David Fonseca escreveu uma carta de amor a Bowie. Convidou amigos e recriou temas emblemáticos. O desafio era à partida assustador e desafiante mas o resultado final é desigual e engloba um eucalipto que seca tudo à volta.
António Zambujo a cantar “Life on Mars”. À quarta canção, Bowie 70 tem o seu momento mais alto e luminoso, com Zambujo, o alentejano, a pegar numa das mais icónicas canções de David Bowie e a apropriar-se dela sem pedir licença: a faixa segue devagar, ganha embalo no refrão, instrumentalmente está desenhada para Zambujo brilhar, e assim acontece. O problema é que este eucalipto seca tudo à volta.
Há outros bons momentos em Bowie 70 e momentos tremendamente falhados há apenas um, na inesperadamente frouxa e sem alma interpretação de Ana Moura para “The Man Who Sold the World”. Boas surpresas por aqui passam, por exemplo, pelo tom áspero de Afonso Rodrigues (Sean Riley) em “Let’s Dance” e pelo regabofe funk de “Fame”, guiado por Marta Ren.
E mais? Camané tem uma grande voz, mas o inglês está longe de ser o seu forte – “Space Oddity” disso ressente-se. Tiago Bettencourt, Manuela Azevedo e Aurea têm passagens discretas embora meritórias pelo disco, e o próprio Fonseca finda a viagem em bom plano com “Lazarus”, uma das últimas grandes canções escritas e interpretadas por Bowie.
David Fonseca quis musicar uma carta de amor a um dos seus ídolos, Bowie, falecido há pouco mais de um ano aos 69 anos de idade. Mudando a agulha, e traçando uma analogia estudantil, o melhor que se pode dizer é que quem manda uma missiva assim merece o nosso consentimento para uma ida ao cinema acompanhada, eventualmente, da troca de algum carinho. Não chega para trilhar um futuro a dois, mas não envergonha e aqui e ali tem os seus méritos – quer aquele namorico do liceu quer Bowie 70. Já não é mau e podia ter sido bem pior.