O fim de festa foi tremendo! Grandes e inesquecíveis concertos! Sol e alegria no último dia do festival. Blur, Sparks e Julia Holter foram as cerejas primaveris mais saborosas.
Dia de fecho do Primavera Sound 2023. Dia de virar mais uma página, a quarta, aqui no Altamont. A reportagem da décima edição foi longa, mas valeu a pena. Entre a chuva dos primeiros dias e o sol do último, muitos artistas nos passaram pelas lentes e pelo olhos da Inês Silva e pelas palavras de quem assina este texto. A música salva sempre, mesmo que reduzida a imagens e palavras.

Quinze minutos de atraso num festival é bastante tempo, mas foi isso que aconteceu com uma das bandas mais interessantes do dia. Isto sem ter em linha de conta os consagrados, claro. Falamos dos Yard Act, essa banda onde se fala e canta com uma enorme energia. Primeira vez em Portugal para os ingleses. Abriram com “Dead Horse” e o tom ficou imediatamente dado. Ia ser para pular. O exemplo, aliás, vinha do próprio palco. São todos irrequietos, mas James Smith é quem lidera os restantes. Ruidosos (acho que se ouvia em Leeds) e com apurado sentido de humor, o concerto compensou a espera ao sol (havia já quem dissesse que uns chuviscos na cabeça seriam aconselháveis). Com apenas um ep e um álbum na bagagem, foi mesmo bom ouvir temas como “Land of the Blind” e o seu “ba ba ba, ba-ba-baow” de início, a meio e no fim da canção. “The Trenchcoat Museum” foi uma surpresa, uma vez que é nova, a canção. Cheia de ruídos pelo meio, com um baixo poderoso (daqueles que se nota o coice nos rins), a canção é longa e com grandes momentos instrumentais, sempre em busca de um certo (e maravilhoso) caos. Bom início de tarde, com “Super Bocks on the air, please”, como dizia James Smith entre canções. Inglês que é ingles não larga a cerveja nem a perde de vista!
Depois de um merecido pequeno descanso (pós agitação yard actiana), lá fomos nós à procura dos camaleónicos irmãos Mael. Não estavam assim tão longe, e foram fáceis de encontrar.

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So May We Start? Claro que sim! Com precisão britânica, os Sparks começaram a abrir e não mais pararam. O recente The Girl Is Crying In Her Latte explodiu, entornando litros de energia sobre o público. Russell explicou, a propósito do café que havia tomado no dia anterior, que é melhor do que o latte da canção, por isso resolveu modificar essa palavra por pingo. Gargalhada geral e logo a seguir atacaram com a velhinha e duradoura “Angst in My Pants” e “Nothing is as Good as They Say it Is”, do novo álbum. Depois, “Balls”. E íamos apenas com cerca de vinte minutos de gozo e prazer. Impagável e teatral (com Ron Mael a cantar) foi “Shopping Mall of Love”. O seráfico e icónico irmão Ron deu show de inexpressão. Único, de facto, uma personagem fugida do Museu de Madame Tussaud mais próximo, aterrando no palco Porto para uma hora de autêntico delírio de ritmo, palavras e som. Do novo álbum, mais uma fortíssima canção, “We Go Dancing”, e logo depois “Bon Voyage”, do muito oldie Propaganda. Que surpresa! “The Number One Song In Heaven” também apareceu nos ares do recinto, assim como “Music That We Can Dance To”. Ou a icónica “This Town Ain’t Big Enough For Both of Us”. Depois, quase no fim, a inevitável “All That”, hino de absoluta perfeição. Faltou (falha muito grave) “My Baby’s Taking Me Home “, tão perfeita e redonda que poderia não ter fim, perpetuar-se e brilhar para sempre num qualquer cantinho escuro das nossas cabeças. Para nos iluminar nos momentos menos bons.

(Umas breves linhas para esse ser cintilante chamado Julia Holter. A timidez da sua música combina muito com a sua própria timidez. Assim, se repararmos nesse quase excesso de acanhamento, ficamos mais próximos dela e daquilo que tão bem faz. Mais íntimos. Estas linhas, como se vê, são também tímidas. Até estão entre parêntesis. Como se reservassem um lugar, que ontem foi apenas nosso).

Seguiram-se os veteranos (ontem foi dia de uns quantos) New Order. Com história e pré-história de respeito, a mítica banda inglesa terá sido das primeiras a perceber a vantagem de usar com critério e gosto as guitarras e as teclas, sobretudo num tempo em que ambos os instrumentos não eram bem vistos, quando juntos e de braços dados. Mais um ensinamento para a história, pois. Todos já sabemos há muito o que esperar de um concerto dos New Order, e isso foi exatamente o que aconteceu: uma ampla sala de dança rigorosamente esgotada, um oceano de gente sedenta (sim, também de copos na mão) para ouvir clássicos como “Bizarre Love Triangle”, “Blue Monday”, Temptation”, “True Faith”, “Blue Monday” e “Love Will Tear Us Apart”. Batidas sempre fortíssimas, cenários de luzes em constante mutação, um sentimento de que a música pode tornar-nos eternos naqueles momentos de excitação new orderiana. “Plastic” foi outro dos momentos de destaque. Aquele ritmo galopante é imparável. Como imparáveis foram esses históricos de nome New Order, até ao momento em que o som estoirou. Shit happens, como se sabe. Dez minutos depois, tudo recomeçou onde tinha parado, em “True Faith”. E parou logo a seguir, ainda no mesmo clássico tema. Shit happens more than once, como se percebeu. Muitas pessoas foram saindo, rumo ao Palco Porto. Os temas mais desejados ainda foram tocados, mas aqueles dois apagões deixaram marcas.

E pronto, o ponto final estava quase a acontecer. Os Blur começaram com algum atraso devido ao concerto anterior. Os míticos rapazes da terra de Sua Majestade entraram a mostrar quem são. Ao segundo tema, o primeiro clímax com “There’s No Other Way”. A partir daí, foi um desfilar de temas que o mundo conhece desde sempre, embora intercalando com alguns do disco que vem a caminho. Dos conhecido, dos históricos da história da britpop, seguiram-se “Popscene” (adoramos a ironia do tema), “Beetlebum” (bem mais longo e instrumental do que o original), mas também “Coffee & TV”, tema eternamente fresco e cativante. A idade passou pelos membros dos Blur. Afinal, os deuses também envelhecem. No entanto, o som dos tempos da juventude permanecem prontos a usar e abusar. Parecem feitas ontem, certas canções dos Blur. Incrível como soam perfeitos nos dias de hoje. Outra coisa não se espera de clássicos. E depois, de rajada, outros dois que pertencem ao Olimpo humano, “End of a Century” e a contagiante “Parklife”. Até tivemos direito à antiquíssima “Sing”, do álbum de estreia da banda. Mas o desfile continuava com a maravilhosa e nostálgica “To The End”. Com “Girls and Boys” parecia per começado uma revolução. Assim como em “Song 2”. A terra tremeu? Julgamos que sim. Os temas finais foram igualmente explosivos, mas mais no sentido melancólico, de fim de festa: “Tender”, “The Narcissist” e “The Universal”, que deveriam ambas ser ensinadas nas escolas. Que magnífico concerto! Que impressionante aproximação de almas! Que bom que é ver um concerto dos Blur! Quanto a “The Universal”, é canção para um fim perfeito! E foi isso que aconteceu.
Contas feitas, o saldo foi claramente positivo. A décima edição do Primavera Sound chegou ao fim. Posto isto, “It looks like we’ve made it till the end”, don’t we?