Depois de 19 anos de espera, os The Jesus and Mary Chain regressam com Damage and Joy que, não sendo um álbum inovador, dá para saltar e matar saudades da mítica banda.
E, de repente, passaram 19 anos desde Munki. Pelo meio ainda houve 8 anos de hiato, mas 2017 foi mesmo a data escolhida pelos irmãos William e Jim Reid para voltarem a oferecer ao mundo a sua música – Damage and Joy é o sétimo álbum de estúdio dos The Jesus and Mary Chain (JAMC). Para este regresso muito aguardado, que marca o reconciliar dos irmãos, os escoceses recrutaram o ex-baixista dos Lush, Phil King, e o baixista dos Killing Joke, Youth (neste caso, como produtor).
Em Damage and Joy encontramos, mais uma vez, aquela característica que os JAMC sempre tiveram: fazer um álbum diferente dos anteriores, mas que tem a marca indelével da banda. Tudo aquilo que fazem soa a eles e a mais ninguém – e este álbum não é exceção. No sétimo capítulo da história discográfica dos escoceses, continuam cá as guitarras afiadas, o feedback de arame farpado e as doces canções pop; em proporções diferentes, é certo (talvez seja esse o seu segredo), mas está aqui tudo isso.
Apesar disto, tendo em conta a progressão sónica ao longo dos registos, Damage and Joy é ligeiramente previsível, na medida em que pega muito nas sonoridades de Stoned & Dethroned e Munki, dando-lhes retoques e atualizando-as para 2017. Aliás, a distância entre sexto e sétimo registos, ao nível do som, nunca poderia ser proporcional aos anos que os separam – afinal, a maioria das canções já tinha sido lançada de alguma forma. O álbum não é, claro está, nenhum Psychocandy revolucionário, não tem o romanticismo soberbo de Darklands nem o shoegaze hipnótico de Automatic e Honey’s Dead. Ainda assim, não deixa de ser um bom álbum de rock, competente e maduro, com alguns momentos brilhantes.
Damage and Joy atira-nos logo contra a parede, com uma forte malha a abrir o registo – “Amputation”, composta por uma progressão de acordes simples, vai-se cobrindo de texturas, que oscilam entre feedbacks que aparecem aqui e ali e um pedal de tremolo que surge para dar ritmo à guitarra. Neste início, a voz de Jim Reid – que, como sempre, soa ao gajo mais cool do mundo – surge acompanhada de segundas vozes que complementam muito bem a do cantor. Tudo isto é tão familiar, tão JAMC, que, embora as palavras entoadas sejam outras, aquilo que se ouve é “We’re back in town”.
O álbum segue, levando-nos para duas músicas que se contam entre as melhores do disco: “War on Peace” e “All Things Pass”. A primeira é um retrato autodepreciativo de uma vida vivida ao máximo e que agora encontra o cansaço provocado por esse ritmo estonteante, mas para o qual a solução é continuar a andar em frente – algo assinalado na interrogação “So what if I run? Where would I run to?”. Nesta canção, a melodia é vagamente reminiscente dos Spacemen 3 de Peter Kember e Jason Pierce. O que acontece perto do fim, contudo, é pura magia Reid: ergue-se uma parede de feedback e, do nada, surge uma motorika incessante, que nos vai acompanhar até ao término da faixa.
Por sua vez, “All Things Pass” é um hino ao hedonismo que os JAMC sempre preconizaram. Desde a referência ao xamã dos 1960s Timothy Leary tanto no título da faixa como no refrão, às alusões a uma vida de sexo e alimentada a drogas, tudo nesta música é rock ‘n’ roll. O riff só podia ser condizente – simples e potente. “Get On Home” é outra faixa que remete para este tema, tão presente na discografia dos irmãos Reid. Sustentada por uma motorika maquinal, enquanto o baixo segura a melodia e uma guitarra surge de vez em quando para nos atirar até à estratosfera, nela ouvimos, entre outros, o relato que Jim Reid faz de uma noite passada com bonecas insufláveis e LSD.
As participações das convidadas Sky Ferreira e Isobel Campbell (ex-Belle and Sebastian) enriquecem bastante o sétimo registo dos JAMC, contribuindo com as suas belas vozes em algumas das grandes canções de Damage and Joy. A escolha das convidadas neste álbum é, de resto, muito certeira – as vozes femininas (que incluem a terceira Reid, de nome Linda) encaixam sempre muito com as de Jim e William, estabelecendo um diálogo entre intérpretes que não soa desconexo, como por vezes acontece nestes casos.
Em “Black and Blues”, a luso-descendente Sky Ferreira acompanha Jim Reid numa música que, de forma catártica, funciona como um manguito a desgostos amorosos. Por cima de uma americana gloriosa, quase a soar a gospel, o convite a fica feito: “We could leave this world behind and die in the morning”. Já Isobel Campbell empresta a sua voz angelical a duas bonitas canções de amor: “Song for a Secret”, que coloca a personagem feminina no papel de salvadora de alguém autodestrutivo (“Too old to crucify/But too young for suicide”), e “The Two of Us”, uma simples declaração de um amor tão forte que leva Jim a cantar “We don’t need drugs ‘cause we know how to fly”.
A relação entre os dois irmãos, como se sabe, sempre variou entre um pouco e muito conturbada. Todavia, esta também ofereceu algo à música dos JAMC que, não estando lá necessariamente através das letras, conseguimos sentir e faz os pelos nos braços ficarem eriçados: uma tensão constante, de onde parte alguma da violência sonora tão característica da banda. Recentemente, Jim disse à Rolling Stone que ele e William têm estado a aprender a ouvir-se, acrescentando: “In the last couple of years, we’ve buried the hatchet (…) and thankfully not into each other”. Contudo, os atritos fraternais ouvem-se bem, talvez melhor que nunca, na grande música que é “Facing Up to the Facts”, quando Jim, acidamente, diz “I hate my brother and he hates me/That’s the way it’s supposed to be”. Apesar disto, o sétimo registo dos JAMC termina numa nota positiva: em “Can’t Stop the Rock”, juntamente com Linda Reid (que parece ter o papel de mediadora das vozes dos irmãos), William e Jim cantam felizes e a uma só voz “I’m falling, and I’m happy”. Reunião consolidada, portanto.
Aquilo que se pode apontar como a falha deste álbum é o facto de, por vezes, soar algo contido. Para uma banda que sempre se entregou totalmente ao arrojo, parece que desta vez se deixaram ficar um pouco na sua zona de conforto. Ainda assim, Damage and Joy não deixa de ser um bom álbum, com meia dúzia de fantásticas canções. Além disto tem um efeito fantástico: faz querer ir à prateleira buscar os discos de JAMC, pôr o volume no máximo e sentir a sua música como é suposto ser – alto. Na última faixa de Damage and Joy, os irmãos cantam “You can live, love, hate stuff and die, but you can’t stop the rock”. O rock não para, especialmente o dos JAMC. Esperamos que o próximo disco não saia daqui a 19 anos, mas, até lá, cá estaremos à espera de ver a promessa cumprida. Entretanto, vamos afogar os ouvidos em mares de feedback e bom barulho, sim?