Chico César trouxe alegria e paz a Lisboa, vestindo-se de amor e de outras boas roupagens sonoras antigas. A festa foi de perfeita comunhão entre músicos e público!
A noite mostrava já alguma da personalidade do outono, que aos poucos se vai instalando. Mesmo assim, as noites estão ainda ótimas para o prazer da música ao vivo. Ontem, o Capitólio recebeu de braços abertos um músico que há muito nos visita, embora nem sempre com a regularidade que desejariam os seus fãs, que são ainda em número considerável em Portugal, nomeadamente em Lisboa. Por isso, a noite era de festa e de celebração: o regresso à capital portuguesa do nordestino Chico César assim o exigiam.
Como referimos, o músico de Catolé do Rocha atuou, uma vez mais, em Portugal (Porto e Lisboa), e na manga trazia o seu mais recente trunfo, o fresquissimo Vestido de Amor, o décimo longa duração da carreira do autor de “Mama África”, um dos temas incontornáveis da sua já longa carreira. O álbum, como se sabe, é o primeiro que o artista grava fora do seu país natal, e conta com participações importantes que, obviamente, não estiveram presentes no palco da sala do Parque Mayer. Para trás, na cronologia das suas gravações em estúdio, estão discos obrigatórios, álbuns que qualquer amante da música popular brasileira deve conhecer, como Aos Vivos (1995), Cuscuz Clã (1996), Beleza Mano (1997), Mama Mundi (1999) e Respeitem Meus Cabelos, Brancos (2002). O público presente esperava, naturalmente, que Chico César passasse em revista algumas das canções desses já distantes trabalhos de estúdio. Era grande, a expectativa.
Com a pontualidade costumeira deste tipo de ocasiões, o concerto começou com um ligeiro atraso, mas como sempre acontece, os primeiros momentos foram para “Béradêro”, só com voz e simpatia. Depois, a abrir sorrisos e corações, “Mama África”, intervalado com o velho hino político que soou bem alto nos tempos cinzentos da ditadura brasileira. Falamos da extraordinária “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”. E, é claro, já o nome de Lula da Silva se fazia ouvir em toda a sala, com bandeiras e t-shirts a condizer. E para prolongar o bruá contagiante, a romântica “À Primeiro Vista” deu ainda mais ênfase ao início mais que festivo do concerto.
Passadas as antigas canções referidas, era tempo da roqueira “Vestido de Amor”, novíssima, a estrear, orelhuda como poucas, ainda sem quaisquer vincos do tempo. Mais um hit para o hiper criativo Chico César. Segui-se o samba-bossa “Amorinha”, também do seu mais recente álbum. Bonita e delicada, feita para São Valentim, o santo que abençoa os namorados do mundo. “Flor de Figo”, bonita e embrionária do novo trabalho, foi composta no isolamento da pandemia, e é tão nova que Chico César ainda nem sabe bem a letra. Nela canta-se “a liberdade é sempre o meu lugar”, e era bom que assim fosse em qualquer local do mundo, cada vez mais fechado, obtuso e pouco humano. Talvez por isso se ouviu em seguida “Deus Me Proteja”, enorme canção do álbum Francisco, Forró y Frevo, de 2008. “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa / Da bondade da pessoa ruim / Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim”. Que bonito!
Outros destaques da noite foram “Pedrada”, reggae de primeiríssima água (“fogo nos fascistas, fogo já!”), “Bolsominions” (o título já diz tudo, certo?), “Onde Estará o Meu Amor?”, “Pensar em Você” e a derradeira “Pedra de Responsa”. A festa chegava ao fim com o Capitólio em delírio total. Não era coisa para menos. A criatividade e o amor com que Chico César se entrega em palco, merecem todo o nosso apreço e gratidão.
Diz-se que o rock salva, e assim é, de facto. Ontem houve rock, frevo, samba, reggae e outros tantos e bons ritmos. Mas a música popular brasileira (seja lá o que ela for, sendo que é tanta que não cabe na sua própria descrição) dá-nos o paraíso na terra, e por isso ganha a todas as outras formas de música. Chico César deu prova disso, ontem à noite, em quase duas horas de concerto. Obrigado, Chico! Um abraço e até sempre!