Um disco que vai para além do prazer estético, convidando à adesão espiritual. Durante 58 minutos voltamos a ter compaixão pelo mundo.
Quando o trip-hop nasceu em Bristol no início dos anos 90 já era uma estética de fusão, enxertando as Antilhas na Europa, a música electrónica de dança no hip-hop, o dub no R&B. Que essa fusão se estendesse à chamada world music seria um passo mais do que natural. Nitin Sawhney não fora o primeiro a explorá-lo mas o seu Beyond Skin arrisca-se a ser o espécime mais feliz desse casamento. A sua própria história familiar era um convite: foi com a pele bonita dos indianos Punjabi que Nitin cresceu em Inglaterra, com todas as dificuldades que isso lhe trouxe a nível de estigma e preconceito. Sawhney fez-se gente num tempo difícil em que a fascista National Front arrebanhava recordes eleitorais (tantos anos depois, os espectros do populismo xenófobo voltam a pairar, desta vez sob a forma do Brexit). Por isso, todo este disco está para além da pele, misturando vozeares exóticos indianos com batidas drum’n’bass, o som aquático das tablas com samples de funk, flautas de bambu com o swing do jazz. Mais: Beyond Skin transcende o próprio eixo Índia-Inglaterra, trazendo outras latitudes para o caldeirão, como o flamenco e o português adocicado do Brasil em “Homelands”. É esse o primeiro grande tema do disco: a ideia de que a cor da pele não define quem somos, que cada um de nós tem o poder de construir livremente a sua própria identidade.
O segundo tema de Beyond Skin é a crítica à proliferação nuclear. Samples de notícias vão dando conta de testes nucleares na Índia e em França, amplificando o dramatismo da própria música. São momentos de grande peso emocional, em que cada nota chora o estado do mundo, e um calafrio gelado nos percorre a espinha. É essa a grande virtude deste disco: vai para além do prazer estético, convida à adesão espiritual. É claro que as melodias são lindas, as suas batidas trip-hop são saborosas e a produção é maravilhosamente cristalina. Não negamos que as suas texturas sónicas causam um obsceno deleite aos nossos headphones. Mas o seu verdadeiro poder está noutro sítio: na suspensão, nem que seja provisória, do nosso cinismo. Durante 58 minutos voltamos a ter compaixão pelo mundo.