O primeiro dia do NOS Alive é já passado. Final de tarde e noite até às tantas com muita e variada música. Palmilhámos muito terreno e ouvimos o que queríamos ouvir. Do dia de ontem, restam apenas as palavras que se seguem.
E lá fomos nós, de vontade e desejo às costas, até à décima quinta edição do NOS Alive. Como os bons hábitos não se devem perder, metemos o pé a mais uma aventura, que é fazer a reportagem de um Festival de Música. E não se trata de um qualquer evento musical, como bem sabemos. É o NOS Alive, consagrado acontecimento entre terras lusas e todas as outras além fronteiras. E se o NOS Alive é do mundo, aí fomos nós à sua descoberta, uma vez mais. Para isso, mesmo com as infindáveis greves a que dificilmente nos vamos habituando, fomos de Oeiras até Algés. Perto e bom caminho. Era tempo de voltar a sonhar. The Dream is Alive! (Tentem, já agora, imaginar esta expressão em néon, que fará mais sentido.) Muito saberão o que queremos dizer com isto, certo?
Três dias ainda é algum tempo. Mas três dias num ano, é curto. Por isso, a ideia é aproveitar cada minuto. No entanto, um Festival não é só música, é também gente (muita, por vezes demasiada, embora faça parte da coisa), alegria e confraternização. Cerveja (muita, por vezes demasiada, embora faça parte da coisa) e festa! Com ingredientes destes, estaremos mais próximos da felicidade efémera que se iniciou ontem, e que ainda se estenderá até sábado. Get on board e vamos lá começar isto!

Gostamos de começar estes textos com artistas portugueses, quando possível. E ontem foi. Ana Lua Caiano foi quem se apresentou quase ao final da tarde, no palco WTF. A sua cena musical é misturar loops e batidas com uma certa onda de música popular portuguesa. Será mais ou menos isto. Vai construindo os loops à medida que avança nos temas. Sozinha em palco (mais maquinarias e bombo, ou coisa que o valha), foi mostrando os seus mais recentes temas. O EP Se Dançar É Só Depois foi o municiador principal do concerto, embora temas do primeiro (Cheguei Tarde a Ontem) também tenho preenchido o tempo que esteve à nossa frente. Pouco depois, apareceu Fred Ferreira, e com ela tocou “Dói-me a Cabeça e o Juízo” e ainda a “Adormeço Sem Dizer Para Onde Vou”. Ana Lua Caiano parecia uma mulher do campo (um fardo de feno à sua frente e um colar ao pescoço da mesma matéria) a dominar batidas eletrónicas, o que parece ser uma boa metáfora para o que assistimos.

Depois tentámos o rock adolescente de The Driver Era, mas não houve grande empatia. Abriram o palco principal, o NOS Alive, e isso poderá querer dizer alguma coisa de positivo, mas talvez nos tenha escapado. Uma ou outra canção simpática, talvez orelhuda, mas apenas isso. O rapaz da série da Disney esforçou-se, é um facto. Como se vê, há sempre algo de positivo em todas as coisas.

Um Homem e uma guitarra, mesmo que em Catarse, podem fazer coisas bem boas. “Hotel Saturno” e “O Tempo que Nos Consome” foram os temas iniciais. Tudo para “lamber as feridas” deste tempo que não nos trata bem. Por vezes, há ecos de Sétima Legião, mas o que mais importa e interessa é o que o músico faz da guitarra. Bons solos, uma vez que as suas composições são de incidência instrumental. “Danças Marcianas” foi outro bom momento. O tema que deu “polémica” no Bons Sons é forte, tem pulso, garra a rodos. E soa sempre bem. Este Homem em Catarse merece maior atenção. É sempre Uma Viagem Interior. Apontem e vão investigar. Não serão necessários agradecimentos da vossa parte. Estamos sempre ao serviço.

Men I Trust é bonito, tem uma certa magia de fim de tarde, sabe bem ouvir. Calmo, relaxante, e para isso a voz (quase pueril) de Emmanuelle Proulx ajuda muito. Mas também sabem fazer-nos dançar, estes canadianos. A competência do homem do baixo não deixa ninguém inquieto, quando é hora de dar ao pé. Foi de Untourable Album que quase todos os temas do concerto saíram. O disco é sombrio e nebuloso, e assim foi a apresentação da banda. Eficaz e simpática, muito mesmo, mas o ritmo de Club Makumba, mesmo ali ao lado, também chamava por nós. Resistimos por meia hora ao seu chamado, mas lá fomos em busca daquele sabor a África e a rock ao palco WTF.

Os projetos de Tó Trips são sempre de interesse. Depois do triste fim dos Dead Combo, aqui vem de novo o nosso bom rocker mostrar a sua eterna irrequietude. Este rock com tempero afro-latino é uma bela mistura, e o saxofone, quando se destaca, faz boa mossa. Foi uma poderosa atuação! Sempre a rasgar, mantendo o público bem aceso. Aqui não há grande espaço para algumas das atmosferas poéticas dos saudosos Dead Combo. Aqui, vale o vigor e o ataque rítmico. Por vezes, parece música de combate, aquilo que se ouve. Só que, felizmente, sem quaisquer feridos, isto se não pensarmos nos tímpanos. Muito bom. Rock on!

O rock mascarado dos Puscifer tem o seu encanto, se não formos ouvintes incautos. Não é música para cantarolar, não entra à primeira, mas o electro-prog-rock da banda acaba por vingar, se lhe dermos tempo. Maynard James Keenan, o homem que dá voz aos Tool e aos A Perfect Circle sabe da poda. A teatralidade das personagens em palco ajuda a que se goste deles. O palco parece ganhar uma dupla dimensão, a óbvia e a outra, a que nos transporta para um outro universo, onde a máscara tem um propósito maior. Irónico, pois claro, com um humor muito particular. Billy D, Major Douche e Dick Merkin (um agente especial) são atores que muitos seguem com apreço. A música tem espessura e eles também. Foi um bom e inusitado encontro, este dos Puscifer com o NOS Alive.

A logística de quem sozinho tem de fazer uma reportagem que se deseja abrangente, tem vários problemas, desde logo os estomacais. À hora de jantar, Yaya Bey e Jacob Collier atuavam nos palcos WTF Clubbing e Heineken, respetivamente. Assim sendo, o que sobre eles escrevemos mais não é do que sobremesas ligeiras. O nome crescente da mais recente onda R&B deu um bonito concerto. Com alguns problemas técnicos e de voz, Yaya Bey conseguiu cativar a tímida plateia do palco WTF Clubbing, desfalcada em detrimento das filas para jantar (lá está) e do concerto de Jacob Collier (pois claro).
Entre canções, a artista falou sobre como queria ocupar o seu espaço, especialmente enquanto mulher negra na Europa, e como a sua música e os concertos não serviam apenas para entreter. Disse ainda que esperava que o público saísse dali um bocadinho mais curioso, ainda que desconfortável, a propósito de se abordar temas como o racismo e o feminismo num ambiente que se quer de festa descontraída.

Já o talentoso Collier, fez do seu concerto uma parafernália de coisas a acontecer (canto, dança, um pequeno festim de entusiasmos vários. A portuguesa e amiga Maro participou no tema “Lua”, mais para o final da atuação, bem juntinhos (ele e ela) ao piano. Teclas e voz que soam como se a perfeição existisse. O inovador artista britânico tem ainda muito para dar, disso não sobraram quaisquer pontas de dúvidas. Bem groovy, o concerto. Reinou a felicidade naquele palco.

E por volta das 21.30 horas, os The Black Keys atacaram! Para muitos, continuam a ser entusiasmantes, tanto em disco como em palco. Para outros (e em elevado número também) são o resto de uma história que terá tido um início quase épico. Os amigos de infância Dan Auerbach e Patrick Carney vieram ao NOS Alive apresentar o mais recente trabalho da banda, intitulado Dropout Boogie, lançado no ano passado. O concerto de ontem, meio morno, foi um regresso ao mesmo local, onde em 2014 haviam estado. Eram mais jovens, e a sua música mais interessante. “Little Black Submarine” e “Lonely Boy” foram as mais adoradas, claro está. No entanto, os velhos rockers ainda rockam, e são bem capazes de dar uma coça aos mais descrentes. E, aqui para nós que ninguém nos ouve, foi mais ou menos o que nos aconteceu.

E, de súbito, já só se ouvia em Algés Inteiro o baixo de Flea. Os Red Hot começaram a lançar as suas bombas rítmicas à hora marcada. Nenhum concerto no NOS Alive a não ser o dos Chili Peppers americanos. Por incrível que pareça, foi a primeira vez que atuaram neste festival. Os Red Hot Chili Peppers tiveram um arranque prometedor, apenas instrumental durante uns largos minutos. O ambiente sonoro meio apunhalado que é a imagem de marca da banda, continua sem se alterar. Até os novos álbuns, ambos lançados em 2022, vão na mesma linha, com o dedo de ouro de Rick Rubin, espécie de mentor à distância da banda. Contrariamente ao que se esperaria, Anthony Kiedis ainda não se tinha desembaraçado de metade da roupa com que entrou em palco. Aliás, chegou da mesma maneira ao fim. Apesar do vento frio, a coisa estava a aquecer com a continuidade do alinhamento. Depois de já terem tocado temas como “Can’t Stop”, “Suck My Kiss” e “Right on Time”, esta última com homenagem aos The Clash (com piscadela de olho a “London Calling”), voltaram a um breve momento de jam, algo semelhante ao do início do concerto. Outros instantes de interesse? A cover dos Funkadelic (“What is Soul?”) e as conhecidíssimas “By The Way” e “Give It Away”. Já se fazia tarde e queríamos acabar com uma pitada de indie-rock.

Os Spoon são uma banda com lastro nesse estilo de música. Desde o distante Telephono (2006) que os rapazes de Austin andam nestas vidas de discos e de palcos. Guitarras sempre no ar e alguns temas bem épicos preencheram boa parte do concerto no Palco Heineken. Visivelmente satisfeitos pelo público bem festivo à sua frente, os Spoon entregaram-se de corpo e alma e durante uma boa hora mostraram que estão em boa maré e que se recomendam vivamente. É verdade que o dia já ia longo e que mais duas doses idênticas se avizinham, mas os norte-americanos tiraram-nos o cansaço do corpo. Temas como “Wild” (que nos fez lembrar um pouco os Echo & The Bunnymen), “My Babe” e “The Way We Get By” tiveram enorme e entusiasmada receção. Era mesmo dessa energia que estávamos a precisar e Britt Daniel, Alex Fischel e companhia estiveram em grande. Para nós, foi mesmo o melhor momento deste primeiro dia de NOS Alive.
Amanhã, mais ou menos por esta hora, daremos mais notícias. Não faltem, que nós também não.
Fotografias: Inês Silva (The Black Keys e Red Hot Chili Peppers cedidas por Arlindo Camacho/NOS ALIVE)