O disco mais experimental e visionário de Hendrix. A guitarra-eléctrica tem finalmente uma linguagem completa e matizada, inspirando sucessivas gerações.
É difícil escolher o Hendrix favorito mas a balança pende para o terceiro e último álbum- Electric Ladyland. A razão é simples: foi o único disco onde Jimi teve o controlo artístico total, assinando ele próprio a produção. O pragmático Chas Chandler – com o seu estilo “grava à primeira que tempo é dinheiro” – ainda tentou, em vão, dirigi-lo, mas desta feita Hendrix não foi na conversa. Ainda bem. Jimi pôde assim levar mais longe a sua visão artística, brincando com o estúdio, experimentando novas técnicas e texturas, gravando os takes que fossem precisos para o produto final ficar exactamente como ditava a sua vívida imaginação.
Não fora só o perfeccionismo de Hendrix que levara Chandler ao exaspero. Fora também o caos instalado no estúdio, sempre com uma horda de groupies e penetras a perturbar o processo de gravação, pouco faltando para fazerem linhas de coca em cima da mesa de mistura. Era demasiado para o pobre produtor com alma de contabilista, que acaba por abandonar o barco.
Liberto desta sombra pegajosa, a concisão pop deixa de ser um dogma. Segui-la-á quando lhe aprouver com óptimos resultados (que groove incrível têm a guitarra-ritmo e a bateria em “Crosstown Traffic”, “Long Hot Summer Night” e “Gipsy Eyes”) mas não se fará rogado para se lançar em epopeias de 13 minutos sempre que lhe apetecer. Falamos, é claro, da belíssima “1983… (a Merman I Should Turn to Be)”, cujo interlúdio instrumental, mesmo sem o auxílio de qualquer ácido, tem o poder de evocar fantásticas criaturas subaquáticas, dançando em nosso redor, lânguidas e coloridas. O poder imagético da guitarra de Hendrix não acaba aqui. Quando em “Long Hot Summer Night” Jimi canta “and the telephone keeps on screamin’ segue-se um solo que evoca na perfeição o tagarelar irritante de um telefone a tocar. “House Burning Down” vai pelo mesmo caminho, emulando o crepitar das labaredas com uma distorção ondulante. São estes mágicos pormenores que fazem de Jimi o melhor guitarrista de todos os tempos, por mais notas que Eddie Van Halen e Joe Satriani metralhem por segundo. Onde os tecnocratas da guitarra são técnica e velocidade, Hendrix é imaginação e poesia.
Se “1983” funda os alicerces do prog rock, “Voodoo Child” (Slight Return) é a pedra angular onde todo o edifício do heavy rock será construído. A premissa é o blues (inesquecível o lick inicial com pedal wah-wah) mas os seus solos ferozes e agonizantes são a música mais pesada do seu tempo. Iommi dos Sabbath ouviria o tema com muita atenção, apontando tudo no seu bloco de notas.
E se dúvidas houvesse em relação ao brilho deste disco, depressa seriam dissipadas por “All Along the Watchtower”. Hendrix consegue a proeza de transformar uma canção menor do Dylan num dos maiores hinos do rock. Com a sua rica imaginação melódica, Jimi expande o tema em direcções imprevisíveis e fascinantes. Será o próprio Dylan a reconhecer que a versão definitiva do seu tema é a de Jimi.
O arrojo estético e a popularidade não são tão avessos como normalmente se supõe. O disco mais experimental de Hendrix chega a número 1 nos EUA e “All Along the Watchtower” é o single mais bem sucedido de toda a sua breve carreira. Mas o reconhecimento mais importante não é o do seu tempo mas o da posteridade. Volvidos 50 anos, é um disco que continua a inspirar adolescentes com jeito para a guitarra e uma alma a condizer.
Eddie Van quê?