Uma festa trágica, na ressaca de um amor finado. Mais do que música, é cinema e verdade.
Recapitulemos. Lorde fora a menina-prodígio que aos 16 anos nos oferecera Pure Heroine, todo um ensaio em como conciliar melancolia com apelo pop e cinismo teenager com a verdade de uma geração. O hype aconteceu, “Royals” vendeu que se fartou, de maneira que as expectativas para o segundo álbum – deixadas a marinar durante quatro longos anos – eram irresponsavelmente elevadas. Lorde não quis saber: com a maior desfaçatez do mundo, ofereceu-nos um disco ainda melhor. Menos radio friendly, é certo, mas pagando tudo o que devia com a devida ambição e maturidade.
Pure Heroine era coeso demais, como se “Royals” nos fosse oferecido em dez fascículos; Melodrama é diverso e caótico, mudando de cor como o camaleão, mesmo dentro do mesmo tema. A melancolia de Pure Heroine era óbvia, servida através de uma electrónica fria e gótica; a amargura de Melodrama é mais subtil e orgânica, escondida debaixo do piano que atravessa o disco. Pure Heroine falava em nome de uma geração; Melodrama fala só em nome próprio, o “eu” destroçado mandando o “nós” para o diabo.
Melodrama é um Blood on the Tracks para o século XXI, o lamento por um amor que chegou ao fim. A força deste disco decorre do palco escolhido para o luto (ou da incapacidade de o fazer): uma festa regada e desmedida, para tentar fintar a solidão. Há algo então de deliciosamente decadente, quase felliniano, neste festim sórdido onde se geme de prazer apenas porque não se quer chorar. Melodrama vive muito deste sentido do grotesco, deste verniz obsceno sempre prestes a estalar.
E às vezes estala mesmo: a música para; a luz apaga-se; a festa chega ao fim. Se alguém ainda dança é porque dança sozinha, de maquilhagem e alma esborratada. São os momentos mais comoventes do disco, baladas lindíssimas como “Liability” e “Writer in the Dark”, com uns pozinhos de Bowie e de Kate Bush a temperar a dor e o silêncio. Nestas alturas, Lorde substitui as harmonias vocais arty à Laurie Anderson por uma voz crua e vulnerável que expõe toda a sua alma. As melodias são bonitas e as letras invulgarmente inteligentes, mas é a sinceridade desta voz que eleva tudo para outro patamar. Uma voz que nos toca, como nunca o postiço auto-tuning poderia alguma vez tocar. Uma voz verdade.
Bowie disse um dia que Lorde era o futuro da pop. Talvez exagere; o futuro é incerto, mesmo para o deus Bowie. O que já é mais pacífico é o seu lugar no presente: a autora pop mais singular e inteligente da sua geração. A mãe Lana Del Rey e a filha Billie Eilish podem ser enormes. Mas só Lorde é a suserana.