Eles estão de regresso! Os The Flaming Lips entraram na boca e no cérebro de um rei disforme e sairam de lá com elegância e charme. O que parece ser uma história para crianças, revela-se um álbum adulto de enorme requinte. Como livro-disco que é, tem direito a narrador e tudo. Um sonho, uma realidade paralela, um autêntico e portentoso delírio! Long live king Coyne e os seus fiéis súbditos!
Tudo se pode esperar dos The Flaming Lips, até mesmo aquilo (ou sobretudo aquilo) que parece impossível alguém imaginar. É bom recordar que, entre tantas outras habilidades sonoras de monta, estes excêntricos rapazes já fizeram, por exemplo, um disco de Natal passado em Marte, e por conseguinte tudo é possível acontecer quando se trata de Wayne Coyne e seus comparsas. Ainda bem. É que, no fundo, os The Flaming Lips são sempre iguais a si mesmos, embora alterando os pontos de perspetiva musical e conceptual, dando validade e corpo à expressão mutatis mutandis. Nisso, a banda norte americana é soberana e reina a seu bel-prazer. São únicos no universo do indie-pop-rock alternativo e psicadélico. Com King’s Mouth: Music and Songs, a festa continua. Sintam-se convidados a ouvi-lo, porque vale mesmo a pena. É entrar neste novo universo de estilo e substância, que não se arrependerão!
A história por detrás de King’s Mouth vem de longe, e começou numa instalação surgida da cabeça fumegante de Wayne Coyne, o líder da banda que agora passou para o vinil (em junho o disco sairá de forma mais generalizada) um álbum conceptual de enorme riqueza, tanto lírica como melódica. A história do disco, dizíamos nós, é simples e diz-nos sobre uma Rainha, que ao ter um filho disforme (fisicamente grande, enorme), acaba por falecer. Mais tarde, já o Rei era crescido e ainda mais desproporcionado, também ele tem o mesmo fim de sua mãe, morrendo ao tentar proteger a sua cidade de uma enorme avalanche que se adivinhava abater a qualquer momento. No entanto, a sua cabeça, depois de descoberta na primavera seguinte, quando a neve começara a dar sinais de derreter, passa a ser utilizada como uma espécie de fortaleza que, de boca aberta, permitia entrada a todos aqueles que quisessem ver o que o Rei, enquanto vivo, sugou para dentro dela: a aurora boreal, múltiplas tempestades e enormes profusões de cores, luzes e estrelas. Assim, o Rei, mesmo estando morto, parece viver eternamente. É, convenhamos, uma belíssima metáfora.
Do ponto de vista musical, o interesse é enorme e tem a marca típica da casa-mãe. Os The Flaming Lips estão bem reconhecíveis ao longo dos doze temas deste King’s Mouth, desde logo pelo lado etéreo, sonhador, onírico que muitas das suas composições começam a ter, sobretudo depois de The Soft Bulletin (1999). As vozes pairantes, os sons que parecem planar por sobre as nossas cabeças como dádivas vindas de anjos dotados musicalmente, mas também ruídos que flutuam e que dão corpo a belíssimos arranjos de belíssimas canções. “The Sparrow”, “Giant Baby”, “How Many Times”, “All For The Life Of The City” e “Mouth Of The King” são perfeitos exemplos do que dizemos. Pelo meio desses temas há alguns interlúdios, digamos assim. A narração da história que no disco se conta está a cargo de Mick Jones, esse mesmo, o mítico guitarrista e vocalista dos The Clash. E assim, ao longo de cerca de quarenta e dois minutos, o psicadelismo moderado, as composições abstratas, as melodias absortas e leves como panos ao vento, as linhas atmosféricas de contornos quase celestiais fazem de King’s Mouth um álbum surpreendente e único. Wayne Coyne e os seus Flaming Lips não param de surpreender o mundo da música, mesmo que por vezes disparem em direções menos interessantes, o que não é agora o caso. O disco em questão é tão cintilante que nos arregala a alma e nos acende um brilho infantil e ternurento no olhar. E isso, para adultos como nós, é mesmo uma preciosidade que sabe bem aproveitar!