
As despedidas são sempre difíceis. Talvez por isso, o tempo tivesse a intenção de ajudar a suavizar uma separação tão difícil como a que se sente quando se vai embora de Paredes de Coura quando mandou a chuva. Mas mesmo essa não impediu mais uma enchente, naquele que foi o último dia do festival.
A contrariar a tendência da tarde, no entanto, tivemos dois concertos cheios de “sol”. Primeiro, a Banda do Mar, que provocou uma enchente incomum para aquela hora da tarde, trouxe à Praia Fluvial do Taboão as suas músicas simpáticas e alegres, perfeitas para o final da tarde. Um concerto em que o público queria muito mais (já se sabe como é em festivais), ao que responderam, em jeito de brincadeira, “vimos tocar as que faltam nos próximos Paredes de Coura”. Depois os nova-iorquinos Woods, com a sua folk-rock psicadélica, surpreenderam com um concerto inesperadamente (ou não) bom. A banda de Jeremy Earl (fundador da editora de Brooklyn, Woodsist) ofereceu ao final da tarde as suas solarengas músicas, feitas de teclados borbulhantes e guitarras que iam desde poppy a completamente eletrizantes, quase sem darmos por isso. Suportadas por uma bateria bem ritmada e um baixo a contrabalançar, a banda lançou-se por algumas vezes em jams sonhadoras e elétricas de se lhe tirar o chapéu, tendo terminado com uma viagem sonora de dez minutos (!) por algo próximo de um space folk, o que quer que isso seja. E foi, então, assim que ambos os concertos abrilhantaram um final de tarde escuro e enublado.
Mais tarde, perto das 21h20, subiam ao palco os britânicos Temples. A hora seguinte foi de viagem contínua pelo universo lisérgico da banda. Desde jams cheias de guitarras a voar pelo ar, florescendo ao longo de drones suportados pela pulsação incessante da motorika a lembrar Neu! (em “Sun Structures”, “A Question Isn’t Answered” ou na hipnotizante “Mesmerise”), ou momentos de pura e brilhante pop psicadélica (“Colours to Life” ou “Move With the Season”) tornada stoner (“Sand Dance”) a riffs ao som dos quais só é possível saltar (“The Golden Throne”, “Ankh” ou “Keep in the Dark”), o concerto dos ingleses foi simplesmente arrebatador e deixou mossa no chão, tal foi a intensidade dos saltos ou do crowsurf quase sem paragem. A terminar com a belíssima “Shelter Song”, antes da qual James Bagshaw deixou a dica “If anyone hasn’t crowdsurfed yet, this would be the time”, a banda deixou-nos expectantes pelo próximo álbum ao mostrar-nos a excitante nova música “Henry’s Cake”, que cresce rapidamente de uma pop psicadélica à la Temples para um riff quase stoner rock, com vozes a lembrar os Pink Floyd de The Piper at the Gates of Dawn. O som mais expansivo, mais carregado de efeitos, e mais pesado ao vivo que em estúdio que os Temples mostraram em Coura ecoou pelas árvores e pelo ar do início da noite dando a todos um dos melhores concertos do festival.
Logo a seguir, no palco Vodafone FM, começava a atuação dos Fuzz. Para lá do incendiário, explodindo com a definição de explosivo, os californianos deram porrada de criar bicho. Ty Segall, aqui apresentando-se como um imensamente capaz baterista e ocasional vocalista, dividindo a tarefa com Charles Mootheart (guitarra) e Chad Ubovich (baixo), deu-nos uma hora de razões para continuarmos a seguir religiosamente todos os projetos em que se envolve. A fluidez da (impossivelmente bem oleada) banda e a sua inesperada atenção ao detalhe (floreados delicados, pacientes e fluidos marcaram presença entre a violência sónica) elevam-na para lá do habitual power trio guitarra/baixo/bateria, confirmando-se como um dos nomes mais excitantes a seguir no rock dito de “garagem”. Mosh pits, crowdsurf, suor e banhos de cerveja (obrigado pelo último, espectador anónimo) à larga, os Fuzz deixam-nos a salivar para o segundo registo em estúdio.
Por volta das 23h30, era tempo para ir até à Europa do Norte. Da Suécia chegava-nos Lykke Li com a sua melódica tristeza, bem marcada no mais recente disco, I Never Learn. Com uma estética sombria, pontuada pelas negras vestimentas da artista e restante banda, e pela decoração em palco, a escandinava atuou durante pouco mais de uma hora, num concerto com notório pouco entusiasmo do público. Apesar da passagem pelos três belos discos da sua carreira, apenas o tema “I Follow Rivers” contou com maior adesão do público. Não obstante, a fluência com que a sueca falou português durante o concerto (talvez herança do tempo – cinco anos – que viveu em Portugal) granjeou-lhe aplausos. Passando por uma bonita e etérea cover do tema “Hold On, We’re Going Home”, de Drake, Lykke Li deu um concerto eficiente, pontuado por belos momentos, mas que no geral não satisfez o público que se juntara na Praia Fluvial do Taboão.
A fechar o palco principal, tivemos a atuação dos Ratatat. Os nova-iorquinos, com a sua eletrónica feita de beats e riffs, transformaram o palco Vodafone numa pista de dança durante a hora e pouco que durou o seu concerto. A apresentação do fresquíssimo Magnifique não lhes podia ter corrido melhor: houve sempre gente a saltar, muito crowdsurf, tudo sempre de mãos. Com um espetáculo de luzes de perder a cabeça, Mike Stroud e Evan Mast saíram de palco sob uma enorme salva de palmas.
Por último, no palco Vodafone FM, antes de ser entregue o final da noite ao alemão Sascha Funke, ainda havia The Soft Moon para ver. E quem se deixou ficar por lá não se arrependeu, pois assistiu ao concerto mais intenso de todo o festival. A banda de Luis Vasquez deu tudo o que tinha durante os 50 minutos que estavam programados para o seu set. Um post-punk novo, fresco e revigorante, com as influências dos antepassados de género é certo, mas a misturar música industrial ou até world music. Doses pouco recomendadas de negrume apimentam esta visão nova sobre um género em que muitos se limitam a imitar (olá Ceremony). Há de tudo um pouco por trás do véu negro da banda. A pulsação incessante de “Black” ou “Wrong”, as guitarras retorcidas de “Zeros” ou “Try” ou a loucura total de “Being” provocaram muitos saltos e um mosh pit descontrolado. Ao longo do concerto, as canções coexistiram muito bem e encaixaram-se na madrugada de domingo para um concerto subliminal, que pecou pela curta duração e pede um regresso em nome próprio. A voz, ora cantada, ora gritada, e a atitude irrequieta de Luis transpiravam entrega total. Na apresentação de Deeper, ouvimos também incursões pelos mais antigos The Soft Moon e Zeros. Um concerto que certamente ficará na memória dos que o presenciaram e que deixará saudades, tendo a banda agradecido ao público pela sua energia e por terem sido uma das melhores plateias de sempre nos seus concertos. Esperamos o seu retorno.
E assim terminou mais uma edição do Vodafone Paredes de Coura, que já tem data marcada para o próximo ano de 17 a 20 de agosto, no lugar de sempre. Até lá, aguardemos.
Textos: Luís Marujo, Beatriz Pinto e Guilherme Portugal || Fotos gentilmente cedidas por Hugo Lima