Os Kings of Convenience fizeram em Cascais uma bonita e bem-disposta festa que, entre canções novas e clássicos doces, aqueceu a noite fria e desarrumou quanto baste a plateia sentada e seccionada do Cool Jazz.
O Cool Jazz é e sempre foi um festival arrumado e bem posto, com copos de vinho a substituir a cerveja em copo de plástico e uma plateia sentada e bem dividida por zonas – quem quer ver o palco mais de perto paga mais –, em vez da mais livre e democrática plateia em pé dos festivais clássicos, não fosse este festival acontecer em Cascais (“não sei se não vos devíamos tratar por você”, disseram as Golden Slumbers na primeira parte). Este cenário, onde, à primeira vista, os Kings of Convenience encaixariam na perfeição, enquanto banda também ela arrumada e bemposta, revelou-se não ser o ideal para os reis do indie folk norueguês que, jovialmente impacientes com a excessiva boa educação da plateia, se esforçaram por interagir com o público, ensaiando coros, instigando a que as zonas sentadas se levantassem – “wave your wine glass in the air, like you just don’t care” – e até trazendo o público do golden circle para mais perto do palco – “let’s pretend this is a rock concert”. Tudo isto criou a desarrumação quanto baste para que o serão, que prometia ser bonito, mas não sair muito das linhas, se tornasse numa mais relaxada e bem-disposta festa com Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe como mestres de cerimónia.

O serão começou de forma ordeira e organizada com o concerto das Golden Slumbers que, à hora marcada, subiram ao palco para nos mostrar as suas doces canções folk, enquanto a plateia se ia compondo. Com o fim de dia como pano de fundo, as irmãs Falcão, Catarina e Margarida, apresentaram-se de lenços na cabeça e cada uma com a sua guitarra, acompanhadas pelos seus “primos” na bateria e no baixo. Canções como “South America”, “Pure” ou “I Love You Crystal”, com as suas harmonias leves e dedilhares de guitarra, revelaram-se o aquecimento perfeito para os cabeças de cartaz da noite, o que fez ainda mais sentido quando Margarida revelou que os Kings of Convenience eram umas das principais influências da banda, sendo para elas um privilégio estar ali naquela noite. “Woman” e “Mourning Song” fecharam o concerto que deu às Golden Slumbers um momento full circle (e que não seria o único da noite, mas já lá vamos). Era hora dos artistas principais.

“A última vez que estivemos aqui foi em 2008, acabámos de verificar na internet” disse Eirik Glambek Bøe quando entraram em palco. Nessa altura, a maior parte das canções que compuseram a setlist do concerto que os Kings of Convenience deram em Cascais ainda não tinham sido escritas (os álbuns Declaration of Dependance e Peace or Love são de 2009 e 2021 respetivamente) e é provável que a audiência estivesse menos composta, considerando a admiração que a banda mostrou com a quantidade de pessoas que estavam ali para os ver (será que dizem isto a todas? Não queremos saber). O concerto abriu com canções do trabalho mais recente, o excelente Peace or Love. “Comb My Hair”, “Rocky Trail” ou “Catholic Country” foram impecavelmente interpretadas pelos dois músicos, que iam alternando entre guitarras enquanto aqueciam a noite, que começou a ficar fria, com as suas suaves harmonias. Muito fiéis às versões gravadas, é de notar o silêncio da plateia, atenta e devota, como se ninguém se atrevesse a perturbar a bonita simbiose entre as duas vozes dos Kings of Convenience e os seus instrumentos. Nem os mosquitos nem o vento cascalense perturbaram os Noruegueses, que arrancaram reações mais quentes do público, com estalidos de dedos – palmas são demasiado violentas neste contexto – e coros nos refrões, quando entraram no seu repertório mais antigo. “Mrs Cold” e “Homesick” soaram a nostalgia feliz, mas foi “Know How” que trouxe o primeiro ponto alto da noite. Pela segunda vez em palco e continuando o seu momento full circle, as Golden Slumbers juntaram-se aos Kings of Convenience para cantar a parte da canção normalmente interpretada por Feist. A esta bela versão juntou-se também um coro já menos tímido do público, talvez contagiado pela euforia das manas Falcão – estávamos finalmente a aquecer.
Para “Stay Out of Trouble”, os Kings of Convenience chamaram ao palco a sua banda de apoio, que trouxe uma viola (um violino, mas maior) e um contrabaixo (que depois virou baixo elétrico) e que permaneceram em palco até ao fim do concerto. Os músicos adicionais vieram acrescentar corpo às canções e preencher os silêncios certos, sem nunca roubar protagonismo aos dois atores principais da atuação. Seguiram-se “Sorry or Please”, no fim da qual Erlend Øye nos presenteou com um trompete invisível a fazer lembrar as habilidades de Salvador Sobral, e “Peace Time Resistance”, antes da sequência extática de canções que compuseram o final do concerto. “Boat Behind”, “Misread”, “Fever” e “I’d Rather Dance With You”, todas clássicos deliciosos, foram tocadas para uma plateia já a querer libertar-se dos espartilhos dos lugares sentados e seccionados. Sem vergonha de acompanhar os refrões e trocando os tímidos estalinhos por palmas com vontade, o público alinhou na boa energia que vinha do palco, deixando-se levar pelo crescente desafio entre guitarras e viola e respondendo a todos os pedidos que um dançante e levemente autoritário Erlend Øye fazia – “venham para mais perto, levantem-se, vocês aqui cantem isto e vocês ali cantem aquilo”. No fim despediram-se, mas a plateia não estava ainda pronta para os deixar ir e pediu mais, pedido a que a banda acedeu com gosto tocando “24-25”.
Foi uma bela noite esta que marcou o regresso dos Kings of Convenience a Portugal (tinham tocado no Coliseu dos Recreios em maio de 2022). Com um saudável equilíbrio entre canções do mais recente disco e os clássicos que todos sabemos trautear, foi bom (re)vê-los, tão em forma e com vontade de tocar ao vivo e, sobretudo, com esta habilidade perfeita de tornar um concerto que podia ter sido distante e frio numa intimista e bonita festa. Reiteramos o desejo que a banda deixou nas redes sociais depois do concerto – que da próxima vez que venham a terras lusas seja para tocar para uma única plateia, sem zonas, com um único preço no bilhete.
Fotografias: Sara Hawk Fotografia/Cool Jazz