Ao terceiro dia de festa em Paredes de Coura, a dança chegou em força. Com concertos incendiários de Comet is Coming e dos franceses L’imperatrice, houve ainda tempo para a agitação rock dos Turnstile deixar ao rubro a imensa multidão que se deslocou para os ver.
Depois de um segundo dia cheio de diversidade musical e de excelentes concertos, certamente muita gente ainda a sofrer com ligeiras sequelas desse portento que foi o concerto de IDLES, este terceiro dia introduziu a dança como parte de uma equação, que se revelou certeira.

O dia começou com o australiano Donny Benét e a sua disco pop iconoclasta no palco Vodafone FM. Acompanhado por saxofonista e baterista, Benét é a figura central deste concerto, as linhas de baixo ondulantes, os sintetizadores que cintilam qual bola de espelhos e que caberiam em qualquer série policial a la Miami Vice. Música completamente de acordo com o encontro imediato de 3º grau com a persona inspirada nos anos 80 coloridos, um sex-symbol inusitado, ordenado mestre de cerimónias e coach motivacional, tudo ao mesmo tempo. Saltitando por entre temas dos seus cinco LPs, o momento alto do concerto aconteceu com “Konichiwa”, tema do disco de 2018, The Don, ao qual honrou arrancar a primeira cantoria do dia.

Das cantorias açucaradas de Donny Benét, para a viagem astral de Comet is Coming foi um pulinho. No sítio certo à hora certa, os ingleses, e, um dos nomes e exemplos mais importantes do novo jazz britânico, deram um concerto absolutamente explosivo, um cocktail molotov de psicadelismo, rock impregnado com funk e o jazz a servir de pavio para uma mistura altamente inflamável que fez a multidão de Coura vibrar, e entregar-se por inteiro a esta viagem sideral.
Danologue (teclas), Betamax (bateria), e King Shabaka Hutchings (saxofone), são os artífices deste combo, onde a mistura de linguagens não só parece constante, mas obrigatória, como se tudo fosse parte de uma mesma matéria una, onde a inspiração sci-fi e cósmica, é nada mais do que uma forma de elevar o espírito a outras altitudes. Entre temas do disco de Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery (2019), “Summon the Fire”, a poderosíssima “Blood of the Past” foram destaques e do irmão, The Afterlife (2017), houve tempo ainda para escutar alguns temas do lançamento que está a caminho, Hyper-Dimensional Expansion Beam.

Entretanto, no palco secundário, foi a vez do trio bielorusso Molchat Doma, banda fetiche dos algoritmos da geração Youtube, Bandcamp, Tik-Tok, servirem o seu pós-punk gélido com inspirações bem vincadas de Joy Division, Depeche Mode, e outros arautos dos anos 80 mais góticos. A barreira linguística nunca pareceu ser um problema para a muito boa gente que encheu o palco secundário, as canções simples, formulais, são sempre feitas como mandam as regras e se não primam pela originalidade, muito provavelmente também nunca foi essa a intenção, assim sendo, a festa fez-se na mesma, pelo menos para os fãs mais convictos.

De convicção também vive a música dos nova-iorquinos Parquet Courts. Apesar da excelente obra já feita, tem sido uma banda sempre algo arredada dos holofotes e horários mais nobres dos festivais aqui em Portugal. Desta vez em horário de destaque, no palco principal, foram aposta ganha, com um concerto altamente enérgico, seguramente um dos melhores do festival, fluído como nenhum outro na forma como a banda se atira às suas múltiplas identidades e devaneios estilísticos, e uma prova de extrema competência da banda liderada por Andrew Savage.
O início do concerto fez-se com alta voltagem, temas curtos, punk irrequieto pejado de riffs de guitarra ríspidos e angulares, a abrirem caminho para muito crowdsurf e mosh, a mostrar que Coura também sabia ao que vinha. Ouvem-se “Freebird II”, “Tenderness”, “Dust”, vira-se o jogo para a parte mais melódica da discografia, piscando o olho também ao último disco Sympathy For Life (2021), até chegar ao culminar de um concerto rico, diverso e dinâmico com “Master of My Craft” a encerrar o concerto de forma vitoriosa.

Numa estreia muito ansiada, os norte americanos Turnstile vieram até Coura para gerar rebuliço, por amor ou ódio. A banda de Baltimore, deu um pulo gigante de popularidade com o mais recente Glow On, passando de figura relativamente secundária de um circuito Hardcore/ Post-Hardcore, para embaixadores de um novo rock cheio de velhos truques para uma geração mais nova, e outras não assim tão novas, a atender pela excelentes críticas que o álbum lhes valeu.
A música é feita quase sempre com recurso a um refrão melódico, sobreposto sobre riffs de guitarra que bebem directamente da mesma fonte do thrash metal dos Metallica, ou do groove de uns Sick of it All menos vitaminados, contaminados pelas melhores melodias pop/punk. É de alguma forma básico, mas plenamente eficaz, e canção após canção, o público vai respondendo em mosh, aplausos e euforia à música da banda. Com direitos a solo de guitarra, solo de bateria inclusive, o vocalista Brendan Yates de bandana na cabeça a lembrar um tal de Axl Rose, o fantasma de tempos musicalmente menos felizes não demorou muito a pairar no ar.
No entanto tal como ontem, com os britânicos Idles, existe uma preocupação da banda em agradecer o muito apoio do público, e lembrar que apesar da agressividade que a sua música contém, é importante fazer disso um lugar seguro, um lugar de celebração. Tendo em conta a felicidade estampada na cara da maior parte dos presentes no final do concerto é caso para dizer, missão cumprida com distinção.

Quando os franceses L’Impératrice subiram a palco, poucos esperariam ver um concerto tão impressionante. Na estreia do sexteto de Paris em terras lusas, presenciámos uma máquina de fazer dançar, com direito a aclamação total via um enorme e longo aplauso, bem no final de um concerto, que até ao mais pesado pé de chumbo deve ter arrancado um passinho.
Um espectáculo desenhado ao pormenor, com direito a várias coreografias, interacções com o público, e demais truques ao dispor do cardápio dos melhores tempos do disco sound de outras décadas. A entrada em palco fez-se assim, com o sexteto a entrar à vez, palco às escuras, apenas o coração de LED usado ao peito, a iluminar e marcar as pulsações com que a festa iria arrancar.
A música da banda assenta nos melhores ensinamentos do Disco e Funk das décadas de 70 e 80, os Chic, a fantasia dos Bee Gees, são lembradas a cada virada, que serve também para introduzir arpejos e harmonias criados a partir de sintetizadores modulares, constantemente a acrescentar novas cores, pinceladas de electrónica e lembrar os conterrâneos Daft Punk, e aqui acolá, algum do minimalismo dos Metronomy quando decidem ser mais soalheiros.
“Peur des Filles”, “Agitations tropicales”, “Anomalie Blue” foram pontos mais altos de um concerto magnífico, com tempo para trocas de amor entre banda e público, para emocionar a vocalista Flore Benguigui e um desejo de uma volta para muito breve.
No palco Vodafone FM, também com concertos felizes e dançantes, ainda passaram os Italianos Nu Genea em formato Live Band, e os suíços L’eclair, numa estreia nacional muitíssimo competente.
Hoje, há mais música na Couraíso, com destaque e muita curiosidade para os concertos de Arlo Parks, Kelly Lee Owens, Ty Segall & Freedom Band e The Blaze.
Fotografias: Francisco Fidalgo