Ontem, no Musicbox, o prato principal foi Carne Doce. O tempero brasileiro da banda de Goiânia encheu a casa e a alma dos que lá estiveram.
Foi longa a espera, mas valeu a pena. A banda Carne Doce finalmente aterrou em Portugal para uma pequena série de concertos. Coimbra, Lisboa, Porto, Torres Vedras e Aveiro. Para primeira vez, nada mal. O Jameson Urban Routes ajudou, dando um empurrão. E assim, ontem, no Musicbox, o quinteto brasileiro arrasou com uma atuação onde apenas faltou uma única coisa: um palco maior, condizente com a dimensão artística que já almejaram. Foi um enorme prazer, esperando que estes concertos venham a ser os primeiros de muitos em solo luso. Da nossa parte, fica o orgulho de termos apostado neles desde o início, e de termos sido os primeiros a perceber que estes meninos (e uma menina muito especial, claro) de Goiânia têm qualquer coisa de muito particular. Ontem, como dizíamos há pouco, mostraram que nunca estivemos enganados na nossa avaliação. Somos de confiança, portanto.
Aquilo que sempre nos agradou na banda Carne Doce foi a sua honestidade artística. O que fazem é honesto. A pele deles está na música e a música vive dessa inevitável credibilidade à flor dessa mesma pele. Quando assim é, tem de dar certo. Para mais, possuem o charme das grandes bandas.
A primeira parte da noite esteve entregue a Bruno de Seda e o que se pode dizer é que alguma qualidade instrumental existe, pena a voz, as letras, se bem que aos ouvidos de muitos, e ainda bem que assim é, o que aqui desmerecemos, renderá melhor apreciação. É a vida. Nem mais, a vida e os seus díspares parâmetros.
Com o Musicbox muito bem composto, os Carne Doce entraram em palco e de lá só saíram hora e meia depois. “Queríamos tocar mais”, confessou-nos Mcloys Aquino, mas o tempo não estica de acordo com todas as vontades. Também nós queríamos mais, sobretudo porque agora, ao vivo, a banda parece estar num ponto alto de maturação, esticando as canções por caminhos impensáveis, fazendo delas pequenos paraísos de doce e carnudo psicadelismo. Salma Jô, por seu lado, canta melhor do que nunca. Não são imediatos, os temas da banda. Não são, apetece-nos dizer assim, canções como milhões de outras. Há ali muito trabalho, polimento, brilho próprio. Quem ontem esteve no conhecido espaço lisboeta da “rua cor de rosa”, deu o tempo por bem empregue. Foram vários os momentos de quase delírio, com a inebriante Salma Jô a comandar as tropas. Não está parada um minuto, mesmo no mínimo palco que teve ao seu dispor. Tudo nela é sensualidade, charme, presença. Só não dizemos ser um “animal de palco” porque a expressão, nela, fica feia.
A banda investiu bastante nesta tour portuguesa, e o que ontem semeou em Lisboa terá forçosamente frutos futuros. Competentes e satisfeitos pelo que estavam a fazer em palco (notou-se muito essa entrega, esse prazer, essa proximidade íntima com o público), os Carne Doce merecem sucesso e acabarão por tê-lo. E aqueles que ontem, como nós, tiveram o prazer de assistir ao que trouxeram do outro lado do Atlântico, poderão vir a dizer mais tarde que estiveram com eles desde a primeira hora.
Foi um gozo só! Em alto e bom som, mas estes itálicos só alguns perceberão.
Fotografias cedidas por Natália Arjones