Se a nobreza da música popular brasileira sempre teve um Rei, então também teria de ter um Príncipe. E teve, desde os tempos da Jovem Guarda, de seu nome Ronnie Von.
Ronnie Von começou a sua carreira como aluno mais ou menos certinho, sem desvios ao que se ouvia nas rádios e na tv daqueles anos sessenta brasileiros. Hebe Camargo, estrela cintilante e Rainha da TV brasileira, apelidou-o de “pequeno Príncipe”, e assim ficou até hoje. No entanto, sem ter rumo concreto, antes experimentando ao sabor das influências anglo-saxónicas e tropicalistas, Ronnie Von decidiu arriscar. E assim, de seguida e sem que se esperasse tamanha transformação, resolveu apresentar três álbuns em três anos que foram cartas completamente fora do baralho, três ases de trunfo que pouco valeram para a crítica e para o público de então. Talvez não tenha triunfado, mas à la longue conseguiu ganhar a eternidade que certos cultos musicais algumas vezes proporcionam.
A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais (1969) foi a segunda incursão de Ronnie Von pelo psicadelismo e pela experimentação. No ano anterior, o álbum homónimo marcou o início da inusitada trilogia, terminando-a com Minha Máquina Voadora, em 1970. A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais é, portanto, a segunda peça dessa engrenagem que assustou um pouco aqueles que conheciam o jovem guardista dos primeiros álbuns. Ronnie Von afirmou, sobre essa época e sobre a sua guinada musical, que não sabia se estaria a trilhar o caminho certo, mas que o importante seria inovar. Boa e abençoada decisão. Convocou o rock para o seu álbum, assim como heróis da banda desenhada, mas também foi, de certa maneira, fiel ao registo anterior, não o arrumando em definitivo nas gavetas estanques de um passado tão recente. Misturou tudo aquilo que muito bem lhe apeteceu e lhe passou pela cabeça, gravou temas seus e temas de compositores importantes, tanto brasileiros como estrangeiros, e criou um objeto sonoro que ainda hoje mantém um charme discreto, embora não muito burguês. A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais acabou sendo mais um clássico (algo perdido, é um facto) da música popular brasileira, que agora tentamos recuperar.
São algumas, as faixas mais emblemáticas deste álbum. Desde logo, o triunfal e vibrante tema inicial, “De Como Meu Herói Flash Gordon Irá Levar-me a Alfa do Centauro, Meu Verdadeiro Lar”. Que título, que tema! Entre inéditos e clássicos da MPB, há de tudo neste LP, como a conhecidíssima “Dindi”, do mestre Tom Jobim, aqui numa versão bem interessante, ora com swing, ora mais contemplativa. “Pare de Sonhar Com Estrelas Distantes” segue por caminhos bem psicadélicos, e é outro momento a ter em conta, assim como “Onde Foi”, bela e cheia de espírito. “Atlântida”, tema original do escocês Donovan, é bonita, muito bonita e onírica, meio falada, meio cantada, uma autêntica pérola caleidoscópica. “Rose Ann” é ótima também, com a particularidade de ser cantada em francês, inglês e português, numa misturada que orgulharia todo e qualquer tropicalista. Mas há mais a referir: “Ma Cherie Amour”, tornada eterna por Stevie Wonder, ganha no disco uma versão curiosa, embora um pouco datada e nem sempre bem conseguida. Outra versão, esta bem mais trabalhada e interessante, misturando psicadelismo com um toque de cafonice que, helás!, soa bem, é “Comecei Uma Brincadeira” (“I Started a Joke”, dos míticos irmãos Robin, Barry e Maurice Gibb).
Depois deste álbum, como de início se mencionou, Ronnie Von voltou aos discos, dessa vez aterrando numa surrealista Máquina Voadora fascinante. Mas esse é já um outro voo psicadélico que não faz parte dos planos desta viagem de hoje.