O nome do festival não engana! As ondas de choque de um alinhamento sónico, tão variado quanto intenso, ainda se fazem (e farão sentir) nas nossas mentes melómanas…pelo menos, até ao Sonic Blast 2024!
10 de Agosto
Depois do warm up da noite anterior, a cargo de Plastic Woods, Ruff Majik, Scatterbrainiac e Nagasaki Sunrise (o verdadeiro pontapé-de-saída da edição deste ano do ‘SonicBlast’, tendo em conta a quantidade de público presente e as doses de cerveja servidas), o dia 10 de Agosto acordou ao som de Desert Smoke, banda sobre a qual recaiu a responsabilidade de abrir as hostilidades do primeiro dia (efetivo) do festival. E a tarefa não poderia ter ficado em melhores mãos: com dois registos editados, até à data (o último dos quais em Dezembro de 2019), os lisboetas deram o mote para a festa que se seguiria nos dias seguintes, fazendo jus ao espírito de um evento que já conta 12 anos de existência.
De Desert Smoke, avançámos para um deserto com outras tonalidades e aromas musicais: Etran de L’Äir, formação originária da região do Sahel, no Níger. Depois de, há um ano, o guitarrista Mdou Montar ter sido muito bem recebido pelo público, a organização voltou a apostar na fórmula tuareg, desta vez, em dose tripla (um artista por dia).
Seguir-se-ia Mythic Sunship (por troca com Death Valley Girls, devido a problemas com voos): a banda de Copenhaga ofereceu-nos riffs pesados, temperados com melodias spacy e psicadélicas, sempre na dose certa. Infelizmente, a troca de slot fez com que muita gente não pudesse assistir à atuação dos dinamarqueses…
Por volta das 17h20, o primeiro grande momento stoner do dia, digamos assim. Foi a segunda vez que os Sasquatch pisaram o palco do ‘SonicBlast’ (a primeira fora em 2017), voltando a justificar a presença: atuação intensa e irrepreensível, perante um público numeroso e ávido destas texturas desert/stoner rock que sempre caracterizaram o festival. A banda deve o seu nome a uma poderosa figura mitológica (que habitaria territórios norte-americanos) e soube honrar esse legado.
Uma das imagens de marca a que este festival nos vai habituando é a alternância de sonoridades. Peso e melancolia. Transpirar e, de seguida, respirar. Ao poder dos californianos Sasquatch, seguir-se-iam os britânicos Crippled Black Phoenix e o seu dark rock. Um momento muito aguardado, avaliando pela quantidade de pessoas que se aglomeravam junto ao Main Stage 1.
A montanha-russa de emoções e de estilos musicais continuou, com a subida ao palco dos SPY, formação oriunda da Bay Area! Uma estalada de hardcore que não deixou ninguém indiferente, mesmo antes da entrada de uma das bandas mais aguardadas deste primeiro dia: Acid King.
Numa altura em que celebra 30 anos de carreira e conta com um novo (e excelente!) registo de estúdio (Beyond Vision, editado em Março, através da ‘Blues Funeral Recordings’), o conjunto liderado por Lori S. não desiludiu. Pelo contrário: ao pôr-do-sol, num cenário idílico, descarregaram o seu stoner/doom com mestria, trazendo à tona as raízes do ‘SonicBlast’ e proporcionando um dos momentos altos da edição deste ano, num palco que haviam pisado pela primeira vez em 2017. Pedia-se um set mais alargado e, no final, soube a pouco…mas soube bem!
O início da noite trouxe-nos (finalmente) as Death Valley Girls. Ao contrário de Mythic Sunship, a banda californiana beneficiou com a troca de slots, atuando para um público mais alargado. Ao mesmo tempo, permitiu-nos recuperar o fôlego e acordar do transe em que nos colocaram os riffs pesados e arrastados de Acid King.
Seguiu-se Off!, supergrupo norte-americano liderado por Keith Morris (vocalista dos lendários Black Flag), que voltou a colocar o hardcore punk no centro do debate. Com as suas malhas curtas e intensas, a formação de Los Angeles incendiou as hostes e provou ser aposta ganha!
O ritmo voltou a baixar com a subida ao palco dos suecos Hällas: uma espécie de viagem no tempo, até aos anos 70, catalisada pelo progressive hard/blues rock da banda de Jönköping. O aperitivo perfeito para a performance dos germânicos Kadavar, um dos pratos fortes da edição deste ano do ‘SonicBlast’!
Também o conjunto de Berlim é fortemente influenciado pelo som que se fazia nos 70s, navegando entre as ondas hard, psych e stoner. Ao vivo, a banda soa mais pesada e acelerada que em estúdio, algo que, tendo em conta a reação do público, inebriado pelas notas que transpiravam dos instrumentos da formação alemã, resultou muito bem! Belo concerto, algo a que o público nacional já está habituado, tendo em conta a frequência com que os Kadavar nos têm visitado (incluindo as edições de 2013 e 2018 do ‘SonicBlast’).
A noite já ia longa, mas ainda haveria espaço para o noise/psych/doom dos Deathchant (cujo baixo se faria ouvir, certamente, para lá do Rio Minho) e para a proposta mais electrónica oferecida por Dame Area, duo catalão que encerrou este primeiro dia de festividades.
11 de Agosto
Depois de um primeiro dia fértil em momentos que ficarão para a história do evento, o segundo dia abriu ao som do psych/stoner rock dos Weedpecker, banda originária da cidade de Varsóvia. A Polónia vai marcando pontos no cenário musical europeu, não apenas no que toca a sonoridades mais extremas (Behemoth, Hate ou Batushka, por exemplo), mas também na onda stoner (seja nas vertentes mais doom, como Belzebong ou Dopelord, ou mais psych, como é o caso dos próprios Weedpecker).
Seguir-se-iam os californianos Monarch (mais uma proposta dentro do género psych/prog rock, com fortes influências dos 70s) e, mais ou menos dentro do mesmo estilo, os gregos Naxatras, eles que passaram pelo ‘Hard Club’ em Abril do ano passado e pela edição de 2018 do ‘SonicBlast’. Um início suave, digamos assim, para um dia que prometia fortes emoções e, quiçá, algum chuvisco.
A sequência seguinte terá sido uma das melhores, ao longo dos três dias de festividades, algo que se pôde comprovar pela reação do público.
De Amsterdão, na Holanda (ou Países Baixos, como se convencionou chamar, recentemente, ao pequeno território da Europa Central), chegaram-nos os Temple Fang: longas composições (autênticas jam sessions, carregadas de aromas psych e stoner), confirmando a excelente impressão que haviam deixado há um ano, quando atuaram no warm up da edição anterior.
Seguiram-se os suecos Greenleaf, side project de Tommi Holappa (guitarrista de Dozer, banda que atuaria no dia seguinte): uma mistura muito bem feita de stoner e hard rock, polvilhada com dose qb de indie, proporcionou um dos melhores concertos do festival!
A fechar esta trilogia de grandes gigs, Mondo Generator, projeto criado por Nick Oliveri, em 1997, e por onde passaram, ao longo dos anos, nomes como Josh Homme, Dave Grohl ou Brant Bjork, por exemplo. Durante o concerto, tivemos direito a stoner, punk e alternative rock, sem esquecer algumas das bandas que marcaram a carreira de Oliveri, nomeadamente Queens of the Stone Age e, sobretudo, Kyuss: “Green Machine”, malha retirada do álbum Blues for the Red Sun (editado em 1992), proporcionou um autêntico mosh pit, levantando uma nuvem de pó que terá sido avistada na região de Palm Desert. Um dos grandes momentos da edição deste ano do SonicBlast, sem dúvida!!
Depois da tempestade, a bonança. Altura para escutar Bombino, mais um guitarrista oriundo da região do Sahel, no Níger, que, como referimos, tem sido viveiro para pescar propostas mais dançantes e com o aroma quente daquela região africana.
Os decibéis voltaram a subir, perto das 22h, quando subiram ao palco do Main Stage 2 os Scowl, banda originária da cidade de Santa Cruz (na Califórnia, para não variar) e liderada pela carismática Kat Moss. Depois dos ritmos tuaregues, punk e hardcore…e a certeza de que o hype gerado em torno destes californianos não é injustificado.
A responsabilidade de tocar no horário nobre coube a Thurston Moore, fundador dos Sonic Youth (juntamente com Kim Gordon e Lee Ranaldo) e considerado pela ‘Rolling Stone’ como um dos 100 melhores guitarristas da história. Mais uma vez, tivemos um autêntico twist musical, enveredando, agora, por caminhos mais alternativos, ora noise, ora (post) punk.
Seguir-se-iam os Frankie and the Witch Fingers, formação com raízes no estado norte-americano do Indiana que descarregou a dose ideal de indie, noise e post punk, preparando-nos para o que se seguiria…
Objetivamente, já cruzáramos a fronteira entre os dias 11 e 12 (passava das 0h30) quando Elder entrou em cena. Junto à foz do Âncora, sob chuva miudinha, a banda originária da pequena cidade de Fairhaven (Massachussets) proporcionou um dos melhores momentos da história do festival (e já se viveram muitos!).. Esta foi a segunda passagem dos norte-americanos pelo palco do ‘SonicBlast’ (a anterior fora em 2017) e há poucos meses atuaram no ‘Amplifest’, no Porto, mas, da mão cheia de (excelentes) concertos que deram em território nacional, este foi, sem dúvida, o mais sublime!
Depois disto, a tarefa de qualquer banda seria complicada, mas a verdade é que o segundo dia terminaria em grande, cortesia dos portugueses Black Bombaim e dos gregos Acid Mammoth: a banda de Barcelos embarcou numa autêntica jam session e pareceu tocar apenas uma música, ao longo de 40 minutos, ao passo que o conjunto oriundo de Atenas encerrou as festividades com uma grande atuação no Stage 3, junto ao qual se aglomerava, ainda, uma imensa mole humana (que terá dado o seu tempo como muito bem empregue, apesar da noite já ir longa)…
12 de Agosto
No terceiro dia do ‘SonicBlast’, a nossa viagem musical começou em Oslo, na Noruega, cidade de onde são originários os Kanaan. O trio navegou por entre as ondas psych, space e fuzz, e apenas se pode lamentar o facto de terem tocado tão cedo (14h), o que fez com que muita gente perdesse a atuação dos escandinavos. O mesmo se poderá dizer da banda que abriu o Main Stage 1, pouco antes das 15h, altura em que, porventura, as areias da Praia da Duna dos Caldeirões seriam mais apelativas. Ainda assim, a moldura humana era já considerável, quando os italianos The Black Rainbows subiram ao palco, com o seu fuzz/psych/stoner rock no bornal.
O ato seguinte chegar-nos-ia de Long Beach (California), local onde nasceram os Spirit Mother. O conjunto norte-americano aqueceu as hostes para os seus compatriotas Earthless, uma das bandas mais aguardadas do dia, justificadamente! Esta foi a terceira vez que a formação de San Diego subiu ao palco do ‘SonicBlast’ e a fórmula mantém-se: riffs psicadélicos, solos (quase) intermináveis e a sensação de que estamos a assistir a um ensaio, tal a descontração (e a diversão) com que as notas saem da guitarra de Isaiah Mitchell!
Ainda que tivéssemos entrado em transe com a brilhante jam session apresentada pelos Earthless, rapidamente fomos obrigados a acordar: os nova-iorquinos A Place to Bury Strangers ofereceram-nos caos absoluto, numa performance que incluiu a banda a tocar no meio da plateia! Estava dado o mote para a entrada em cena de Mike Williams, Jimmy Bower e os seus Eyehategod (também eles repetentes, no que toca ao ‘SonicBlast’)…
O conjunto de New Orleans (Louisiana) conta já com 35 anos de carreira, mas continua cheio de vigor, talvez porque o peso da idade seja descarregado (com toda a força!) através dos seus instrumentos e da voz de Williams. Performance demolidora!
Depois da descarga de adrenalina, era tempo de respirar um pouco e baixar o ritmo cardíaco, algo que os argelinos Imarhan fizeram com mestria. Ao terceiro dia de festival, a proposta tuareg surgiu sob a forma de desert blues, uma fusão das sonoridades características do Norte de África com rock e blues.
Baterias recarregadas, tempo de enfrentar a reta final…
The Black Angels era um dos nomes mais sonantes do cartaz e isso era visível a olho nu, tendo em conta o mar de gente que se juntou para ouvir o seu (moderno) rock psicadélico, muito bem acompanhado por uma componente visual que se encaixou, de forma perfeita, com a vertente musical! Porém, apesar do excelente concerto dado pelos texanos, o grande momento do dia terá ocorrido logo de seguida…
A noite já ia alta é certo, mais foi do País do Sol Nascente que surgiu a banda que mais incendiou a plateia (apesar do frio que se fazia sentir): Church of Misery!
Os japoneses, mestres do stoner/doom metal, proporcionaram-nos um grande espetáculo, cheio de riffs poderosos, mostrando porque é que o álbum que lançaram em Janeiro (Born Under a Mad Sign) é já considerado um dos melhores do ano. Atuação memorável, mas as surpresas não haviam acabado…
Perto da meia-noite, entraram em cena os suecos Dozer, também eles responsáveis por um excelente concerto (de stoner rock), ao qual não faltaria a presença do vocalista de Greenleaf, side project do guitarrista Tommi Holappa que atuara no primeiro dia do festival. Depois, outro grande momento: Lunavieja…
A formação originária de Málaga inspira-se na cultura e folclore espanhóis para criar uma espécie de ritual, em que os protagonistas são os próprios integrantes da banda. Na audiência, muitos hermanos vibravam, mas não só: a performance dos andaluzes cativou inúmeros curiosos e ouviu-se doom (bem pesado) pela madrugada dentro, entrecortado por momentos mais soturnos e melancólicos.
A fechar a noite, os (também) espanhóis El Altar del Holocausto e os norte-americanos Love Gang entretiveram os muitos festivaleiros que tentavam aproveitar os últimos momentos da edição deste ano do ‘SonicBlast’, antes de se despedirem.
Em 2024, haverá mais!
Texto: João Barroso (co-autor podcast Demon Cleaners) || Fotografias: Rui Gato