Os Blur estão de regresso e ninguém estava à espera da sua visita. Talvez por isso, mas certamente por muito mais, The Ballad of Darren é muito bem-vindo!
É difícil envelhecer. A ideia de ir caminhando em direção ao fim não é fácil de aceitar, por muito que esse derradeiro momento ainda demore. As coisas vão mudando, aos poucos, sobretudo a convicção de que a imortalidade já nos pertenceu, por direito próprio. Vamos perdendo alguma garra e olhar para o futuro da vida começa a ganhar contornos mais outonais. Não há Peter Pan que resista à passagem dos dias, por muito que queiramos contrariar as cruas leis da existência. Há, no entanto, quem saiba fazê-lo com estilo, não perdendo por completo certas características como a elegância, a classe, o requinte. É nessa comodidade que tudo se joga. É nessa nova forma de bem estar que tudo passa a ter assento. The Ballad of Darren é a súmula de tudo isto. É o novo álbum de uma banda que percebeu o seu tempo e o seu percurso. É o disco de conforto dos Blur.
Os heróis não têm idade, mas vão envelhecendo. Os seus atributos, por princípio, serão sempre admiráveis e promotores de interesses vários. Os que julgavam possível que o tempo parasse em Leisure ou em Parklife, ou que a ele voltasse, terão agora de rever as suas posições. There’s no other way, é o que apetece dizer, lembrando a essência primordial dessa distante canção. Por isso, há um novo esboço, novos traços que redefinem o que antes se apresentava de outra forma no mais recente (e inesperado) trabalho da banda de Damon Albarn, Graham Coxon, Alex James e Dave Rowntree. A tonalidade cinzenta por cima do homem que nada no falso azul das águas da piscina da capa de The Ballad of Darren é a perfeita metáfora (líquida) do momento da mítica banda inglesa, assim como do seu triunfo. Os Blur seguem juntos na batalha da existência e sentem-se confortáveis com isso. Já não competem com ninguém (aquele que nada na fotografia de Martin Parr que serve de capa ao disco, nada sozinho) e dão-se ao supremo luxo de apenas fazerem aquilo que muito bem lhes apetece. Haverá vitória maior do que essa?
Como se percebe, The Ballad of Darren, mesmo que nunca o ouvíssemos, estaria destinado ao triunfo. Ouvindo-o, e dedicando-lhe a atenção merecida, o regozijo é óbvio. É o disco mais curto de toda a discografia da banda, o que poderá bem ser mais um sinal de maturidade. Just cut the crap and move on. Falemos, então, das canções de The Ballad of Darren. O álbum abre com “The Ballad”, bonita dedicatória ao amigo Darren Smoggy Evans, segurança particular da banda. O tema, na nossa opinião, está perto de ser dos melhores do disco, e entende-se o seu posicionamento como momento de abertura, desde logo pela homenagem implícita, mas também porque nele vamos encontrar momentos que, de alguma maneira, se vão espalhando pelos 36 minutos e 4 segundos de tempo que o nono álbum dos Blur tem. Uma certa ideia de melancolia percorre a canção (e o disco) e os versos “Up close / I fell in love with you (I met you an early show) / You fall / I’ll fall along with you (we travelled ‘round the world together)” são uma extraordinária forma de agradecimento ao companheiro de longa data, e não há amor como aquele que é cerzido pela amizade. Mas por falar em versos bonitos, é difícil bater estes, também da mesma canção: “Oh, can’t you see when the ballad comes for you / It comes like me?” “St. Charles Square”, a segunda faixa, é aquela que mais faz lembrar os tempos “whoo-hoo” da banda, muito por via da guitarra abrasiva de Coxon. É, claramente, uma piscadela ao passado, janela por onde ainda entra um certo ar de juventude, embora filtrada pela consciência de outra idade. Nesse sentido, parece estar algo distante das outras nove, mas é uma bela malha, talvez por isso. Caberia melhor no homónimo de 1997 ou ainda mais no 13, lançado dois anos depois. “Barbaric” é linda de morrer e os floreados de Coxon são superlativos, como quase sempre. Uma canção pop deveria ser assim, que apetecesse trautear, sem nunca perder a elegância. “Russian Strings” é mais Albarn a solo do que Blur (um pouco à maneira de The Nearer the Fountain, More Pure the Stream Flows), e de “The Everglades (For Leonard)” também. Essa canção terá sido composta em Montreal, onde da janela do quarto de Albarn se avistava um mural dedicado a Leonard Cohen, daí a homenagem (mais uma) que o tema encerra. “The Narcissist”, com o seu ligeiro toque motorika, é brilhante, e claramente a mais orelhuda de todo o álbum, daí ter sido o primeiro single de The Ballad of Darren, abrindo o lado B do vinil. (Já agora, talvez um bocadinho off topic, mas aqueles segundos finais de “The Narcissist” não vos lembram os segundos iniciais de “Enola Gay”, dos O.M.D.?)
Avancemos para as simpáticas “Goodbye Alert” e “Far Away Island”, sendo que a última poderá vir a ser vista e entendida como a primeira valsa moderna dos Blur. Estamos, assim, a chegar ao fim de The Ballad of Darren. “Avalon” parece-nos o elo mais fraco dos 10 temas, mas vai-se aguentado razoavelmente bem até ao derradeiro “The Heights”, e sobre este tema em particular, há que referir várias coisas, desde logo a mais óbvia: é uma bela maneira de terminar o álbum! Outra é o verso “Are we running out of time?”, que parece tudo menos inocente. Mas há mais. “The Heights” também merece atenção pelo facto de ser forte, poderosa (embora aparentemente não pareça) e pelos instantes finais, os que ocupam os últimos 40 segundos, mais coisa menos coisa. Eles são o avesso de uma espécie de final épico, são o corte abrupto, o ruído branco e a neblina, o cenário sonoro que de novo remete para a capa do disco. Perfeito!
Por fim, porque o texto vai mais longo do que o inicialmente esperado, uma nota para a voz de Damon Albarn. Ela vai revelando oscilações de tom e isso ajuda a conferir ao álbum a dose certa de sentimento que as canções exigem. Perguntar-me-ão: mas não é suposto ser assim? É, mas aqui isso revela algo que nunca se ouviu nos discos dos Blur. Essa novidade, se assim quisermos, pode ser entendida como uma forma jovial de maturidade, que finalmente se entranhou na banda inglesa.
A palavra cunhada por (Sir) Thomas More – estado de perfeição ou idealismo que é difícil ou impossível de alcançar na realidade – parece-me um estado de alma das bandas que nos brindaram com melodias, acordes e liras que associam-nas a uma poética que me deixa atónito. Assim vislumbro Blur, quase trinta anos depois de “The Great Escape”, brinda-nos com “The Ballad of Darren”. Esperei pelo Concerto desta semana em Lisboa, para deixar aqui o meu desabafo: a sua interpretação do álbum traz um sentimento doce e terno, embora melancólico. Apanágio dos melómanos.
Olá, Juliana. Obrigado pelo seu feedback. E eu que julgava que seria a único a reparar naqueles segundos à O.M.D.! Bom ouvido.
Olá! Só passando por aqui para dizer que curti sua resenha do novo Blur, e que eu cheguei aqui procurando especificamente por alguém que tivesse notado a semelhança entre o início de “Enola Gay” e o final de “The Narcissist”, porque foi a primeira coisa que me veio à mente quando escutei a música!
Olá! Só passando por aqui para dizer que curti sua resenha do novo Blur, e também que eu cheguei aq