase etérea e explosões de intensidade crua. É um álbum que respira maturidade, sem perder o nervo. Não é o disco que vai trazer novos fãs à banda, mas é mais uma prova de longevidade artística e integridade criativa. Para uma banda que nasceu num movimento tão datado como o nu-metal e conseguiu transcendê-lo com personalidade própria, isso é talvez o maior elogio possível.
13. Clipse
Let God Sort Em Out
No mundo do rap é mais vantajoso ter inimigos do que amigos. Repare-se: insultar é uma espécie de desporto aqui. Tomem Let God Sort Em Out como exemplo, um colossal sucesso de receitas. Aqui a teoria é aplicada na perfeição. Insultos, confere. Quase todas as músicas aludem a nomes de outros rappers de modo pejorativo – e eles agradecem, que é bom para o negócio, agora têm de responder e assim é mais uma música para o catálogo. Marcas de roupa caras e de carros desportivos, confere. A necessidade do chamado “flex” – ou, uma forma de dizer: “Olhem para o meu dinheiro, não é tão giro?” E beats pungentes, confere. É colocar este álbum dos Clipse no vosso carro aos altos berros, até ouvirem as vossas colunas estalar, e depois vão fazer uns peões ao Marquês de Pombal. Prometemos que se vão sentir logo outros.
12. Pulp
More
Nem toda a gente pode ser Pulp, mas Pulp pode ser toda a gente. Está aqui, neste comum jogo de palavras, ou na simplicidade desta frase, a possível síntese de um grupo cuja génese vem do final dos anos 70, embora só a partir de 1994 conquistasse êxito mundial. Foi preciso quase um quarto de século desde o último disco para que Jarvis Cocker voltasse com o núcleo duro de uma banda adorada. E More, resultado dessa longa espera, é para ouvir e ouvir e ouvir… e continuar a ouvir. Uma inesquecível pérola musical que é de aproveitar muito bem e desejar que o próximo não demore tanto a ser lançado.
11. Bon Iver
SABLE, fABLE
SABLE, fABLE faz-nos lembrar as origens de quando o Bon Iver era só o Justin Vernon, numa versão menos “sad bastard music”, mais versão “pessoa que encontrou alguma espécie de paz interior e com isso uma felicidade inerente”. O álbum é um clássico Bon Iver mas sentimos, sobretudo, que apesar de ser um álbum com uma sonoridade reconhecível, traz sons novos e frescos, mostrando que Justin Vernon é um artista que desde 2007, e com seis álbuns lançados, consegue evoluir continuamente, sem perder aquilo que é a sua essência. SABLE, fABLE é um álbum coeso, bonito, esperançoso e que nos pede para ouvir muitas e muitas vezes.
10. Suede
Antidepressants
Antidepressants é, como a própria capa indica, um disco negro. Desde o tema das canções à sonoridade propulsora, como um monolito imponente e irredutível, que tudo domina. Mas este é sobretudo um disco em que a guitarra cortante e o baixo ganham presença, resultando num retrato urgente, frio e negro das relações humanas em curto-circuito permanente. No seu conjunto, é um disco muito bem conseguido, um triunfo estético e imaculadamente coerente, com o gelo e a escuridão a serem complementados por algo que os Suede sempre tiveram e que faz toda a diferença: o seu profundo sentido melódico, a noção de que uma canção deve interpelar-nos e mexer connosco. E um exemplo de como é possível uma banda, com mais de 30 anos em cima, continuar a soar urgente, ambiciosa e sem receio de continuar a desbravar caminho.
9. Stereolab
Instant Holograms on Metal Film
O último trabalho dos Stereolab é um daqueles discos que merece ser avaliado e consumido por inteiro, para assegurar uma eficaz imersão neste universo tão particular. Instant Holograms on Metal Film não é nenhum salto em frente, não é nenhuma ruptura, não traz qualquer garantia de uma vida futura e radiante para os Stereolab. É, sim, de certa forma um disco de Stereolab total, porque traz todas as suas marcas de sempre, e das quais tanto gostamos, e há tantos anos. Porque tem as melodias, uma produção como sempre imaculada e a dose certa de exploração sónica. Os Stereolab estão onde sempre estiveram, numa elegante cápsula espacial dos anos 60, a beber um cocktail colorido enquanto discutem filosofia. E sempre, claro, com grande estilo.
8. Sharon Van Etten
Sharon Van Etten & the Attachment Theory
Ao sétimo trabalho de estúdio, a cantora norte-americana Sharon Van Etten apresenta-se renovada: este é o primeiro trabalho em que colabora integralmente com a sua banda, The Attachment Theory, e onde apresenta uma sonoridade diferente, mais sombria e melancólica mas também com uma componente eletrónica mais vincada. A mudança, é, de facto, corajosa, já que Van Etten sempre foi conhecida por se movimentar no campo do folk introspectivo. Com a sua banda apresenta-nos um disco diferente, com um toque gótico e onde se sente a influência post-punk. Sharon Van Etten & the Attachment Theory é uma prova da capacidade de reinvenção de Van Etten, que arriscou em fazer algo diferente daquilo a que estamos habituados, resultando num disco original, mas que reconhecemos como seu.
7. Big Thief
Double Infinity
Há um substantivo sempre presente quando falamos em Big Thief: vulnerabilidade. Seja na voz de Adrianne Lenker, nas melodias arrastadas e melancólicas, ou nas letras lacónicas e despidas de pretensões. Nada disto muda com este sexto álbum, Double Infinity mas seria injusto esperar que este álbum fosse exactamente igual aos anteriores. Não nos podemos esquecer que as bandas têm direito a procurar novos caminhos e novas sonoridades. É diferente dos outros álbuns? Sim. Peca por isso? Não cremos. Double Infinity representa bem a escolha (por vezes difícil) de deixar o passado para trás e seguir em frente, com os devidos medos. Crescer não é fácil, mas os Big Thief persistem (e bem).
6. Bad Bunny
DeBÍ TiRAR MáS FOToS
DeBÍ TiRAR MáS FOToS é o melhor disco de Bad Bunny e mostra-nos que o reggaeton pode ser mais do que apenas versões plásticas e vulgares que aportam pouco a quem as ouve tirando fazê-las dançar. A sua história mostra o quão permeável é este estilo e Benito, com este último trabalho, mostra que é um género em mudança e que tem potencial para ser mais do que música mexida (apesar de nunca poder perder totalmente esta vertente). A fase em que o músico nos mostra estar revela uma maior maturidade, uma crescente capacidade de ir além dos rabos a abanar, indo além do preconceito, mantendo-se fiel às origens. Esta é a receita de um Benito mais adulto e consciente da vida, do amor e do mundo que o rodeia. Tudo isso enquanto nos põe a abanar as ancas.
5. Panda Bear
Sinister Grift
Apesar de não dever ser visto como um disco que chora o divórcio recente com Fernanda Pereira, é provável que essa perda sentimental esteja presente em Sinister Grift. Os temas vão-se tornando, aos poucos, mais contemplativos, sem perderem os focos centrais de todo o álbum, a beleza etérea que emana por todos os sulcos de vinil percorridos pela agulha do nosso contentamento. Se é verdade que existe por aqui, por quase todas as faixas, uma elegante inquietude, alguma sombra e escuridão, até mesmo nas mais ritmadas canções, a luz que vem dos arranjos vocais e das melodias de Sinister Grift acende-nos o coração, dando-nos um esgar de satisfação contida, mas duradoura.
4. Annahstasia
Tether
A voz de Annahstasia é daquelas que parece ter nascido antes do tempo ser tempo, uma mistura rara de força e fragilidade. Há nela uma densidade que lembra Tracy Chapman, mas também uma doçura aérea, quase espiritual, que a aproxima de Nina Simone nos momentos mais introspectivos. O timbre é aveludado, quente, com um grão natural que faz cada palavra parecer vivida, não dita, mas respirada. Em Tether, essa voz é o centro magnético de tudo, mas a base sonora sobre a qual assenta não pode ser esquecida. Tether não é só um disco: é um mapa para a nossa alma, onde as bússolas com que nos orientamos são uma viola, uma voz transcendental, silêncios e a certeza de que cada nota mexe com as nossas emoções.
3. Geese
Getting Killed
É de seu nome Getting Killed, este álbum que, como devem calcular, não vem falar dos belos prazeres de estar vivo e de longos passeios pela praia. Não, felicidade é na porta ao lado, o Phil Collins atender-vos-á. Este é um álbum que deve ser ouvido na sala de espera de um centro de oncologia ou à frente de um bocado de bolor. Cameron Winter, vocalista, multi-instrumentista e melancólico profissional, com o seu talento extraordinário para fazer letras desoladoras que esvaziam de nós qualquer esperança que haja na possibilidade de uma vida minimamente feliz, consegue com que cada música nos faça desejar próprio o título do álbum.
2. TURNSTILE
NEVER ENOUGH
Este é um álbum cheio de riffs poderosos, intercalados com a voz melódica de Brendan Yates, conseguindo saltar da bolha do Hardcore, sem perder a sua essência de DIY mas é, sobretudo, pela boa música que criam que os TURNSTILE são considerados uma das bandas mais interessantes que por aqui andam, em particular neste grande mundo do rock. NEVER ENOUGH é uma pérola de músicas bem construídas, que se colam umas às outras de forma muito fluída, que nos agarram desde o primeiro acorde, onde os 45 minutos de álbum parecem que voam sem darmos por isso. Mantendo um sentido de urgência, o disco prova que os TURNSTILE são uma banda que sabe o que quer dizer e que o continua a fazer sempre melhor.
1. Rosalía
LUX
Lux é a expressão física de uma nova persona de Rosalía. Há uma maior maturidade, as letras são mais refinadas, os temas que as inspiram são menos triviais e toda a parte instrumental ganha uma elevação de que não há memória – pelo menos eu não a tenho – na história mais ou menos recente da música pop. Sim, porque isto é um disco pop. Não é por ter orquestras e canto lírico que o deixa de ser – e nem era preciso a própria Rosalía o dizer. Mas por que é que esta pop é diferente? Porque estamos perante algo que é tudo e o seu contrário, mas no bom sentido. É uma espécie de pop-anti-pop com um cariz profundamente humano, que funciona e encaixa como uma luva nas imagens de marca da cantora: uma sensualidade musical, o papel do flamenco e do folclore espanhol e, acima de tudo, um talento para o canto absolutamente inquestionável.
Fundador:
Frederico Batista
Editor-chefe:
Alexandre Pires
Editores:
Ana Lúcia Tiago, Carlos Vila-Maior Lopes, Duarte Pinto Coelho, Patrícia Cuan, Tiago Freire
Redacção: Alexandre R. Malhado, Ana Baptista, Ana Catarina Tiago, Ana Rita Costa, Cátia Simões, Diogo Barreto, Diogo Lopes, Fernando Chovich, Filipe Garcia, Gonçalo Correia, Joana Canela, Madalena Santos, Mafalda Piteira de Barros, Mak, Marcela Janeiro Pereira, Margarida Moita dos Santos, Marta Costa, Miguel Moura, Paulo Pereira, Pedro Primo Figueiredo, Ricardo Romano, Rui Gato, Rodrigo Costa Santos, Tiago Crispim
Fotografia e Vídeo:
Cecile Lopes, Felipe Kido, Francisco Fidalgo, Hugo Amaral, Inês Silva, Jorge Resende, Rui Gato
Colaboradores:
Ana Maria Farinha, António Vouga, Mário Andrade, Tiago Laranjo, Canouchka, Miguel Alverca, André Gomes, Rita Braga, Mafalda Pombo Lopes, Dulce Ribeiro, Tiago Castro, Margarida Fernandes, Gonçalo Nogueira, Valter Dinis
















