Clarão, segundo álbum dos lisboetas PAUS, não é o disco mais fácil do mundo de se ouvir. Violento, agressivo e intempestivo, é um trabalho impróprio para espíritos tranquilos – para os restantes, é aquele murro na mesa que muitas vezes queremos e não podemos dar. E isto é um elogio.
Antecedido há um par de meses por “Bandeira Branca”, single que não convenceu nem agarrou como temas anteriores, Clarão são dez temas e 40 minutos quase sempre no limite e onde a mudança na formação do grupo se faz sentir: as teclas de Shela, que entretanto abandonou os PAUS, são açambarcadas pelas guitarras de Fábio Jevelim e, cada vez mais, pelo fogo que emana da bateria siamesa unida pelo mesmo bombo que Hélio Morais e Joaquim Albergaria conduzem nesta real locomotiva de porrada.
“Primeira”, faixa seis da novidade, foi, lá está, o primeiro tema a ser composto para Clarão e marca uma transição: depois de uma faixa cinco, “Ambiente de Trabalho”, relativamente serena e planante, a reta final é de uma intempestividade surpreendente. Poucas vozes, muita bateria e uma sonoridade a destilar pujança. Não é para todos, mas com o espírito certo, a experiência recompensa.
Se É Uma Água, o EP de estreia de 2010, trouxe para a cena portuguesa o reflexo de um “math-rock” praticado por nomes como Battles ou Foals, e o homónimo álbum de estreia alargou horizontes num registo com canções um pouco mais próximas do convencional (nada contra, atenção), Clarão baralha e volta a dar – perdeu-se alguma subtileza, certo, mas ganhou-se uma banda consciente de que no caos é possível vislumbrar a luz.
Clarão é tribal, estrangula e atropela. Não é o disco para trazer no carro para seduzir a companhia que levámos ao cinema, dificilmente conterá as canções a serem ouvidas no nosso casamento. Mas é o álbum do sexo e do amor selvático e revigorante, desprendido embora intenso, caótico na urgência do hoje e agora, mas ainda assim com os pés no chão e um bom gosto assinalável.
Esqueçam os jantares às luzes das velas e as compilações “chill out” do Café del Mar. Este disco não é para meninos.