Os Blur foram ao Meo Kalorama celebrar o fim do seu verão enquanto os Yeah Yeah Yeahs mostraram que o Rock está bem e de boa saúde, num primeiro dia de calor e de habituação ao novo recinto .
O último dia do mês de agosto é para muita gente sinónimo de despedidas e de finais. O fim das férias, o fim do verão, o fim dos dias despreocupados e o regresso ao trabalho. Foi bom e para o ano há mais. Mas este ano, tal como já tinha sucedido no ano passado, não foi bem assim. O Meo Kalorama, festival jovem, mas já a consolidar a sua reputação de paragem obrigatória para qualquer melómano que se preze (um novo NOS Alive talvez?) veio dar um novo significado ao fim de agosto, esse mês que se quer infinito. Pode ser o fim do verão, mas ainda temos pela frente três dias de música (e boa música!), festa e despreocupação, antes de voltar à realidade.
Parque Life de fim de verão
Quem estava também no espírito de celebração do fim do verão eram Damon Albarn e os Blur. Este é o nosso último concerto do verão e este sítio é maravilhoso – disse-nos um Damon bem-disposto depois de “Beetlebum”. À semelhança do que já se tinha passado no Primavera Sound no Porto em junho, os Blur vieram com vontade de mostrar o fresquinho The Ballad of Darren mas também de gozar um pouco do estatuto de banda veterana e bem querida do público que também se pode divertir.
A setlist foi de hits, como não podia deixar de ser. “St Charles Square”, do novo disco, abriu as hostilidades, mas não demorou muito até “Popscene” se ler no ecrã gigante, para contentamento dos fãs devotos que cedo rumaram ao palco Meo para garantir um bom lugar. Damon ia dizendo que estava muito feliz de estar ali connosco e partilhou até que andou a passear por santos e visitou o Museu da Marionete – “thank you for having a museum like that” – Damon é uma alma gentil. Seguiram-se “Goodbye Albert”, também nova, “Trimm Trab” e “Villa Rosie”, mas foi “Coffee and TV” que arrancou a primeira reação extática da plateia. Com um entusiasmo contagiante e saltando entre o palco e as grades da primeira fila, Damon dirigiu o público que o acompanhava no refrão e continuou a entoar “we can start over again” mesmo depois da canção terminar. Sem perder o balanço, os Blur lançaram-se de imediato em “Country House”, mas as atenções continuaram fixadas em Damon que cantou a maior parte da canção no meio do público, atirando cerveja e abanando os braços em resposta aos versos que a plateia lhe devolvia. Continuando a incrível sequência de clássicos, tivemos de seguida “Parklife”, que foi a explosão de energia que se esperava, e “To The End” para recuperar o folgo enquanto cantávamos abraçados. Satisfeito com a reação do público e, tanto quanto conseguimos perceber, com a atividade profissional que escolheu, Damon ia dizendo “This is extremely fun, we’re having extreme fun” ou “You make this so enjoyable”. Engraçado, estávamos a pensar exatamente no mesmo sobre vocês.
“Barbaric”, uma das melhores canções de The Ballad of Darren foi recebida com o merecido carinho, mas não demorámos a voltar aos clássicos. “Girls and Boys”, “Advert” e “Song 2” ajudaram a continuar a festa onde tudo saltava, público e banda. Dispensando o encore porque não há tempo para isso, para o final os Blur guardaram a belíssima “Tender”, “The Narcissist”, o single do novo disco que já sabe a clássico e “The Universal” com a qual se despediram do Kalorama num mar de luzes. Que bela forma de acabar o verão disseram-nos. Não podíamos concordar mais.

Pó e Riscos
Mas à tarde o calor ainda era muito e o concerto dos Blur ainda estava a algumas horas de distância. Perto da hora de início do concerto de José González os festivaleiros já presentes amontoavam-se nas poucas sombras disponíveis junto ao palco San Miguel. Pudemos desde logo reparar no mau estado do relvado do parque da Bela Vista e no pó que se começava já a levantar, poucas horas depois de o festival abrir portas – um negro augúrio para os restantes dias, numa altura em que a relva sintética é já prática comum em todos os festivais e já nos desabituamos deste fenómeno.
À hora combinada, José González subiu a palco acompanhado apenas pela sua guitarra acústica para tocar na integra o seu disco de estreia Veneer, que completa, este ano, 20 anos. “Heartbeats” e “Broken Arrows”, guardadas para a segunda metade do concerto, tiveram reações mais calorosas do público num espetáculo que, não tendo grandes variações de registo, acabou por ser perfeito para aquele palco àquela hora do dia. Tendo avisado mais do que uma vez que o disco era pequeno e que rapidamente ficaria sem material para tocar, José González encheu o tempo que lhe sobrou do seu set com covers – “Love Will Tear Us Appart” dos Joy Division, interpretada talvez com demasiado ritmo e demasiado sol para o conteúdo da canção, “Put Your Hand On Your Heart” de Kylie Minogue – um hit dos anos 80, disse-nos ele, e “Teardrop” dos Massive Attack fizeram as delícias dos fãs de indie que ali foram fazer o aquecimento para o resto do dia.

Findo o primeiro concerto era altura de descer ao palco Meo para ouvir Amyl and The Sniffers, banda australiana que veio mostrar que ainda é possível fazer rock como se fazia nos anos 70. Pelo caminho, foi irresistível parar num dos muitos e espaçosos bares que a San Miguel instalou pelo recinto e pedir qualquer coisa fresca para enfrentar o calor, mas a cerveja não soube tão bem como estávamos à espera. É de lamentar que um festival que tem a sustentabilidade como principal bandeira tenha decidido abandonar os formatos clássicos de bebida (25cL e 50cL) vendendo apenas um tamanho (40cL) e obrigando o público a comprar eco-copos novos em vez de reutilizar aqueles que os mais precavidos traziam na mala do ano passado. Esperemos que a moda não cole.
Amyl and The Sniffers parecem Gen Zs saídos do guarda-roupa da Vivienne Westwood ou de um filme do John Waters. Ainda estávamos longe do palco Meo e já era fácil perceber a energia em bruto que emanava daquele concerto. Com uma muito respeitável plateia de fãs dedicados nas primeiras filas a fazer moche e acompanhar Amy Taylor nas letras, conseguiram também agarrar muitos curiosos que se deixaram ficar pelo entusiasmo da banda ou simplesmente pela atitude desbragada e rock and roll da vocalista. “Security” e “Hertz” do seu já terceiro álbum Confort To Me foram algumas das canções que despoletaram um saudável moche de fim de tarde. Uma excelente prestação da banda de Melbourne que veio mais uma vez calar os rumores de que o rock está morto e também derrubar estereótipos sobre a forma como uma frontwoman se deve comportar em palco. Continuaremos a prestar atenção a estes jovens.

M83 arrastou uma grande plateia para o palco San Miguel e parecem ter feito uma bonita festa, com hits como “Midnight City”, “Solitude” ou “Noise” a porem eficazmente o público a dançar. Dizemos parece porque foi uma tarefa complicada a de conseguir entrar na plateia que precavidamente deixou o palco Meo mais cedo para garantir um bom lugar. Ficámos com a ideia de que não só a localização do palco San Miguel não é ideal, tendo partes em que o terreno inclinado corta completamente a visibilidade a quem está mais atrás (problema que, no ano passado, o extinto palco Colina já tinha, e que parece não ter sido resolvido com a mudança de lugar), mas também que este novo sítio tem demasiados stands demasiado próximos e um bar que rouba espaço à plateia, fazendo com que o palco não consiga comportar multidões correspondentes à dimensão das bandas que lá vão tocar. Esta dificuldade de encontrar um bom lugar para M83 levou-nos a ir espreitar Rita Vian ao palco Samsung, mais pequeno e reservado a nomes mais fora do radar. No seu registo normal a caminhar pelo palco sozinha enquanto canta por cima de beats, Rita Vian mostrou canções do disco novo que ainda há de sair, numa bonita atuação que só falhou pela poluição sonora que chegava do palco San Miguel, mesmo ao lado, e que o som do concerto de Rita não tinha pujança para abafar.

O furacão Karen
Os Yeah Yeah Yeahs eram dos nomes mais aguardados neste primeiro dia de Kalorama e Karen O parecia sabê-lo. Os Yeah Yeah Yeahs não tocam em lisboa desde 2006 – disse-nos – é demasiado tempo! É mesmo (para muitos era a primeira vez que viam a icónica banda do boom do Indie nova iorquino ao vivo). Com um fato cheio de brilhantes, algures entre a alta-costura e o glam rock mais piroso, completo com uma capa e uns óculos da neve, Karen O foi senhora daquele palco desde o primeiro momento em que o pisou, num furacão rock de insanidade e de pujança de quem já tem muitos anos disto. Também com um disco novo na manga, os Yeah Yeah Yeahs abriram com o excelente single “Spitting Off the Edge of the World” e a reação do público foi imediata, metade entusiasmados com a presença daquelas já lendas vivas ainda em tão boa forma, metade ainda em choque com aquela figura que estava ali para deitar abaixo todos os estereótipos relacionados com género, idade ou escolhas estéticas. O concerto conseguiu um bom equilíbrio entre canções do novo Cool It Down e dos três primeiros discos da banda. “Zero” e “Soft Shock” de It’s Blitz! tocadas de seguida foram o primeiro ponto alto do concerto com o público devoto a acompanhar nos refrões. “There’s love in Lisbon tonight, there’s love in this crowd tonight” – disse-nos Karen O enquanto a tarde quente dava lugar a um bonito por do sol que rapidamente se fez noite.
De facto, o ambiente estava perto de perfeito, com toda a gente ali vidrada naquela vocalista incansável e nos seus movimentos hipnotizantes. Parecia que mesmo quem não era fã devoto banda de Nick Zinner e Brian Chase (de preto e discretos em comparação com a colega) era à mesma absorvido pela festa ali criada e dava por si a pular mesmo sem saber a letra. Foi esse o poder do furacão Karen. Já perto do fim, o ecrã gigante foi ocupado com uma colagem dos três Yeah Yeah Yeahs novinhos. Este foi o sinal para outra estrondosa sequência de canções: “Y Control”, “Maps” e “Heads Will Roll” foram o pináculo de um concerto cheio de saudades de um lado e de outro. Terminaram com “Date With The Night” que teve direito a um respeitável moche nas filas da frente. No fim Karen O perdeu alguns minutos a atirar o microfone ao chão várias vezes – querem rock? Tomem lá. Depois de o ter enfiado nas calças e ter exibido orgulhosamente o volume, como uma adolescente marota, Karen O conseguiu por fim separar o microfone do cabo e ir oferecê-lo aos fãs que estavam na primeira fila. Sem dúvida um dos grandes concertos do festival.

Da dança apertada dos Metronomy ao moche de Prodigy
Já se sabe que num festival desta dimensão, ainda por cima com quatro palcos, é difícil parar um momento para digerir o que se viu sem correr o risco de estar a perder qualquer coisa. Concertos seguidos e sobreposições são o pão nosso de cada dia e, nestes casos, normalmente quem vê os concertos até ao fim sai prejudicado. Os concertos de Metronomy e de Shame foram um bom exemplo disso.
Mesmo tendo corrido da plateia do palco Meo para o palco San Miguel onde já começava o concerto de Metronomy, mais uma vez deparámo-nos com o problema de falta de espaço deste outro palco. Os Metronomy são uma banda muito querida do público português e é notório que o público português também é muito querido dos Metronomy, pelo que não é de estranhar a enorme multidão que se juntou para ouvir clássicos como “The Bay”, “Corine”, “Reservoir” ou “My Way”. Sempre altamente competentes, a banda de Anna Prior percorreu a sua já grande discografia, desde o mais recente Small World ao já clássico The English Riviera e deram um bonito concerto que apenas lamentamos não ter conseguido aproveitar como gostaríamos dado os apertos e a plateia a rebentar pelas costuras.

Os Shame eram um dos nomes por que mais ansiávamos no Kalorama e foi com grande tristeza que percebemos que o seu concerto se sobrepunha ao fim do concerto dos Blur. Também com um excelente disco lançado este ano, Food For Worms, a hora tardia e o palco mais pequeno afiguravam-se o ambiente perfeito para ver a explosiva banda inglesa, mas escolhas tiveram de ser feitas e acabámos por só chegar a tempo de duas canções. Apesar de a plateia estar injustamente vazia (muita gente terá preferido ir ver The Blaze no palco ao lado), Charlie Steen e companhia pareciam estar a dar tudo de si, tendo acabado o concerto com “Snowday”, do segundo disco Drunk Tank Pink, e “Gold Hole”, do muito aclamado álbum de estreia Songs for Praise. Foi engraçado ver um Charlie Steen, que parece raivoso quando canta as canções de Shame, tentar falar português e dar instruções aos fãs nas primeiras filas para ele conseguir um crowd surf no momento certo (“espera, espera”). Apesar de pouco concorrido e do pouco tempo a que tivemos direito, deu para perceber que um concerto de Shame é suado e energético, ilustrando na perfeição o ditado “poucos, mas bons”.

Para quem se aguentou até ao fim, os Prodigy não desiludiram. Se os Blur trouxeram a lembrança dos anos 90 e a sua Britpop, os igualmente ingleses Prodigy trouxeram os seus tempos de rave, mesclados com rock mais agressivo e fizeram do palco principal uma trincheira, onde os mais corajosos puderam soltar todas as suas amarguras e dançar livremente, levantando uma onda de pó, não vista já há muito em festivais. Ver Prodigy sem Keith Flint é quase como ver os Doors sem Jim Morrison, no entanto, Liam Howlett e Maxim, não deixaram que isso os afectasse e deram-nos um belo concerto, apenas uma semana depois de terem actuado em Vilar e Mouros, onde não faltaram os clássicos de Experience (“Everybody in Space e “Outer Space”), Music for The Jilted Generation (“Poison”, “Their Law” e “Voodoo People”) e Fat of The Land (“Breathe”, “Firestarter” – esta com tributo laser a Flynt” e, claro está “Smack My Bitch Up”). Também houve tempo para umas canções mais actuais como “Take My To The Hospital” ou “Invaders Must Die”. Nos dias de hoje parece quase improvável mas, nos anos 90, os Prodigy tiveram um peso forte na música, começando pela cultura rave, passando pelo rock no seu fortíssimo Fat of The Land. Hoje em dia já não são urgentes mas, mesmo sem a figuraça de Flint continuam a dar concertos honestos e de grande pujança.

Acabou assim o primeiro dia de Meo Kalorama, um dia de habituação ao novo recinto e ao novo funcionamento de um festival que ainda não saiu da sua fase de experimentação e tentativa e erro, mas também um dia de extraordinários concertos. A esta hora as portas já abriram para o segundo dia e a agenda é igualmente entusiasmante com Florence + The Machine, Belle and Sebastian e Aphex Twin no menu e, esperamos nós, menos calor e menos pó.
Fotografias cedidas pela organização.