A noite foi de emoções bonitas, sofridas e caseiras. No “quarto” de Tim Bernardes, passámos a conhecer melhor o seu mundo, todo feito de intimidades, como se se tratasse de um segredo que o músico resolveu partilhar connosco.
Também é bom quando “vem de Terno”, mas quando surge a solo, apenas com as canções, a voz, o piano e as duas guitarras que traz consigo, os concertos de Tim Bernardes ganham uma dimensão emocional que, quando em grupo, nunca chegam a revelar inteiramente. “Less is more” continua a ser uma velha lição que muitas vezes vamos constatando, e ontem foi mais um dia e um momento em que essa minimalista aprendizagem se concretizou.
Tim Bernardes é um nome incontornável da dita nova Música Popular Brasileira, se é que essa já antiga designação ainda faz sentido, sobretudo se pensarmos na multiplicidade de ondas musicais que o Brasil vai teimando em mostrar e produzir. No entanto, e fazendo fé na validade da expressão acima usada, Tim Bernardes é, em alguns aspetos, um artista que se posiciona num particular ponto de charneira entre a tradição e a modernidade da já longa e rica história da melhor música popular do mundo.
Talvez o que mais se destaca em Tim Bernardes seja a afinação. Não no sentido restrito do termo, sobretudo quando usado em relação à voz do artista. A sua afinação vai muito para além disso. Tudo nele parece depurado, fino, temperado de acordo com a sensibilidade exata para cada momento, para cada canção. Tim Bernardes nunca falha o tom, o vigor, a força e o sentido que coloca na interpretação de cada uma das suas composições. E isso, convenhamos, é muito raro encontrar em alguém que ainda não chegou aos 30 anos de idade. Como se não bastasse, vale ainda a pena referir a coragem artística de pegar em temas tão pesados (mas também tão incontornáveis) como a dor, a separação, a perda, o crescimento que naturalmente tudo isso implica, e fazer com eles um itinerário de enorme beleza, mas também de destemida intimidade.
Herdeiro direto de grandes nomes da história mais recente da MPB (Gil, Belchior, Caetano, Jards Macalé, Milton e o seu Clube da Esquina, mas também de Os Mutantes e Los Hermanos, por exemplo) Tim Bernardes é um prato cheio, servido em dose gourmet.
O concerto de ontem, realizado no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, revelou uma vez mais um conjunto de canções que vão às profundezas de uma alma que, para poder voltar à superfície da existência, parece ter tido a necessidade de passar pelo inferno do fim. Só assim, na verdade, se pode Recomeçar, e todos sabemos bem que não há um novo começo sem que o anterior seja combatido e digerido até ser apenas margem, resíduo grão de pó. Assistir a tudo isso, vibrar a cada segundo com tudo isso, foi um privilégio reservado apenas para os que ontem decidiram trocar o conforto do lar pelo aprazível desconforto de escutar canções como “Talvez”, “Quis Mudar”, “Ela”, ou “Recomeçar”. O resto, que não foi pouco, não cabe no limite destas públicas palavras. É “muito cá de dentro” e é nesse espaço que permanecerão. Tanto palavras como emoções.
- ontem não houve “Luzia Luluza”, mas ela pairou nos ares da sala, envolta em histórias de cinema.