Os últimos anos têm sido marcados pela explosão de oferta digital (leia-se streaming), com a necessária pulverização de gostos e de audições, como se cada um estivesse no seu cantinho a explorar o último nicho do nicho. Parece que nunca houve tanta oferta musical, quando na verdade nunca houve foi tanto acesso. Isso leva, naturalmente, a que se ouça mais música nova, mais música diferente, e as pessoas se reúnam menos à volta de um único totem sagrado que domine um ano civil.
Como resultado disso, 2024 voltou a trazer um novo recorde para o Top Altamont: tivemos 122 discos votados para o top internacional, por parte de 26 membros da nossa família (isto é, a nossa redacção alargada). Ainda assim, reconheçamos que, felizmente, esta fragmentação não significou isolamento. Passámos o ano a recomendar discos uns aos outros e aos leitores, discutindo, insultando e até mudando muitas vezes de ideias.
Este foi o ano em que monstros como Nick Cave ou The Cure voltaram aos discos, em que históricos favoritos do Altamont como Vampire Weekend, Fontaines DC ou Laura Marling se mostraram em forma, mas houve também espaço para fabulosos cometas como Bill Ryder-Jones, Cindy Lee ou Nala Sinephro. E tivemos, sem quotas, uma praticamente perfeita paridade de género no nosso top 20, com uma maioria de vozes femininas a liderar as nossas escolhas.
Não havia, como noutros anos, um vencedor óbvio e declarado antecipadamente. Em vez disso, houve luta feroz entre os nossos três primeiros classificados., na disputa pelo título de disco do ano.
É só continuar e ler e ficar a conhecer o que mais nos andou na cabeça e nos ouvidos neste ano de 2024.
Tiago Freire
20. Nilüfer Yanya
My Method Actor
My Method Actor é composto por onze músicas que compõem um disco bem produzido, com coerência do início ao fim, guitarras fortes quando necessário e leveza e suavidade em doses certas. A voz é cheia, grave mas doce, cantando em tom ora torturado ora triunfante. Chegando ao fim do álbum, queremos voltar ao início e repetir tudo outra vez.
19. English Teacher
This Could Be Texas
Os English Teacher demonstram uma inquietude invulgar: todas as músicas têm reviravoltas ou complicações, seja uma mudança de compasso, um floreio instrumental ou uma repentina wall of sound, na qual esbarramos de frente. This Could Be Texas é um disco caótico, comovente, fascinante, pretensioso, e delicioso por ter tudo isto junto.
18. Nala Sinephro
Endlessness
Endlessness é a mais recente bênção que Nala Sinephro nos oferece. Ouvir os seus vários continuum suspende-nos a vida e faz-nos sentir graciosos e especiais. Um álbum que corre em contramão. Ele caminha no sentido contrário da direção desgovernada do mundo. Não alinha em urgências. É dado a vagares e a demoras.
17. Beth Gibbons
Lives Outgrown
Lives Outgrown é uma pérola que mergulha na perda e no sofrimento, sem pressas, mas com um profundo sentimento de que a vida, tal como a morte, têm de ser olhadas de frente. De preferência, com a poesia como expressão libertadora.
16. Cassandra Jenkins
My Light, My Destroyer
A cantora americana dá-nos um disco com várias canções muito fortes e que explora novas rotas no seu caminho de descoberta. Apesar das mudanças e do relativo sucesso do segundo álbum, há sem dúvida uma continuidade emocional face ao que veio antes. Jenkins é magnífica na escrita de músicas e letras que nos falam de solidão, contemplação e espanto perante as coisas grandes e pequenas deste nosso mundo.

15. Cindy Lee
Diamond Jubilee
Diamond Jubilee é o ovni do ano. Lançado exclusivamente no Youtube e mais tarde no Bandcamp, e assim dificultando a vida de todos os que o quiserem conhecer, o sétimo álbum de Cindy Lee, projeto do músico canadiano Patrick Flegel, é um disco onde cabe tudo e mais um par de botas. Álbum triplo, 32 faixas, mistura pop psicadélica, lo-fi, e radio rock dos 70s como só uma bimby faria tão bem.
14. Laura Marling
Patterns in Repeat
Por mais que o tempo passe e por mais idade que se lhe some, Laura Marling continuará a surpreender na sua maturidade, na sua capacidade de traduzir em letras o que a maioria de nós teima em não aceitar e processar, na forma leve como parece explicar a todos nós, leigos, de que é, afinal, feita a vida.
13. The Last Dinner Party
Prelude to Ecstasy
A música das Last Dinner Party tem alguma tendência para o excesso e para a teatralidade, que assenta bem no quinteto que a compõe e em quem ouve. Prelude to Ecstasy um disco delicioso, que vai da pop descomprometida ao hard-rock ou ao shoegaze, passando pela música clássica. Um mimo para os ouvidos.
12. The Cure
Songs Of a Lost World
Reencontrar os Cure em disco em 2024 é como voltar a ver um amigo de décadas, revisitar um livro, um local, um espaço. São 50 minutos de música – nem metade dela cantada (as introduções são quase sempre longas) – frágil e repleta de nuvens, disco perfeito para um outono que se transforma em inverno de recolha.

11. Hinds
Viva Hinds
Viva Hinds é uma explosão lo-fi de energia feminina, materializando o gigante contrassenso que é ser uma mulher na casa dos 30. Feministas, fortes e independentes, ainda que sintam que o mundo vai acabar se o ex não responder à mensagem. Assim se apresentam as Hinds, confirmando que, às vezes, só precisamos de falar com a melhor amiga para a viagem fazer mais sentido.
10. Kendrick Lamar
GNX
O rapper de Compton edita o seu disco mais divisivo no mesmo ano em que mostrou que é um tipo que é melhor não provocar. Entre canções fortemente influenciadas pelo g-funk dos quais Snoop Dogg e Dr. Dre foram pioneiros na década de 90 e outras altamente sensuais, este é um dos discos mais incoerentes do músico.
9. The Smile
Wall of Eyes
Wall of Eyes, primeiro disco dos The Smile neste ano, é uma road trip de olhos fixados no horizonte: a aparente tranquilidade existe apenas pois sabemos que tudo está perdido. Do outro lado da curva encontraremos o nosso destino, e este é violento e inexorável.
8. Godspeed You! Black Emperor
No Title as of 13 February 2024 28,340 Dead
Ao ouvir o último disco de GY!BE entramos em território de Madmax, se tivesse sido escrito por August Strindberg, onde nos escombros de um apocalipse, nas praias de Gaza, um ancião demencial toca, em loop, um acordeão estragado.
7. Nick Cave & The Bad Seeds
Wild God
Nick Cave está de regresso e vem, mais uma vez, com as suas particulares escrituras sagradas a tiracolo. Wild God é um disco de esperança. Pode até não se notar muito, mas ela está lá, renovada pelas lutas constantes entre Cave e os seus velhos demónios, que vão estando sempre à espreita.
6. Hurray For The Riff Raff
The Past Is Still Alive
The Past is Still Alive é um disco que voa, os seus 36 minutos são consumidos como um fósforo, mas a marca que deixa é muito mais duradoura. Os Hurray for the Riff Raff deixaram de ser um segredo bem guardado ao lançarem um dos discos do ano.
5. Jessica Pratt
Here in the Pitch
Here in the pitch é mais um triunfo de Jessica Pratt. Uma artista, e uma voz, que ainda não falhou, evoluiu dentro daquilo que é a sua personalidade sem ceder a tentações de corrida para um sucesso qualquer que obliterasse a sua essência. E consegue manter a beleza espectral que os fãs antigos sempre estimaram com uns raios de luz que podem ajudar a que novos entrem pela porta. E lá fiquem.
4. Fontaines D.C.
Romance
Romance está cheio de obsessão. Jinga entre arrependimento, vingança e compaixão. É sobretudo um ensaio sobre o amor. De como é um espaço complexo e, às vezes, feio, onde tanto o melhor como o pior vêm ao de cima. Uma neurose inerente à condição humana que leva a pessoa mais segura de si sofrer de violentos conflitos interiores.
3. Adrianne Lenker
Bright Future
Bright Future é mais um disco deslumbrante. Gravado em registo DIY, em casa, rodeada por amigos que vão contribuindo nas canções, dá ares de ser um ajuntamento à volta de uma lareira, no qual, após jantar e no meio de copos, alguém pegou numa guitarra e começou a tocar. Só que aqui esse alguém é um prodígio a tocar, a cantar, a inventar canções com espontaneidade.
2. Bill Ryder-Jones
Iechyd Da
lechyd Da é um disco aterradoramente humano, num tempo em que precisamos disso. Saiu em janeiro, ficou logo no radar, mas foi perdendo tempo de antena perante coisas mais chamativas e mais óbvias. Que não nos deixemos enganar: este é um disco que cresce e cresce e cresce, e que nos conquista cada vez mais. Dor, amor, esperança, em 48 minutos do mais belo que ouvimos este ano.
1. Vampire Weekend
Only God Was Above Us
Ao quinto tomo, os Vampire Weekend ainda estão por fazer um disco abaixo de um nível médio-alto. E este Only God Was Above Us pode ser visto como seu Pet Sounds (perdoe-se a heresia), pela forma como combina mestria pop com uma enorme ambição de produção, composição e arranjos. Um excelente disco maduro de uma banda eternamente adolescente.
Fundador:
Frederico Batista
Editor-chefe:
Alexandre Pires
Editores:
Carlos Vila-Maior Lopes, Duarte Pinto Coelho, Ricardo Romano, Tiago Freire
Redacção: Alexandre R. Malhado, Ana Baptista, Ana Catarina Tiago, Ana Lúcia Tiago, Cátia Simões, Diogo Barreto, Diogo Lopes, Filipe Garcia, Gonçalo Correia, Joana Canela, Mafalda Piteira de Barros, Marcela Janeiro Pereira, Margarida Moita dos Santos, Miguel Moura, Patrícia Cuan, Pedro Primo Figueiredo, Rui Gato, Rodrigo Costa Santos, Tiago Crispim
Fotografia e Vídeo:
Cecile Lopes, Francisco Fidalgo, Inês Silva, Hugo Amaral, Rui Gato

















