Cinquenta anos é quase a minha idade e 1967 foi também o ano em que surgiu Scott. Fomos envelhecendo os dois e tornámo-nos bons amigos. Eu ouço-o assiduamente, e ele, Scott Walker, nunca me nega o conforto das suas excelentes interpretações.
Scott Walker é uma paixão antiga. Curiosamente, quase nunca ouvi The Walker Brothers, pelo que estou em crer ter começado a aventura pelos territórios sonoros do músico de Ohio pelo lado menos óbvio. Quando o escutei pela primeira vez, pouca ideia tinha do enorme monumento que iria passar a conhecer. Nunca mais o larguei, obviamente, nem mesmo quando se foi aventurando por caminhos áridos e avessos à boa paz de espírito, como passou a acontecer sobretudo a partir de Climate of Hunter (1984) e Tilt (1995). Mas isso pouco importa para o texto presente, uma vez que a festa hoje faz-se com Scott, o primeiro dos quatro clássicos álbuns que Scott Walker lançou a solo nos três últimos anos da década de sessenta do século passado.
Scott é, sobretudo, um trabalho de intérprete, mais do que de compositor. Das doze canções que o disco encerra, apenas três são da sua autoria (assinadas como S. Engel), embora todas extraordinárias. Refiro-me a “Montague Terrace (In Blue)”, “Such a Small Love” e “Always Coming Back to You”. Todas as outras nove composições são covers (canções de bandas sonoras e apropriações para inglês de temas do grande ídolo de Scott Walker, o belga Jacques Brel, que Scott descreveu como “the most significant singer-songwriter in the world”). O músico lá tinha as suas razões… Na verdade, quando ouvimos “Mathilde”, “My Death” ou “Amsterdam” e as reconhecemos como canções do monstro sagrado que fez, entre outras, as imortais “Ne Me Quitte Pas”, “La Valse à Mille Temps” ou “Ces Gens La”, também é certo que reconhecemos nelas uma outra aura, uma outra marca da nova identidade que Scott Walker lhes deu. Parecem suas, não sendo suas, e isso não está ao alcance de muitos.
O álbum, como sabemos, foi um sucesso de vendas e também a crítica o soube incensar. Não foram surdos, nem a crítica nem o público, aos belos argumentos que Scott soube trazer ao mundo. Os arranjos, as orquestrações, a voz que se entrega a todas as canções como se fossem as últimas de uma vida, as escolhas criteriosas dos temas em apreço, tudo isso contribuiu para que o disco se tornasse um clássico instantâneo. Apesar de não o considerar o melhor dos quatro que fez quase de rajada antes do início dos seventies (tenho por Scott 4 um soft spot do tamanho do mundo, confesso), Scott é uma obra imorredoura, um terreno tão fértil e bom que nele tudo continua a florescer, quase cinquenta anos passados. E os frutos dessa colheita fazem-se notar noutros nomes que venero. Em muitos, até, mesmo sabendo que me vou esquecer de mencionar alguns. Desde David Bowie a David Sylvian, passando por Nick Cave, Julian Cope, The Divine Comedy, Tom Hickox ou Daniel Knox. Todos estes nomes sonantes (uns mais do que outros, é certo, mas todos de grande importância artística) devem algo a Scott Walker. Talvez nem tanto a Scott, mas também seguramente a este disco cinquentenário, uma vez que ele marca o arranque a solo de um crooner a quem todos os referidos nomes souberam fazer a devida vénia em tempo útil.
Scott Walker continua vivo, rompendo barreiras artísticas, misturando-se com nomes improváveis, fazendo trilhas sonoras, mostrando-se inquieto e bem ativo. Soube reinventar-se como poucos. Nesses ganhos, que foram alguns, não encontramos quaisquer ecos de Scott. Nem um único, garanto-vos. Mas também vos posso garantir que soprar as velas dos cinquenta anos deste trabalho (em setembro próximo, a dezasseis) é uma obrigação que temos, uma obrigação que qualquer amante da boa música não enjeitará. Comecemos agora, para ser ainda maior a festa!