
No circo encontra-se de tudo. De palhaços a anões, passando pelos animais e pelos malabaristas. Na noite de Lisboa encontram-se licores diversos, música nas ruas e uma alma tão tipicamente portuguesa. Ontem estes dois ambientes encontraram-se no Coliseu, num concerto que subsistirá na memória dos que a ele assistiram.
O palco está disposto no meio da sala, enfeitado com motivos de santería e variados instrumentos espalhados em seu redor. As luzes apontam para a bancada presidencial e, desse lugar de honra, surge a Royal Orquestra das Caveiras tocando uma marcha. Rapidamente, os fotógrafos deslocam-se para captarem este momento, muitos deles não se apercebendo dos dois homens que descem em direcção ao palco, acompanhados por um anão, o pequeno grande actor, David Almeida. Vestido como o dono de um circo, informa que hoje não haverá circo, já que «os palhaços foram todos de cana», mas que embora não goste de circo com animais, hoje vão estar dois em palco: os Dead Combo. Os três mensageiros voltam a subir a rampa e surge então um amolador de facas, acompanhado da sua bicicleta e da sua flauta tão características. Depois de afiar a faca de um talhante (sim, parece mesmo um filme sobre Lisboa da década de 70), dirigem-se para o palco duas criaturas míticas: um gangster e um cangalheiro. Pedro Gonçalves e Tó Trips pegam nas suas guitarras e partem para «Povo Que Cais Descalço», enquanto o amolador segue o seu caminho em direcção ao oblívio.
No palco, dois homens a empunhar guitarras – um deles a marcar vincadamente o tempo com a sola do sapato, enquanto se desconstrói em danças sentadas – e muita arte. Tó Trips nunca largou as cordas das suas guitarras, enquanto Pedro Gonçalves saltitou entre a guitarra, o contrabaixo, a melódica, um rádio e um piano saído da obra maior de Lewis Carroll. Ao longo das mais de duas horas de concertos a que pudemos assistir, desfilaram à nossa frente velhas malhas nossas conhecidas, já do longínquo Vol. I de 2004 até ao mais recente registo deste duo tão nosso, passando por todos os discos de estúdio já gravados pelos Dead Combo.
Aqueles que conhecem os Dead Combo sabem que cantar não é com eles mas nunca se inibem de nos apresentar e contar histórias sobre as suas músicas. A sua voz também serve para outra coisa: apresentar os convidados e, neste concerto, não foram poucos. Ao lado dos dois músicos desfilou o trio de cordas de Carlos Toni Gomes . Para fazer as vozes na versão «meio restaurante chinês, de uma música [«Like a Drug» dos Queens of the Stone Age] que ouvimos imensas vezes enquanto estávamos na estrada porque o Pedro gosta muito dos gajos», os Dead Combo convidaram uma cantora lírica, que dá pelo nome de Ana Quintans, que captou os ouvidos de todos os presentes e os olhos de maior parte dos homens que assistiam (pelo menos eu apaixonei-me um bom bocado!). Tivemos ainda tempo de ver e ouvir os Dead Combo transformados em trio, com a adição do enorme Alexandre Frazão, «um gajo do Jazz», segundo Tó Trips. Do Jazz ou não (Frazão disse que não), a verdade é que o baterista trouxe uma agressividade que elevou o nível do concerto até patamares «saganianos»! Houve ainda tempo para a Royal Orquestra das Caveiras vir ajudar à festa, onde ouvimos «Waits» (que podia bem ter aparecido em Swordfishtrombones), «Lusitânia Playboys», com direito a muitos solos e, a acabar, «A Bunch of Meninos» e «Lisboa Mulata».
A banda despediu-se e saiu da sala, para reaparecer no palco do Coliseu e tocar duas músicas, em direcção à verdadeira despedida…
Alinhamento:
1. Povo Que Cais Descalço
2. Miúdas e Motas
3. Mr. Eastwood
4. Rodada
5. Sopa de Cavalo Cansado
6. Dona Emília
7. Cachupa Man
8. Putos a Roubar Maçãs
9. Arraia
10. Rumbero
11. Zoe Llorando
12. Esse Olhar Que Era Só Teu
13. Like a Drug
14. Pacheco
15. Eléctrica Cadente
16. Cacto
17. Manobra de Maio 06
18. Waits
19. Lusitânia Playboys
20. Cuba 1970
21. A Bunch of Meninos
22. Lisboa Mulata
Encore:
23. Hawai em Chelas
24. B. Leza
Fotos: Francisco Fidalgo