Sim, o pop é engraçado e foi banda sonora de muitas das nossas paixões. Sim, a soul e o funk puxam por nós, e quem não se abanou ao som de “Get Lucky” que atire a primeira pedra. Mas o rock, meus amigos, o rock…
Este último sábado os brasileiros Boogarins chegaram, finalmente, a Lisboa. Com um concerto incluído na programação Teach me Tiger, a cargo de The Legendary Tigerman, os reis do indie psicadélico do país-irmão puderam mostrar-nos, ao vivo, de tudo o que são capazes. Perante um Musicbox lotado ou perto disso, e com o calor da noite lisboeta a fazer da sala uma óptima panela de pressão, os Boogarins presentearam-nos com um concerto de pouco mais de uma hora, sempre em crescendo.
O alinhamento foi, naturalmente, composto na sua quase totalidade por As Plantas que Curam, o primeiro e único disco da banda. Ao segundo tema, boom!, surge “Lucifernandis”, primeiro single e um cartão de visita que sintetiza na perfeição o que é o som dos Boogarins. A partir daí a banda soltou-se, o som ficou realmente bom e, à medida que o calor na sala ia subindo, também a intensidade do espectáculo. Já nessa tarde a banda havia confidenciado que tocaria algumas músicas novas – que foram bem recebidas e que muito prometem para o segundo disco.
Ao vivo, os Boogarins mantêm as qualidades do disco, conseguindo acrescentar novas camadas e nova garra. A banda não perde qualquer oportunidade de se lançar numa viagem exploratória pelo espaço sideral, levando-nos a bordo da sua nave sonora. Mas, ao contrário do que acontece com tanta banda psicadélica (ou psicodélica, como eles dizem), os Boogarins têm muito pouco de virtuoso. A sua grande qualidade, aliás, é a de fazer música “complicada” de forma extremamente simples. Além do lado espacial e exploratório, os Boogarins ao vivo trazem também um poder de choque muito viciante, agarrando-nos e fazendo-nos lutar para resistir ao headbanging mais primário e satisfatório (confesso que tive saudades do cabelo comprido de outros tempos, e não terei sido o único). Este acréscimo de poder tem apenas uma desvantagem, de esconder um pouco a doce voz do vocalista e guitarra-ritmo Dinho.
A noite não podia terminar sem “Doce”, mais um destaque de As Plantas que Curam e que fora insistentemente pedido por boa parte do público. A versão que nos foi dada foi doce, sim, mas também mais longa, mais negra, mais psicadélica e mais pesada do que a que conhecemos. Um excelente final a concentrar todos os pontos fortes dos Boogarins ao vivo.
Quando a banda deixou o palco, saiu feliz. Depois de, na sexta-feira, se terem estreado em Portugal no palco do Milhões de Festa, voltaram em Lisboa a sentir o calor do público português, eles que haviam confessado a alegria por estar cá e por, entre outras coisas, poderem pedir uma cerveja na língua de Camões.
Ao concerto seguiram-se os dj sets de Mr. Mitsuhirato e de Paulo Furtado (o Tigerman e “curador” da noite). Ainda o primeiro nos presenteava com um bom som de rock vintage, os membros dos Boogarins vieram ao bar e misturaram-se com a multidão que por lá resistia. A satisfação era visível na cara de todos. E se, em palco, Portugal lhes mostrou o seu carinho, ali na pista não foi diferente. Aí, Dinho, Benke, Hans e Raphael fartaram-se de dar autógrafos, assinar discos (estavam disponíveis numa banca à entrada, óptima notícia tendo em atenção que o disco não foi distribuído em Portugal) e bilhetes do espectáculo. Percebes que estás perante uma banda diferente quando, no final de um grande concerto, não apenas assinam coisas como fazem dedicatórias personalizadas para quem têm à frente. Um belo final de noite para uma bela noite.
O que fica?
Fica a gula para conhecer o próximo disco; fica a confirmação, ao vivo, de que os Boogarins não são uma falsa esperança, e que respeitam e amam o rock com a intensidade que só os pode levar a bons lugares; e que Portugal soube aplaudir e acolher estes rapazes de Goiânia.
O funk, a soul, a pop, o jazz. Sim, tudo isso.
Mas o rock, meus amigos, o rock…
Fotos: Diogo Lopes