Feitas as contas, e olhando para trás, parece que início e fim andaram quase de mão dadas. No aceno derradeiro, os Queens of The Stone Age estilhaçaram tudo e ponto final. Adeus, NOS Alive e até para o ano.
Ainda com os versos do melhor concerto de ontem na cabeça (“Enquanto houver pernas para andar / A gente vai continuar / Enquanto houver pernas para andar”), aí fomos nós para a última etapa do NOS Alive de 2023. À partida, esse era o dia que menos interesse tinha, tendo apenas em conta o espírito altamontiano. Em perspetiva, o dia seria mais tranquilo, menos atarefado, podendo dar-nos ao luxo de esticar mais as pernas, do que forçá-las às correrias dos dias anteriores. Sim, todos sabemos que a música e os concertos provocam sempre em nós alguma inquietação e vontade de espreitar o próximo, saber o que está de facto a acontecer mesmo ali ao nosso lado. Mas a decisão estava tomada. A despedida seria menos sofrida, também por isso.
Com muito sol a cair-nos em cima da cabeça, lá fomos nós até ao Passeio Marítimo de Algés, embora com mixed feelings: os últimos concertos, as primeiras saudades antecipadas.

No dilema exposta, acabou por vencer alguma da nossa irrequietude, pelo que fomos ouvir um bocado do concerto de King Princess (haverá nome que melhor revele atualmente alguma da realidade da definição humana?), a senhora que aterrou em Lisboa vinda de Brooklyn. As canções que ouvimos (poucas) são de formatação clássica, mas a voz é agradável. Tem feito enorme sucesso pelo mundo, e em Portugal parece já ter um número considerável de fãs, pelo que ontem se viu. Muita gente nova que não falhava um verso, um refrão inteiro, tudo muito up to date, como convém nestas coisas de ver, ouvir e cantar sobre quem se gosta. Muito radio friendly, muito fácil de cantarolar, e talvez por tudo isto, potencialmente descartável, algum tempo decorrido. Estava feita a vistoria pelo Palco Heineken.
Durante uma breve conferência de imprensa, que reuniu Álvaro Covões, o senhor Everything is New, Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras e Daniel Beato, administrador executivo da NOS, ficámos a saber que foram 110 os artistas destes três dias e que as datas do evento para 2024 serão 11, 12 e 13 de julho. Não foram divulgados nomes de artistas, para “não dar azar”, segundo Álvaro Covões. Em 15 edições, isso aconteceu apenas uma vez, e apareceu uma pandemia pelo meio. Lembram-se quem foi? Nós, sim. Mas digam vocês a resposta. Conseguem?

Logo a seguir, Machine Gun Kelly. E o que nos apetece dizer é que gostaríamos que todas as máquinas de guerra fossem assim, inócuas e de pólvora seca. A banda já recebeu galardões de platina com o seu fácil punk-pop-rock, que parece querer abarcar todos esses géneros, mas que aqui para nós (que ninguém nos ouve), não consegue fazer grande figura em nenhum deles. Mas isto é só uma opinião, seguramente minoritária. Não faz mal. Estamos muito habituados a isso e a coisas piores.

Para não dizerem que não cumprimos as cotas da música portuguesa, assistimos a parte do concerto de Inês Marques Lucas. Muito poppy, a puxar à dança, repleta de humor e boa disposição. Puxou pelo público, falou com ele, prometendo mais e melhor de uma próxima vez. Ao que parece, o Palco Coreto não terá a dimensão que Inês Marques Lucas pretende. Achamos bem. Uma artista não se deve circunscrever ao espaço que ocupa em qualquer momento da carreira. Uma boa dose de ambição não faz mal a ninguém. Mas Angel Olsen estava a começar, portanto não ficámos até ao fim.

Entrou com cara de poucos amigos, mas depois lá foi sorrindo. A timidez tem sempre os seus encantos. Teria de fazer um esforço para contrariar essa sua particularidade, até porque vinha para apresentar o seu recente Big Time. “I’m gonna play some quiet songs and some loud songs. Deal with it”, disse a cantora norte-americana, já bem mais disposta a sorrir. E assim foi. Temas como “Dream Thing”, “Ghost On”, “Give it Up” ou “This Is How It Works” revelaram o que havia dito. Mas o concerto foi sendo mais morno do que outra coisa, perdendo algum do interesse inicial. No entanto, Angel Olsen tem uma voz que deixa presença e rasto dentro de quem a ouve, as suas modulações são curiosas, por isso fomos ficando quase até ao fim. Não tendo sido memorável, num dia de fraca colheita, valeu bem a pena.

Depois, quando a noite começava a ganhar corpo, os Queens of The Stone Age começaram a demolir o recinto. No cimo do Palco NOS, o principal, a armada feérica comandada por Joshua Michael Homme iniciou o ataque com “No One Knows” (como se isso fosse possível) e por ali seguiu, misturando temas e álbuns bem conhecidos do público. Os primeiros acordes da canção inicial pareciam ter despertado um pequeno monstro que provavelmente viverá no interior dos milhares de pessoas que a banda tinha à sua frente. Uma pequena loucura, de facto. A força do carisma tem destas coisas, e da música também. Quando ambas as coisas combinam, é fagulha em palha seca. Entretanto, algumas questões foram ganhado espaço nas nossas cabeças: este público tão aceso será o mesmo para o artista seguinte? E com igual entusiasmo? A música mexe com os simples mortais, é bem verdade, mas assim tanto para que concertos tão diferentes nas suas essências tenham um mesmo aglomerado de gente para os ver? Enfim, deixemo-nos de filosofias baratas e continuemos, como também continuaram as canções dos QOTSA. “The Way You Used To Do”, “I Sat By The Ocean” e “If I Had a Tail” saíram de rajada, embora não possamos garantir a ordem correta das mesmas. Pouco importam, essas minudências, quando o assunto é rock veterano e bem oleado. A “tochada” foi soberana e bem aplicada. o final, apoteótico! E quando é assim, nunca há vítimas a lamentar. Rock on!

É inegável, o talento da jovem Tash Sultana. Faz música ao vivo como quem brinca com legos. Peça a peça, ou seja, som a som, instrumento a instrumento. Vai juntando tudo em loops e a coisa faz-se assim, à nossa frente. Não sendo nada de novo, é sempre curioso assistir a uma montagem destas. Uma one woman show, a bem dizer. Como estávamos entretidos a levar a maior tareia deste NOS Alive, chegámos tarde e era completamente impossível entrar no recinto do Palco Heineken. Ficámos até algo distantes de qualquer hipótese de entrada. Ouvimos e vimos bastante mal, como facilmente perceberá quem por lá esteve ou por lá passou em vezes anteriores. Mesmo assim, o ouvido apurado ajuda e fomos reconhecendo facilmente alguns temas, como “Coma” ou “Greed”. O som meio soul, meio funk, meio pop merecia melhores condições de escuta, pelo que tudo nos pareceu envolvido numa certa névoa de ruídos, conversas em voz alta (a grande praga dos festivais) e música. Não foi agradável, mas a culpa não é da down under de Melbourne. Será nossa, seguramente, mas mantemos a esperança de não nos julgarem de forma sumária e ríspida. Mesmo assim, pedimos desculpa.
Com ainda um nome sonante no cartaz por atuar (Sam Smith, pois claro), foi por volta das 23 horas que decidimos cumprir com o que havíamos dito no início deste texto. Como perceberam, fomos faltando a essa convicta promessa que tínhamos à partida, por isso fomos categóricos quando a noite já ia alta. Adeus, Sam Smith, mas também adeus NOS Alive. Que o reencontro seja bom e proveitoso. Foi um prazer, como sempre!
Fotografias: Inês Silva excepto Machine Gun Kelly e Queens of the Stone Age)