No segundo dia do festival minhoto, os britânicos IDLES foram o ponto mais alto de uma noite em que as viagens jazzísticas dos BADBADNOTGOOD, o doce embalar dos Beach House, ainda com uma tremenda festa punk de Viagra Boys a fechar a noite, também foram destaques.
Diz-se, com frequência, que o Rock morreu, está acabado. Essa é uma história antiga, daquelas chatas, bafientas, que diz mais sobre quem assim pensa do que aquilo que é a realidade. A julgar pelo magnífico concerto de IDLES ontem no bonito anfiteatro natural da praia fluvial do Tabuão, é uma prova que ninguém quer saber disso.

Perdoe-se-me a ousadia, mas começaremos esta crónica mesmo por aqui.
Quando o quinteto de Bristol subiu ao palco, já uma imensa multidão os esperava, ansiosa pela descarga eléctrica que se avizinhava. Assim que pisaram o palco, a euforia foi total, a brutalidade que é “Colossus” a iniciar as lides de um combate, que apenas terminaria uma hora e tal depois, com trocas mútuas de amor e admiração. A figura carismática do vocalista Joe Talbot é poderoso íman de atenções, o que permite à banda potenciar ao máximo um espectáculo onde tudo vem com precisão aguçada, mesmo se embrulhada no caos do feedback e do ruído.
Logo naquela pausa de “Colossus”, que em disco são breves segundos, ao vivo é estendida ao máximo, as águas são separadas, multidão para um lado, multidão para o outro, o vazio pelo meio, a preparar o mosh que aí vem, sem segredos, para delírio geral.
Por estes dias, os IDLES são uma máquina ao vivo, entrega total, domínio pleno das dinâmicas, e daquele preceito básico que é contenção e libertação. “Mr. Motivator”, “Mother”, “Divide and Conquer”, são como socos servidos de seguida, uma libertação constante de catarse rock n’ roll para se cantar e pular, e dançar, e todos os -ars que se lhe ocorrer, porque como mais tarde viria a lembrar e a agradecer, no discurso mais emotivo da noite, Joe talbot disse qualquer coisa como: “Durante anos, tive medo da morte e de ficar sozinho, algo que fui combatendo com drogas e com os meus amigos. Agora viajamos pelo mundo e vocês fazem-me sentir seguro nos vossos braços. O amor e carinho que nos dão fazem-me sentir que posso morrer seguro”.
Os hinos foram-se seguindo, a soul de “Beachland Ballroom”, a diversão e agressão de “Never Fight a Man with a Perm”, um pequeno desvio por Crawler e Ultra Mono, para a soturna “A Hymn” e uma pesada “The Wheel”.
Alguém ao nosso lado dizia no final do concerto, isto é como um anti-depressivo, aliás, é o melhor anti-depressivo. Não é possível dizer que esteja errado.

Fazendo um rewind até mais cedo, ainda com o sol a brilhar e a aquecer os corpos que penaram na véspera com a chuva, os também britânicos Porridge Radio, iniciaram o dia no Palco Vodafone FM, com um concerto que teve direito a uma assistência generosa, ainda que algo distraída.
A banda liderada por Dana Margolin foi maioritariamente visitando os temas dos discos de 2020, Every Bad, e do mais recente Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky, de 2022. Indie rock em formato canção, herança forte dos anos 90 e levado a bom porto pela emoção sempre presente na voz rouca da vocalista. Não se pode dizer que tenham dado um mau concerto, mas alguns problemas técnicos, nunca deixaram de fazer sentir o concerto como pouco mais de morno.

Um pouco morno também foi o concerto de Alex G. O Norte-Americano, natural da Pennsylvania, estreou-se em palcos portugueses para um concerto que alguns dos fãs mais devotos certamente não irão esquecer, mas que o mesmo não se poderá aplicar à maior parte dos presentes. Algures entre um folk-rock, aqui e acolá pejado com texturas grungy e lo-fi, foi um bom acompanhamento para o final de tarde e para o pôr do sol, mas não aqueceu a alma aos muitos festivaleiros presentes.
O mesmo não se pode dizer dos concertos de Indigo de Souza e The Murder Capital, que fizeram valer as suas presenças no palco secundário, propostas radicalmente diferentes, mas ambas marcadas por uma estreia auspiciosa em terras lusas.

Indigo de Souza, deu um concerto em crescendo, a voz da cantora de 25 anos é o centro de gravidade, de um rock de contornos grunge, construído por cima de letras confessionais e vulneráveis. Tido em muito boa conta por alguma imprensa internacional, a jovem norte-americana, acabou por ser uma bela surpresa na tarde minhota, revelando-se também enamorada pela beleza do festival, e por ter visto tão poucos telefones durante o seu concerto.

Os Irlandeses The Murder Capital ficaram com a difícil missão de servir de aperitivo para o concerto de IDLES, densos, pesados, os quatro rapazes de Dublin trouxeram pós-punk ora de acordo com as melhores regras da escola britânica mais recente, ora envolto num negrume gótico, a resvalar para outras paragens, e, se ainda não alcançaram por ventura um estatuto de popularidade semelhante aos conterrâneos Fontaines DC, ou dos companheiros de digressão IDLES, existe entrega, qualidade, e espaço suficiente para num futuro próximo passarem de surpresa para certeza. Um concerto enérgico, com o vocalista James McGovern sempre muito ativo, muito próximo do público, mas numa postura quase desafiante, que certamente conquistou fãs nesta estreia em Coura.

No palco principal, antes da tomada de assalto pelos IDLES, os canadianos BADBADNOTGOOD repetiram a presença em Coura e o sucesso da sua anterior passagem por aqui.
Se uma viagem instrumental, num concerto sem outros artifícios visuais que não a projecção em 16mm na tela principal do palco, poderia eventualmente fazer torcer alguns narizes, não seria o caso para a maior parte da multidão, que foi respondendo positivamente às interações criadas durante as trabalhosas e intricadas composições do quarteto.
Talk Memory, disco de 2021, foi tocado quase na totalidade, deixando espaço para a banda resgatar e lembrar a sua colaboração com o saudoso rapper MF Doom, numa excelente apresentação de “The Chocolate Conquistadors”.
Com a ajuda das projecções, desde paisagens citadinas, à abstração multicolor e analógica, estes BBNG são uma banda muito mais madura, muito menos dependente da vertigem, mais preocupada em oferecer uma experiência completa, uma viagem cinematográfica que eleva as suas composições a outras altitudes, onde a excelência da sua música ultrapassa qualquer imposição de género, para voar livremente, como o bom jazz costuma fazer. Coura não é Montreaux, mas o melhor espírito do jazz passou por aqui.
Depois de cinco anos de ausência, e um concerto que não ficou na memória pelas melhores razões, os Beach House finalmente redimiram-se. A banda de Victoria Legrand e Alex Scally, apoiados por um certeiro James Barone na bateria, deu um concerto bonito e encantador, com a casa cheia para os receber, mesmo depois do furacão IDLES, e com o frio e vento a fazer alguma mossa.
Enquadrados sob o céu estrelado do minho, foram fiéis à sua imagem misteriosa, doce e sonhadora. Revisitando clássicos, “Myth”, “Space Song”, “PPP” com espaço para algumas das músicas do mais recente, Once, Twice, Melody, a banda de Baltimore foi como um bálsamo de fim de noite, uma longa canção de embalar, para lembrar que a catarse também pode ser ao mesmo tempo serena e estelar. Visivelmente felizes ao longo do concerto, saem de Coura com as pazes feitas.

Para os mais impacientes, no palco After Hours, os suecos Viagra Boys vieram saciar aqueles que ainda estavam sedentos de festa. Punk Rock sardónico, mais dado a celebração que a amassos raivosos, foi o energético final de uma noite feliz, para relembrar seguramente mais tarde.
Assim sendo, dia dois cumprido com distinção, e as expectativas bem lá em cima para os concertos de hoje, com Comet is Coming, Donny Benet, Turnstile, e essa surpresa russa Molchat Doma à cabeça.
Fotografias: Francisco Fidalgo