
O Altamont esteve à conversa com os Boogarins na tarde de Sábado, algumas horas antes de subirem ao palco do Musicbox para um fantástico concerto. Terminado o soundcheck para essa noite, a conversa foi curta mas boa. Falou-se de música, claro, mas também de saudades de casa e até, já de gravador desligado, de Talisca, um dos reforços do Benfica (nunca sequer ouviram falar dele, já agora) .
Com o baterista Hans e o baixista Raphael sorridentes mas pouco interventivos, a despesa da conversa ficou a cargo dos dois fundadores do projecto, Dinho (voz e guitarra-ritmo) e Benke (guitarra-solo), sobretudo este último. Numa conversa aberta, ficámos a conhecer melhor estes talentosos mas muito humildes músicos do novo rock brasileiro. Gente muito boa.
Altamont: Vocês gravaram o disco, fizeram a mala e andam na estrada há muito tempo. Como tem sido a experiência de tocar pela primeira vez pelo mundo fora, para públicos tão diferentes?
Dinho: Temos várias experiências engraçadas, todos os concertos são diferentes, na verdade.
Benke: Principalmente aqui na Europa, em que qualquer cidade em que você chega é uma cultura diferente. Há muitos países e não é preciso uma viagem longa. Você anda duas horas de carro e está noutro país. E no Brasil você não imagina isso. Lá tem diferença de Estado para Estado, mas aqui é uma loucura.
E a língua. Estando em Portugal deve ser bom para vocês poderem comunicar à vontade…
Raphael: É esquisito até. Porque para nós estarmos fora de casa, é estrangeiro. Temos de pensar que podemos falar como falamos.
Benke: Sim, ontem no show [Milhões de Festa, em Barcelos] queria falar com o público e saiu meio português e meio inglês. E estivemos algum tempo em Espanha e quando chegámos ainda não tinha realizado, estava falando “gracias” para todo o mundo.
No meio de toda esta volta ao mundo têm tido tempo de compor ou gravar música nova?
Benke: Antes de começar esta segunda parte da tournée, que começou em Paris, em Julho, a gente parou um mês, na Espanha, e trabalhou. Gravou…13 músicas, músicas que provavelmente vão estar no próximo disco. Mas a gente não sabe, né? Ainda tem essa caminhada toda, a gente vai sair dessa tournée e entrar noutra no Brasil também. A gente não tem, claro, a expectativa de lançar o disco durante a tournée. A gente já tinha bastante música de antes e surgiram músicas também durante a tournée. Portanto, dá para compor.
Dinho: O show que estamos fazendo já tem várias músicas novas que não estão no disco e que estamos tocando.
Vocês não têm tocado muito no Brasil, pois não?
Benke: Desde que começou essa tournée em Março a gente não tem conseguido ter uma pausa. Já fizemos shows no Brasil, Goiânia, Brasília, São Paulo e Mogi das Cruzes. Tocámos quatro vezes, mas isso no meio da tournée que a gente vinha fazendo na Europa desde Março. E foi esses shows mas a gente teve de voltar rapidinho para fazer o Primavera [Barcelona]. Acabando a tournée, em Setembro – a gente sai da Europa em Agosto, vai para os Estados Unidos – e em Setembro vamos para o Brasil, vamos fazer dois meses de shows no Brasil. É que não estava planeado ser tão longa esta tournée, mas as coisas foram acontecendo desse jeito e a gente abraçou isso, e espero que isso só se reflicta em mais shows no Brasil também.
Por vezes parece que os Boogarins são mais conhecidos na Europa do que no Brasil, e mesmo em Goiânia [terra natal da banda] há muita gente que não vos conhece. Isso deve-se aos poucos concertos que deram lá?
Dinho: Goiânia tem dois mundos dentro. O nosso, da cena, das bandas, e o resto.
Benke: É uma cidade de dois milhões de habitantes. Na Europa ou nos Estados Unidos, uma cidade com dois milhões de habitantes tem um tipo de cultura pop grande, no Brasil é totalmente diferente, em Goiânia é diferente. Nos maiores festivais de Goiânia, que tem dois milhões de habitantes,você chega no máximo a cinco mil pessoas. Nas casas de show de Goiânia cabem 300 pessoas, é mais difícil assim.
O mundo inteiro conhece a música brasileira, sobretudo a MPB. Apesar de o Brasil sempre ter tido boas bandas de rock, como os Legião Urbana, ou O Rappa, por exemplo, o rock brasileiro tem pouca visibilidade no exterior. Têm alguma explicação para isto?
Dinho: O Brasil tem bom rock e tem muita banda rock, mas não há muita coisa a vir para fora, como você falou.
Benke: Mas atenção que coisas que você falou, como O Rappa, são bandas de outra dimensão e outro tipo. São bandas que têm música na telenovela, por exemplo.
Porque é que vocês acham que a música psicadélica está a voltar em força e a ter adeptos na nova geração?
Raphael: Muita música hoje em dia mexe com muito efeito, mexe com muita coisa. Mas a definição de rock psicodélico…não sei.
Benke: Quando você pensa muito nisso e quer que a música seja muito psicodélica já não está a fazer o que quer fazer mas a procurar essa coisa. Você pode até tocar uma peça de violão, muito minimalista, que dura 20 minutos, isso também é psicodélico. Não é é rock psicodélico.
Mudando de assunto: com tanta viagem, já deu para ter saudades de casa?
Raphael: Ôooo, não faz isso não, cara (risos). Para com isso. Claro que sim. Passámos duas semanas no Brasil, e chegando a Goiânia, a sair do avião, parecia que só estávamos a chegar a outro lugar qualquer, como temos feito. E comecei a pensar no monte de gente que eu ia ver naquele tempo, naquela semana que eu ia estar lá, muita gente para ver e para falar.
Benke: A gente ficou três meses fora de casa…
Raphael: E a gente esteve lá mas na semana seguinte já estava viajando. A gente só passou por lá que nem a gente passou por aqui ou por Barcelona, e em Barcelona ainda ficámos mais tempo.
E o que é mais difícil,em termos de saudades, além das pessoas?
Hans: A comida. O Português, a língua. E o tempo. A gente gosta do que faz, a gente gosta de tocar, mas é um trabalho, e faz falta o tempo para fazer o que você quer naquele momento…, ter o tempo seu, na sua casa.
Raphael: O direito ao ócio.
Benke: É uma situação totalmente diferente. Eu nunca tinha passado uma semana longe de casa. Estamos em tantos sítios novos, está acontecendo tanta coisa nova, e é bom, mas chega um ponto em que você precisa…de casa. É preciso também pensar, em casa e com calma. Recapitular.
Hans: Digerir o que você viveu.
Benke: Chega um ponto em que você fica até chateado por não ter feito um diário, porque acontece tanta coisa que parece que passaram cinco anos.
Das bandas com quem vocês tocaram e partilharam palcos, houve alguma que vos tenha dado mais prazer?
Dinho: A gente tocou com Temples, que foi muito bom, fizemos alguns shows com eles. A gente tocou com Vertical Scratchers, o baixista [John Schmersal] que tocava com o Brainiac. A gente fez uns oito shows com eles também.
Benke: Só conversar com ele era maravilhoso. E a gente tocou com ele no início da tournée em Março, lá nos Estados Unidos e agora este mês a gente tocou em Liége num festival e ele estava tocando com Caribou, e a gente encontrou com ele e ficou muito feliz. Feliz porque fica com a sensação que, mesmo estando nesta situação de andar de um lado para o outro, de uma forma você se encontra numa casa, encontra as mesmas pessoas. Não vai ser a última vez que você vai vê-las. Está trabalhando com a mesma coisa, com arte, com música, com entretenimento. É muito reconfortante pensar que você vai reencontrar as pessoas que você gosta. O Jacco Gardner, por exemplo, a gente tocou com ele na Holanda, um mês depois a gente tocou com ele nos Estados Unidos e agora em Agosto vamos tocar de novo com ele em Nova Iorque.
A vossa aventura enquanto banda começou há dois anos, talvez menos…
Benke: Com banda, tocando, faz menos de dois anos.
E como se passa de jovens a tocar, a descobrir a música, a correr o mundo a fazer isto em cima do palco?
Raphael: É o que faz você aceitar a saudade de casa de um jeito bom.
Benke: Eu, se não fosse a banda, nunca ia ter condição para fazer viagem…
Dinho: Para nenhum desses lugares! Eu nunca tinha ido nem a Salvador, nem ao Rio de Janeiro.
Raphael: Tem hora que você só pode dar uma risada e ficar assim mesmo, agradecendo. Você está ali agora, a viver tudo aquilo e tem um show para fazer, ou um show para assistir.
Benke: Por exemplo, uma coisa que eu não esperava, lá atrás, quando foi anunciado que a gente ia lançar o disco pela Other Music, foi a gente fazer um dj set antes do show de Tame Impala. Sem poder ir, estava esgotado, em São Paulo. Eu nunca tinha saído de Goiânia para ver um show internacional. A gente já tinha feito 20 shows, e foi uma coisa que caiu muito bem. A gente dirigiu 20 horas até São Paulo para fazer esse dj set, fizemos outros shows depois, mas eu já estava a sentir-me muito recompensado por aquelas horas que a gente gastou.
Vocês acabaram de tocar pela primeira vez em Portugal, no Milhões de Festa. Como foi?
Dinho: Foi maravilhoso, foi muito bom.
Raphael: Foi quase como se a gente estivesse no Brasil.
Bom, resta-me agradecer e desejar-lhes a maior sorte e que continuem a dar-nos a boa música que têm feito.
Benke: A gente é que agradece, o Altamont escreveu cedo sobre a gente. O Altamont fala também do Carne Doce e Luziluzia, então acompanha a gente. Eu e o Raphael tocamos nos Luzias [Luziluzia]. Os outros dois caras dessa banda estão tocando no Carne Doce. São três bandas e oito pessoas, é tudo o mesmo mundo (risos).
Fotos: Diogo Lopes