A NOS Discos faz serviço público pela música portuguesa. Fomos falar com o diretor artístico Henrique Amaro, analisamos o legado recente da série e revelamos um segredo que deveria ser revelado só em 2015
DJ Ride, Mazgani, Coldfinger, Voxels, Linda Martini, Balla, Os Pontos Negros, Blaya, Best Youth, Real Combo Lisbonense e mais, muitos mais. Em comum, todos editaram discos em anos recentes na plataforma Optimus Discos, transformada este ano em NOS Discos com a fusão da operadora com a Zon. Por detrás de tanto disco há um homem cujo nome é sinónimo de vitalidade e partilha de boa música portuguesa: Henrique Amaro, radicalista da Antena 3, cujo currículo é extenso demais para aqui revelar, curto ainda para tudo o que pode ser. Fomos falar com o programador destas edições e acabámos com uma novidade dada em primeira mão ao Altamont: em 2015 haverá um vinil a assinalar as 100 edições da Optimus/NOS Discos. Pelo caminho, escrevemos umas linhas sobre alguns dos mais recentes discos da coleção. A música portuguesa continua a gostar de si mesma, e nós dela.
Altamont: Vou começar por te pedir para me falares um bocado do começo de tudo isto. De como surgiu a parceria com a Optimus, entretanto NOS, de como surges tu neste projeto, qual a ideia inicial, a data da mesma, etc. E quando é que há uma transição nos discos, antes apenas EPs e agora também álbuns.
Henrique Amaro: Ao longo dos tempos, sempre me incomodou a dificuldade que os músicos tinham em concretizar uma edição, ao mesmo tempo que me fascinava a perspetiva de os editar. Como tinha umas ideias estruturadas, decidi apresentá-las à NOS (ex-Optimus) e tive a sorte de ser recebido por pessoas com vontade em participar neste processo. O principio da NOS Discos baseia-se numa mistura entre o romantismo nos hábitos de consumo e edição que foi prática nas últimas décadas e, os novos sinais explorados pelas net labels e pelos novos públicos. Daí vem o convívio entre o download gratuito e a existência de discos físicos. Nestes seis anos (começámos atividade em Abril de 2009), fomos afinando a ideia original e quebrando uma certa rigidez de formato que se expressava nos primeiros passos.
Como é um dia na vida do Henrique Amaro em 2014?
Tenta ser vivido com a mesma alegria todos os dias. Divide-se entre obrigações e prazeres familiares e profissionais. Ir á praça comprar brócolos mistura-se com a audição de uma gravação que chegou por e-mail e cozinhar o jantar é oportunidade para ouvir pessoas a falar na rádio.
Li que és de Queluz. Confirma-se? Eu cresci e vivi muito da minha vida entre Queluz e Massamá. Conheces os croissants da pastelaria Marianita?
Vivi em Tercena e sou um orgulhoso suburbano convertido à freguesia de Santa Maria dos Olivais. Os encantos da linha de Sintra e, Queluz em especial, fazem parte da minha vida. Vi crescer o Babilónia, frequentei a Marianita, a Bucha, a Fonte dos Namorados, o Lido, o Monte Abraão, comprei dezenas de discos na Europa-América, fiz tudo o que tinha direito e mais alguma coisa nesse território. Depois, havia sempre a noção que estávamos a 25 minutos do Rossio e aqueles comboios eram os nossos tapetes voadores.
Mais a sério: o bicho da rádio começa no Liceu?
Sim, foi através de um núcleo de rádio desenvolvido no liceu pela associação de estudantes que tive a experiência precária do que era a Rádio. Depois disso, um amigo levou-me à Rádio Mais e foi com esse grupo de entusiastas que o destino se traçou.
E a música, sempre foi uma presença em tua casa?
A primeira «aparelhagem» chega a casa no final dos setentas e acompanhada por uns discos emprestados aos meus pais – Carlos do Carmo ao vivo no Olympia e Os Malteses do Vitorino – foram os que mais me marcaram. Curiosa é a presença dos rádios. Existiam uns cinco, espalhados pela casa.
É daquelas perguntas que não se faz. Mas toma lá: escolhe-me dois ou três discos emblemáticos de entre todos os que editaste até ao momento via Optimus/NOS Discos.
Arrisco no lugar-comum: «vocês sabem quais são…».
Estamos quase a atingir as 100 edições destes Optimus/NOS Discos. Vamos em quantas? Quais são os próximos discos a sair? E o que podes já adiantar sobre essa efeméride?
Até agora temos 96 edições concretizadas e disponíveis em http://www.nosdiscos.com. Em janeiro, iremos editar os Sampladélicos, o Francis Dale e mais um que está por decidir. Depois vamos assinalar a edição 100 com um vinil duplo que tentará resumir os primeiros cinco anos de atividade.
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Ana Cláudia, diz quem sabe, podia ter sido bailarina ou atriz, mas a música falou mais alto. Licenciou-se em Jazz pela Escola Superior de Música de Lisboa e já tocou em vários conjuntos ligados às raízes tradicionais portuguesas. Ben Monteiro pegou na doce voz de Ana e produziu De Outuno, que sai na altura certa: é um disco que reclama quente, lareira, castanhas, um tinto, talvez uma manta e algum mimo. Cinco bonitas faixas. E uma muito bonita cantora. E mulher.
Stereossauro – Bombas em Bombos
Stereossauro é um nome regular na programação de clubes e festivais e sagrou-se campeão do mundo de scratch, em 2011, com os Beatbombers, projecto que partilha com DJ Ride. Bombas em Bombos, que agora chega, é a sua estreia em álbum. Stereossauro não está sozinho: nesta saudável cowboyada aparecem Skillaz, Ricardo Gordo, Dealema, Xeg, e o inevitável Ride. Partindo do rap mas com passagens pelo rock, pela tradição portuguesa e por música do mundo – será uma citar que ouvimos em «Big Butts»? – este é um disco homogéneo e bem jeitoso. Podendo, é degustar.
Keep Razors Sharp – Keep Razors Sharp
Afonso, Rai, Braulio e Carlos BB já estão por dentro do assunto há uns bons anos. Todos já fizeram parte de diferentes bandas, e quase todos continuam com projetos musicais paralelos (Sean Riley & The Slowriders no caso de Afonso, Rai em The Poppers, Braulio e BB em Riding Pânico e Pernas de Alicate, respetivamente). A música e as bandas não são uma coisa nova, a novidade está nesta união onde «o plano era não ter plano nenhum», permitindo que os quatro pudessem dar o melhor que sabiam em Keep Razors Sharp. Meteram a calma e a intensidade a trabalhar lado a lado, lançando um trabalho final com 11 faixas. São destaque, por exemplo, «The Lioness», que abre as portas para este álbum com um rock mais psicadélico, mais shoegaze, ao dar-nos, em primeira mão, a linha que a banda pretende seguir e que não é quebrada ao longo do disco.
The Vicious Five – Ghost Eviction
Os Vicious Five foram a próxima grande banda portuguesa durante um bom período de tempo. Ghost Evicion são quatro canções que sobraram de um outro tempo a que nos sabe bem voltar. Eles bem dizem que banda não é muito diferente de um casamento e «depende de química, tesão, provocação, respeito, perdão, diálogo, gritos, abraços, falar e ouvir». Os Vicious Five foram uma das bandas mais tesudas do rock recente feito em Portugal, acabaram, voltaram para o funeral, e terão os seus discos nas nossas estantes até à eternidade. Descansem no caos.
Tiago Saga é o fundador dos Time for T, um luso-britânico que nasceu em Inglaterra, cresceu no Algarve e vive atualmente em Brighton. Inglaterra, Espanha, Suíça e Portugal cruzam-se numa banda que toca em várias praias: tanto são indie rock como dão um mergulho no country, pontualmente salpicam no reggae e também há jazz aqui metido ao barulho. São uma salganhada e isso não é uma crítica, antes um (semi-) elogio.
Duquesa é o projeto a solo de Nuno Rodrigues, dos Glockenwise. É um disco distante das tempestades rock do sólido conjunto de Barcelos. A voz de Nuno surpreende, as composições – meio caminho entre a juventude desprendida e o classicismo de escrita dos sábios – são boas e o todo é surpreendente. Uma das revelações maiores dos tomos recentes da NOS Discos.
Alex d’Alva Teixeira é a figura maior dos D’Alva, mas este não é um grupo de um homem só. #batequebate é um dos momentos musicais de Portugal mais celebrados no presente ano, saboroso cocktail de melodias pop, sonoridades eletrónicas e letras simples mas eficazes e, importante frisar, de fácil retenção. Quem os viu ao vivo, sabe ao que vem – e este verão terão sido poucos os que não tiveram oportunidade de tomar contacto com esta rapaziada. Partindo da pop, há espaço para a soul e alguma negritude e densidade, tudo doseado e centrado na figura de Alex, rapaz enérgico, bem-disposto, que um dia figurará num dicionário moderno ao lado da expressão «dar tudo». #batequebate é um inesperado bom momento pop da música portuguesa contemporânea. Livre, leve e solto, como canta Alex a certa altura. Mas, ainda assim, importante e pertinente.
Doze faixas, um único clube: disco de amigos e para amigos, produzido pelo omnipresente Fred e por Bernardo Barata, e com Diego Armés ou Cícero entre os presentes. Uma equipa convocada por Marcelo Camelo. Boas cantigas de gente que domina a coisa, vozes em harmonia, bons arranjos, meio tropical e meio português. Num todo bem bom.
TAPE JUNk – The Good and the Mean
Se dissermos que The Good and The Mean convoca Frank Black e Silver Jews, no que estes têm de reinvenção indie do velho country, estamos ainda a dizer muito pouco. Se acrescentarmos que o rockabilly e o western spaghetti dão uma importante segunda demão às canções, continuamos ainda a apalpar o disco às cegas. O que o álbum de estreia de TAPE JUNk nos dá é outra coisa: um pouco de verdade.
Os Ermo apresentam-se como a pontinha da vanguarda musical portuguesa, não tendo medo em ir além do seguro e easy listening, para nos refrescar a cabeça com ideias libertárias, reivindicativas, que tanta falta nos fazem… especialmente hoje em dia. Se Zeca Afonso fosse vivo e adepto da eletrónica, com certeza que estaríamos agora a falar de um trio e não uma dupla. Das oito faixas do álbum nascem uma série de sensações diferentes, quase sempre, mas coesas e concordantes: nunca saltar entre o amor dos pais, a revolta face a um país amorfo e o desejo de mudar, soou tão bem.
Texto de Pedro Primo Figueiredo com Filipa Dornellas, Ricardo Romano e Diogo Lopes
óptimo! Puxa para o lado certo.