Podia ter sido com Vanilla Ice. Depois de Load, Reload e Garage Inc, para quem quisesse perceber os Metallica já o haviam mostrado – tinham perdido a vergonha. A disco passavam o que queriam, com a sonoridade que lhes apetecesse, com mais ou menos solos, mais ou menos depressa, com letras mais ou menos absurdas. Podiam gravar com Marianne Faithfull, podiam ganhar Grammys com covers de Thin Lizzy, podiam mesmo ter gravado com Vanilla Ice.
Desde 1991 que Michael Kamen estava na agenda de contactos. Através de Bob Rock, na longa maratona de produção do álbum homónimo, o maestro tinha sido desafiado a compor arranjos para uma versão acústica de “Nothing Else Matters”. Aceitou, entregou, mas nunca chegou a ouvir o resultado. À mistura final do disco pouco da orquestra passou e do lado da banda o agradecimento nunca apareceu. Anos depois, um novo desafio: E que tal um álbum duplo?
O desconforto
Mais um impulso? Nova aventura falhada? Não seria melhor gravar um disco com o Vanilla Ice? De um lado, cinquenta músicos capazes de, nas palavras do maestro, “tocar uma cagadela de mosca se estiver em pauta” mas na sua maioria virgens em terrenos de heavy metal. Do outro, uma banda a caminhar para a implosão. Se Lars queria “gravar com música clássica”, Hammett já via Kamen como “outro membro da banda” e Newsted deixara-se deslumbrar pelas capacidades dos novos companheiros de palco, Hetfield subia ao palco convencido que a mistura “nunca iria funcionar”. Tal como no dia em que achou boa ideia gravar um disco com Lou Reed, estava enganado.
E lá subiram, nas noites de 21 e 22 de Abril de 1999, ao palco da Berkley Community Theater desconfortáveis, mas trajados a preceito – há registos de botões de punho com caveiras na camisa de Hammett – para enfrentar uma plateia incrédula – Orquestra no palco? Cadeiras? – na companhia de cinquenta músicos. Tudo certo para mais uma cavadela no legado?
O resultado?
E se tiver funcionado? E se os senhores do metal afinal se alinharam mesmo com violinos e violoncelos? E se a Orquestra Sinfónica de São Francisco foi mesmo capaz de acrescentar música e ordem ao quarteto mais ruidoso da cidade? Hetfield estava enganado. Quem os condenou ao exílio também. Quem não percebeu que iriam continuar a gravar o que lhes apetecesse, podia estar só distraído. O que ninguém poderia imaginar? Que passados quase 20 anos S&M continua a envelhecer bem. Que ganhou estatuto de marco, de prova para como soava o bom rock do século passado. Um momento de classe em gigantes desordeiros.