O veterano homem da guitarra segue em frente, num disco que mapeia a sua geografia musical.
Tó Trips nunca fica quieto. Seja em múltiplas bandas ou em todos os seus projectos a solo ou paralelos, parece sempre ser um homem, de certa forma, em fuga para a frente, talvez em fuga de si mesmo. Desde o punk dos Lulu Blind à consagração com os Dead Combo, nos novos Club Makumba ou a musicar o On the Road, de Jack Kerouac, o guitarrista foi construindo, ao longo dos anos, uma sempre interessante viagem pela música portuguesa, via resto do mundo.
Os últimos tempos foram duros para o músico, com a perda de vários amigos, acima de todos a de Pedro Gonçalves, a outra metade dos Dead Combo, levando ao fim da banda que as pessoas mais associam a Tó Trips. Com a pandemia, o mundo parou, e todos ficámos mais dados a balanços e introspecções. E, mais recentemente, ele foi para a estrada com os Xutos & Pontapés, assumindo provisoriamente o posto da guitarra-ritmo do seu grande amigo Zé Pedro. “Esta cidade está cheia de fantasmas para mim”, disse recentemente numa entrevista. E isso sente-se na sua música, e neste disco ainda mais.
O disco é Popular Jaguar, que nos dá uma espécie de Tó Trips total (se excluirmos, naturalmente, os seus mais abrasivos primeiros tempos rockeiros). O alinhamento é composto por temas compostos durante a pandemia e novas gravações de algumas músicas dispersas que havia feito para musicar obras de outros artistas, nomeadamente bandas sonoras e peças de teatro, parceiros simbióticos desta música tão visual.
Como seria de esperar, a guitarra está na frente e na origem de tudo. Há temas com contrabaixo, algumas subtis cordas e programações, e uns raros saxofone e acordeão. Mas o essencial é Trips e as suas guitarras.
Se o disco arranca de forma surpreendentemente acústica com “Dançar frente ao espelho”, rapidamente entramos em território familiar e imediatamente reconhecível. O tom e o estilo de guitarra eléctrica de Trips tem uma marca de água tão forte que sabemos logo onde estamos, em que companhia estamos. Este estilo nocturno de um fim de uma madrugada bem vivida, que tanto pode ser numa tasca lisboeta ou numa cantina mexicana quase sem clientes, é uma impressão que nunca abandona a sua música.
Este olhar para trás forçado – para um tipo que assume que não gosta de olhar para trás – resulta numa colecção de experiências, de viagens, de momentos, em que nunca se perde um duplo sentimento, que para nós define muito a música de Tó Trips: há sempre algo de assombrado no que ouvimos, mas há também sempre uma beleza e um estoicismo de seguir em frente. E isso, neste disco, é abundante de forma que chega a ser pungente.
Os títulos das músicas remetem-nos também para esse universo de viagens, desde “LA Chet”, “Nazaré em câmara lenta” (quase sem guitarra!) ou no muito curioso exercício de “NY Postcard”.
Quando falamos de Popular Jaguar como um trabalho de Tó Trips total é porque ele surge mais presente e mais vulnerável do que nunca (por falar nisso, é a primeira vez que aparece sozinho na capa de um disco, ao seu terceiro trabalho a solo). Mais ainda do que o álbum, esse fenómeno de recolha, de balancete de uma vida, é reflectido no livro “Ínfimas Coisas”, com fotos de viagens do músico com apontamentos escritos pelo mesmo, e que acaba por ser um irmão gémeo do disco.
Voltando a este, o melhor que podemos dizer é que estamos perante um trabalho maduro, bonito e marcante, que em nada fica a dever às melhores coisas que fez no passado, nas suas várias encarnações. Tó Trips é já um veterano herói (involuntário, como todos os bons heróis) da música alternativa portuguesa. Aproveitemos Popular Jaguar para o celebrar, novamente.