Não dizer muito bem, como gostaríamos, de quem gostamos muito, é uma chatice. Mas, a ser feito, que se faça com o respeito que o músico nos merece. Devendra Banhart não fica bem de peruca.
Há já quase uma mão cheia de anos que Devendra Banhart não nos dava notícias frescas em forma de canções. Aconteceu este ano, naquele que é, feita a contagem ao passado, o seu décimo primeiro álbuns de originais. Já tem, por assim dizer, uma equipa formada e já todos conhecemos, embora com algumas nuances, como tem ido a jogo ao longo do seu percurso musical. A bem da verdade, é bom dizê-lo, tem vindo a perder algum fôlego desde o excelente Mala (2013), mas Devendra Banhart, para nós, terá sempre um ombro amigo onde repousar a sua arte.
Ao que parece, o recente Flying Wig foi gravado numa pequena cabana perdida algures em geografias distantes da América (Topanga Canyon), local onde Neil Young também terá permanecido algum tempo da sua vida. Não se nota, ouvindo o álbum, que o espírito do velho bardo canadiano tivesse influenciado o texano. Ao que consta, durante o período de gravação do disco e em algum do tempo anterior a esse feito, Devendra só ouvia Grateful Dead, o que também não se nota, diga-se. Acompanhado por Cate Le Bon, que funcionou como faz-tudo (ou quase) na gravação e na composição desta peruca voadora, a dupla Banhart-Le Bon enveredou por um certo hibridismo sonoro que o criador de Cripple Crow (2005) tem vindo a trilhar desde Ape In Pink Marble (2016). Agora, o sintetizador é quem comanda. A estética é essa, feita de teclas e canções sem as elegâncias sonoras de outrora. E algo nos diz, embora possamos estar enganados, que poderá estar na hora de um novo impulso, mister Banhart. De um novo rumo.
A vontade em trabalhar com Cate Le Bon era muita, e a base inspiracional do trabalho parece ter surgido de um poema de Kobayashi Issa, poeta e budista japonês que viveu nos séculos XVIII e XIX. Com a intenção de fazer despertar a sua essência mais feminina, diz-se também que Devendra Banhart usou quase sempre um vestido que Cate lhe ofertou, a par de jóias da avó e outras coisas afins, durante todo o processo de gravação. Segundo o próprio, os resultados foram os esperados, sendo que Flying Wig é o disco mais feminino do músico. Tudo certo, até aqui. Tudo muito bem. Mas na verdade, e dando ouvidos ao juízo das nossas várias audições, faltam canções onde sobram intenções etéreas nem sempre feitas com final feliz, nem sempre com o estilo e a elegância de outros (saudosos) tempos. Mas, antes que nos entendam de forma errada, é claro que continuamos a gostar de Devendra Banhart, mesmo sendo certo que já estivemos mais próximos, se é que nos fazemos entender. No hard feelings, no entanto, que os amores que nascem fortes, quase nunca terminam.
Mas vamos às canções, às melhores que Flying Wig nos oferece. “Twin” foi a escolhida para primeiro avanço do álbum. De alguma forma, “Twin” diz o que Flying Wig é, um disco onde o desencanto e a melancolia ocupam terreno, notando-se uma certa tendência para o que chamaremos de dormência composicional, um certo desprendimento, uma apatia que é mais estética do que verdadeiramente interessante. Com o segundo single, mais ou menos a mesma coisa. “Sirens”, no entanto, e mesmo assim, resulta melhor, uma vez que existe nele um certo brilho na voz e no bonito desencanto que dele resulta. Na verdade, Flying Wig nunca chega a levantar voo, permanecendo sobre nós em modo de velocidade cruzeiro por sobre um céu nublado e com muito poucas abertas. “Fireflies” é das mais belas canções de todo o álbum, assim como “Charger”, que bem poderia ter sido feita por John Cale, também ele galês, como Cate Le Bon. Ao ouvi-la, outro nome surge nas nossas cabeças, o de Brian Eno, quando por vezes envereda no formato canção. “Flying Wig” é outro bonito momento, embora algo indistinto por poder ser confundido com algumas das restantes canções do álbum. Talvez por isso a canção e o LP tenham exatamente a mesma designação. Talvez.
Estamos curiosos em ver como Flying Wig funciona em cima do palco. Está para breve a atuação de Devendra Banhart cá pelo burgo, pelo que não tardaremos em ter resposta às nossas interrogações. Para já, não nos parece que a peruca escolhida por Devendra Banhart em 2023 venha a ser um acessório memorável, daqueles que ficarão para sempre no desenho sonoro que foi construindo ao longo dos seus anos de artista.