Forçado a pensar mais pormenorizadamente neste Their Satanic Majesties Request a propósito do Especial Altamont programado para este mês, dei por mim a tentar encontrar as razões que me fazem gostar mais deste disco do que de qualquer outro da extensa discografia dos The Rolling Stones. E, a bem dizer, julgo ter chegado a algumas boas conclusões. Não pretendo aborrecer-vos com todas, pelo que registo apenas a principal: é o disco mais beatleniano que os Stones alguma vez fizeram. Sempre preferi os rapazes de Liverpool a Jagger e companhia, embora saiba perfeitamente da importância destes últimos na história da música rock do século passado. É apenas uma questão de ouvido. Ou talvez um pouco mais do que isso, mas o que importa agora é Their Satanic Majesties Request, álbum louco, autêntico objeto sonoro psicadelicamente bem identificado. Surgiu nos ares do planeta já na ponta final de 1967, a 8 de dezembro, e terá sido a resposta dada pela Decca Records ao lançamento de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Perante esse disco tão grandiosamente novo e inusitado, nada como uma pronta reação que, tal como o disco dos seus amigos The Beatles, trouxesse em definitivo a visão psicadélica para a ribalta da música popular. No entanto, essa variante do rock tão impregnada de imagens sonoras, fantasias, experimentalismos e alucinações, não tinha propriamente a cara dos Stones, mais puros na sua linguagem de aproximação do blues ao rock. Mas o tempo ditou as suas leis, e o oitavo disco da banda inglesa trilhou mesmo o caminho que se ia impondo na década de 60.
A gravação do disco decorreu durante largos meses, e esse período de tempo foi extraordinariamente conturbado, envolvendo problemas com drogas e com a justiça, prisões e cauções para garantir a liberdade de Jagger, Richards e Brian Jones (no famoso caso Redlands, por exemplo). Como se isso tudo não bastasse, zangas internas e a saída do produtor e empresário Andrew Loog Oldham do projeto de gravação, tornaram as coisas ainda piores, ao ponto de apenas por uma única vez a totalidade da banda se ter apresentado junta em estúdio. Um autêntico caos, espelho das vidas dos integrantes dos Stones naquele ano de 67. Para tentar resolver todo esse mar de problemas, a ideia de trazer para estúdio os próprios The Beatles (facto considerado por muitos como impróprio, mas aceite, embora com bastantes reticências) revelou-se sábia e acertada, uma vez que eram eles, os rapazes de Liverpool, quem mais recentemente tinham dado provas de mestria em lidar com a linguagem psicadélica pretendida. Tudo se fez com grande secretismo, mas na capa original do disco, junto aos cinco membros da banda que se encontram sentados lado a lado, podemos encontrar as caras de Paul, George, John e Ringo, exatamente por esta ordem, da esquerda para a direita. Basta saber procurar. Os nomes deles, no entanto, não constaram nos créditos de gravação de Their Satanic Majesties Request, embora tenham participado em várias faixas do disco, como na maravilhosa “Sing This All Together”, que abre o disco da melhor maneira. As tablas, o saxofone, a percussão e um sem número de outros instrumentos quase escondem as vozes de McCartney e Lennon, que aparecem pelo meio das de Jagger, Richards e Wyman. Depois surge a canção preferida de Keith, “Citadel”, com a sua guitarra a elevar-se acima de tudo e de todos os outros instrumentos. “In Another Land” acentua a estranheza do disco, e terá resultado de uma brincadeira de estúdio. É a única canção-single do grupo a não ter Mick Jagger nos vocais, o que não deixa de ser uma referência importante. Bill Wyman empresta a sua voz ao tema de sua autoria, e empresta também o ressonar final da faixa, que no entanto apenas se pode ouvir no álbum, e não no single, por ter sido cortado para a estranheza da faixa não ser ainda maior. O terceiro tema é “2000 Man”, marcadamente mais blues do que psicadélica, até que o lado A finaliza com uma espécie de jam session muito particular, que volta a contar com os dois beatles, e ainda com o grande John Paul Jones, que poucos meses depois, em setembro do ano seguinte, surgiria nos recém formados Led Zeppelin.
Virando-se o disco, “She’s a Rainbow” faz-se ouvir de forma resplandecente, e é seguramente (pelo menos para mim), uma das melhores canções alguma vez escritas pelos Stones. O verso “she comes in colours” (autêntico achado semântico) que se pode ouvir na voz de Jagger, é igualmente título de canção dos também psicadelicamente maravilhosos Love, single do álbum Da Capo. O disco avança com a bonita “The Lantern”, e segue para “Gomper”. Aqui, o universo musical ruma a outro continente, e os sons indianos prevalecem. Nunca me cativou esta canção, mas tem, mesmo assim, os seus momentos de interesse. Parece-me uma peça algo fora de contexto, ingrediente a mais no caldeirão sonoro de Their Satanic Majesties Request. “2000 Light Years From Home” é bastante autobiográfica, podendo entender-se, nos seus versos, referências ao período em que Jagger e Richards estiveram presos. Por fim, “On With The Show” termina o disco com mais uma jam session, e assim se completam os 40 minutos de um álbum que surgiu milagrosamente, emergindo das vidas conturbadas dos seus executantes, mas que marcou uma época única, embora tenha sido muitas vezes uma obra renegada pela própria banda. Neste Their Satanic Majesties Request, os Stones vestiram uma casaca pouco confortável, mas ficaram bem na fotografia. Muito bem, até. É um disco único, no sentido mais verdadeiro que a expressão possa ter. Raro, e excecional. Uma espécie de one-off irrepetível. Tanto mais que, de seguida, os discos Beggars Banquet, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile In Main St. provariam que o caminho seguido em Their Satanic Majesties Request era já passado.
Nota: o que neste texto se diz sobre a presença dos dois beatles na gravação do disco dos Stones, não deixa de ser, ainda hoje, uma história a carecer de confirmação absoluta, passe a redundância da expressão. Optei por inclui-la, mesmo correndo o risco de alguns dos leitores destas linhas poderem julgar o contrário. Nenhuma importância terá uma definitiva palavra sobre o assunto. Verdade ou mito, pouco importa, até porque “that’s what rock n’ roll is all about”…