Um Capitólio a suster a respiração, em silêncio, a levitar durante hora e meia – assim foi a noite passada perante uma entidade com nome divino, que nos faz esquecer os problemas terrenos e fúteis do dia a dia.
Angel Olsen já nos encanta há vários anos e aprendemos a amar as várias facetas que nos foi mostrando ao longo da sua carreira, mas em concerto consegue sempre dar mais uma achega ao nosso coração. Trazendo na bagagem o bem recente Big Time, foi por aí que passou a maior parte do seu tempo de palco, mostrando essas novas canções a um público já algo conhecedor e bastante diverso (composto em iguais partes por jovens de vintes, adolescentes com os seus pais de cinquentas, casais de quarentões que necessitaram seguramente de serviços de babysitter, ou seja uma interessante amálgama).
Arranca com a frase “I had a dream last nite” (de “Dream Thing”) e conquista imediatamente o silêncio na sala para deixar a sua voz expandir-se e ocupar todo o espaço à nossa volta. Passa para a canção que dá nome ao álbum, folk country que nos transporta para um diner perdido numa terreola inóspita da América. Com violino e violoncelo a ajudar na missão, a dar corpo ao ambiente criado, basta fechar os olhos e estamos lá.
Nas suas primeiras palavras dirigidas ao público fez questão de demonstrar o afecto que sente por Portugal – segundo a informação disponível na internet este terá sido o seu décimo segundo concerto em terras lusas, tendo já estado, inclusivé, em residência artística na Galeria Zé dos Bois. No entanto revelou que continua só a saber dizer o básico Obrigado, porque todos lhe falam em inglês, e assim passa muitas vezes por uma simples turista. Mas quis deixar claro que, tal como os que cá vivem, tem sentido com consternação o peso crescente dessa actividade na nossa cidade, infestada que está de tuk-tuks. Humor e descontração momentâneos para mudança de direção e irmos à vertente mais indie da cantora, com a excelente “Shut Up, Kiss Me” que põe a sala a mexer instantaneamente.
De seguida vamos dar uma voltinha a All Mirrors, com a canção à la Velvet Underground “Lark” (com forte destaque para o guitarrista Jesse Stewart Bronaugh III) e “All Mirrors” canção, sintetizador intenso que nos faz recuar à synth-pop dos early eighties. De Big Time ainda temos direito a “This Is How It Works” e “All The Good Times”, esta última a grande canção do disco, partilha de dor incomensurável.
“Sister”, de My Woman foi sem dúvida a cereja no topo do bolo. Introduzida como uma canção que “pode demorar entre sete e nove minutos, consoante a forma como a tocamos” é uma malha irrepreensível de crescendo emocional. Arrebatadora.
Por fim, e para o encore, ficou uma bela surpresa – “Without You”, original dos Badfinger, dada a conhecer por Harry Nilsson, mas tornada viral (antes de existir o conceito de viral) na voz de Mariah Carey. Sem medo de arriscar perante o peso de ter sido cantada pela senhora da extensão vocal de cinco oitavas (como aprendemos muito bem em Maráia Quéri), Olsen fechou com chave de ouro e mandou-nos para casa de coração cheio. A sedução ganhou a alma das presas indefesas que ali se apresentaram.
Fotos de Vera Marmelo, do concerto de dia 26/09.
Setlist:
Dream Thing
Big Time
Ghost On
Right Now
Shut Up Kiss Me
Give It Up
All Mirrors
Lark
This Is How It Works
Go Home
Sister
All The Good Times
Chance
Encore:
Without You (Harry Nilsson cover)