Ed Rocha Gonçalves e Catarina Salinas apresentam um terceiro álbum dos Best Youth com a marca principal da banda: paisagens musicais oníricas e harmoniosas.
Podem os trabalhos discográficos que aparecem à luz do dia em 2024 continuar marcados pelo período conturbado da pandemia? Claro que sim e Everywhen, o terceiro álbum dos portugueses Best Youth, é um evidente exemplo disso mesmo, conforme a dupla que forma a banda tem explicado em diferentes entrevistas desde janeiro, momento em que o disco ficou disponível para o público. Por exemplo, “Never Belong”, uma música apresentada em 2020 como presença assegurada para um álbum a lançar no ano seguinte, nem entra neste Everywhen.
Trabalhado na maior parte à distância, devido às limitações impostas por confinamentos e outras restrições pandémicas, o disco foi construído segundo uma lógica em que deixava de ter colaborações ao contrário do que se encontra logo no começo do historial da banda: “There Must Be a Place” e “In the Shade” foram, respetivamente, resultado de atividade conjunta com André Tentugal (We Trust) e Luís Clara Gomes (Moullinex). Tudo isto antes ainda do álbum de estreia, Highway Moon, datado de 2015, e do segundo, Cherry Domino (2018).
Ed Rocha Gonçalves (que cuida da guitarra e da produção relativa a diferentes instrumentos, recorrendo a drum machines e sintetizadores sequenciados), e Catarina Salinas (voz) não se afastam das habituais paisagens musicais indie e dream pop, construindo canções que estabelecem pontes com o EP inicial, Winterlies, de 2011, do qual saiu o primeiro sucesso do grupo, o orelhudo “Hang Out”. O disco começa em tom festivo com “Out of Time”, título que lembra o homónimo sétimo álbum de estúdio lançado em 1991 pelos REM (também com 11 temas, conforme acontece com Everywhen).
“Rumba Nera” mantém os ritmos e, como Ed Rocha contou à Time Out, inclui uma linha de cravo cuja inspiração direta é nem mais, nem menos do que as muito celebradas “Variações de Goldberg”, de Johann Sebastian Bach. “Change Your Life” é uma boa passagem para “Cool Kids”, que tem rodado nas rádios como segundo tema extraído do álbum, após “Back with a Bang”, espécie de duelo amoroso encenado pela dupla que compõe os Best Youth. Há também “Eternal Love” e “Everywhen”, a canção que dá nome ao disco, antes de “Running to You”, uma balada romântica que lembra, salvaguardadas as devidas distâncias, processos musicais usados pelos Bee Gees na década de 70.
Há um ambiente onírico disseminado por todo o álbum, marcado pelos tons vocais de Catarina Salinas, por vezes próxima de Nina Persson, dos suecos The Cardigans, mas também pela música: uma conjugação de fatores que, em determinados momentos, parece remeter-nos para o universo de “Blade Runner”, realizado por Ridley Scott em 1982. Pura ilusão – não é “tempo de morrer”, como no famoso monólogo do replicant Roy Batty, personagem interpretada por Rutger Hauer (e autor do texto), numa das derradeiras cenas desse clássico de ficção científica, que se dilui em “Tears in Rain”, de Vangelis, até este preencher tudo. Aqui o tempo é de viver e de celebrar as propostas musicais do grupo.
“Into the Blue” e “Last Page” correm a cortina sobre o trabalho da dupla portuense, encerrado com a mais pequena música (pouco mais de minuto e meio de duração) de um álbum com cerca de 36 minutos, entre os quais muitos momentos dançáveis.
A dado passo de uma entrevista à Time Out, Ed Rocha Gonçalves e Catarina Salinas admitiram que, em parte, a demora na concretização deste trabalho fez do disco “um sítio em que o tempo parava” para que pudessem organizar as ideias. A verdade é que Everywhen faz-nos sonhar, no sentido mais contemplativo e romântico do verbo. E sem revelar preocupações com o estabelecimento de uma rigorosa linha temporal que nos encaminhe ao longo das canções. É por isso que tanto nos aproximamos dos dias de hoje como recuamos sem limites ou parecemos projetar um futuro. Desconhecido, como é próprio desse tempo nos seus diferentes modos.